O que Amartya Sen tem a ensinar aos brasileiros?, por Fábio de Oliveira Ribeiro

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Foto: Fronteiras do Pensamento

Por Fábio de Oliveira Ribeiro

Em seu livro, Amartya Sen defende a necessidade de um equilíbrio entre economia e política, entre Estado e mercado, entre a produção e comercialização de bens privados e a oferta de serviços públicos. Ele também coloca no centro do debate econômico questões que podem ser muito mais relevantes do que a renda. A crítica que ele faz ao neoliberalismo é muitas vezes embasada na obra de Adam Smith, autor curiosamente incensado e renegado pelos neoliberais.

Ao longo da obra, Sen faz varias comparações entre China e Índia. Destacarei aqui duas delas:

“Quando adotou a orientação para o mercado em 1979, a China já contava com um povo altamente alfabetizado – em particular s jovens – e boas instalações escolares em grande parte do país. Nesse aspecto, as condições da China não diferiam muito da situação básica na Coréia do Sul ou em Taiwan, onde também uma população instruída desempenhara um papel fundamental no aproveitamento das oportunidades econômicas oferecidas por um sistema de mercado propício. Em contraste, a Índia possuía uma população adulta semianalfabeta quando adotou a orientação de mercado em 1991, e a situação atual não é muito melhor.” (Desenvolvimento como Liberdade, Amartya Sen, Companhia de Bolso, São Paulo, 2010, p. 63)

“Combinar o uso extensivo dos mercados com o desenvolvimento de oportunidades sociais deve ser visto como parte de uma abordagem ainda mais ampla que também enfatiza liberdades de outros tipos (direitos democráticos, garantias de segurança, oportunidades de cooperação, etc.). Nesse livro a identificação de diferentes liberdades instrumentais (como intitulamentos econômicos, liberdades democráticas, oportunidades sociais, garantias de transparência e segurança protetora) tem por base o reconhecimento do papel de cada uma, bem como de suas complementariedades. Dependendo do país considerado, o enfoque de uma crítica pode variar. Na Índia, por exemplo, a negligência das oportunidades sociais pode ser enfocada pela crítica de um modo que não se aplica à China, ao passo que a ausência de liberdades democráticas pode ser enfocada pela crítica sobre a China mais apropriadamente do que poderia ser sobre a China.” (Desenvolvimento como Liberdade, Amartya Sen, Companhia de Bolso, São Paulo, 2010, p. 170)

Para Amartya Sen, antes de adotarem reformas de mercado China e Índia apresentavam características opostas. A primeira havia ofertado mais educação aos chineses privando-os de liberdade. A segunda proporcionou mais liberdade aos indianos deixando-os privados de educação. O maior ou menor crescimento econômico pode, assim, ser explicado pela situação educacional das respectivas populações antes da introdução dos mecanismos de mercado.

E o Brasil? O Brasil melhorou muito sua situação educacional sob os governos Lula e Dilma. Mas ainda há muito a ser feito. A educação universitária atinge apenas uma pequena parcela da população, com predomínio de estudantes brancos http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2015-12/ensino-superior-avanca-25-pontos-percentuais-entre-jovens-estudantes-em-10. As deficiências e desafios na educação fundamental são amplamente reconhecidos http://ultimosegundo.ig.com.br/educacao/2015-04-28/dia-da-educacao-veja-quais-sao-os-principais-desafios-do-brasil-na-area.html. O analfabetismo ainda é uma triste realidade que afeta quase 13 milhões de pessoas http://www.valor.com.br/brasil/4787959/brasil-tem-129-milhoes-de-analfabetos-aponta-pnad.

Michel Temer congelou os investimentos em educação e pretende privatizar as universidades públicas. A reforma do ensino médio que ele tenta promover é rejeitado por educadores e estudantes. O aprofundamento da recessão (segundo alguns economistas o Brasil já estaria sofrendo uma depressão econômica) afasta do ensino superior privado milhões de desempregados.

Após o golpe de estado de 2016 que retirou a soberania popular do cenário político nacional, a repressão policial aumentou e se tornou mais violenta. No campo a letalidade dos conflitos pode ser medida pelas pilhas de corpos de índios e de sem terras. O Estado que reprime operários em greve, contudo, não se faz presente no combate ao crime organizado por ruralistas que apóiam o usurpador.   

O contexto criado para as reformas de mercado desejadas por Michel Temer é o pior possível. Na esfera educacional o Brasil está sendo transformado na Índia. Na esfera política nossas liberdades estão sendo reduzidas à pauladas, tiros e bombas. O resultado da liberalização econômica promovida pelo usurpador não será outro senão o aprofundamento da depressão econômica e da resistência cada vez mais ativa à opressão policial.

É evidente que o Brasil chutou a escada antes de chegar ao primeiro mundo. Agora está sendo atirado num poço pelo seu governante. Se uma revolução não ocorrer, em 10 anos teremos um sistema educacional pior que a Índia e uma tirania mais sanguinária que a da China. Seremos os últimos entre os últimos. É isto o que nós desejamos?  

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Fábio de Oliveira Ribeiro

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