O retrocesso comandado pela mídia, por Celso Vicenzi

Enviado por Spin Ggnauta

Do blog de Celson Vicenzi

A mídia comanda o retrocesso

Uma fotomontagem em que a presidenta Dilma Roussef aparece de pernas abertas, na boca de um tanque de automóvel, jogou mais combustível na fogueira de ódio e insensatez que se espalha por todo o país. A imagem é chocante e não ofende apenas a mais alta autoridade do país, mas todos os cidadãos e, principalmente, as mulheres, no Brasil e no mundo. A metáfora visual é a de uma penetração sexual, de um estupro.

Essa afronta não é um caso isolado. Pelo contrário, a passividade das principais autoridades do país tem autorizado uma série de crimes, contra a democracia e contra a dignidade humana. Por trás de gestos mais raivosos, tresloucados e imbecilizados, foi tecida uma competente estratégia de propagar o ódio e promover a agitação social necessária à aplicação de um golpe de estado para o qual só parece faltar o acerto de data. Mais que um golpe contra o resultado das urnas, seria um golpe contra boa parte dos avanços civilizatórios duramente conquistados desde o fim da ditadura de 64. Some-se a isso uma intolerância religiosa que era até então desconhecida no país e que hoje grita seus slogans medievais muito além dos púlpitos, nos parlamentos e nas emissoras de rádio e tevê.

Depois da quarta derrota eleitoral à presidência, os setores mais conservadores da sociedade brasileira perceberam que, pela via democrática, suas chances de ascender ao Palácio do Planalto tornaram-se remotas. Se não foi possível convencer pelo voto, importantes setores da mídia, do parlamento e do judiciário desenharam nova estratégia. Os principais veículos de comunicação passaram a desenvolver, diariamente, uma estratégia que consiste em omitir o que há de positivo no país e exagerar na análise pessimista. Mais que isso: o que poderia ser uma excelente oportunidade para desnudar como funciona o esquema de financiamento de campanhas políticas e o uso da máquina pública e de empresas estatais para troca de favores – em todas as esferas, federais, estaduais e municipais – resultou em uma justiça caolha, uma mídia manipuladora e um Congresso Nacional retrógrado, centrados no objetivo de criminalizar um único partido, um único governo e, especialmente, Lula e Dilma.

O festival de imagens agressivas vem sendo produzido há muito tempo. Um dos casos mais recentes ocorreu na coluna do jornalista Ricardo Noblat, no jornal O Globo (29/6/2015), que pôs a cabeça degolada da presidenta Dilma em uma bandeja. O título acompanha o “primor” da ilustração: “Em jogo, a cabeça de Dilma”.

O jornal Correio Braziliense publicou no dia 8/9/2014, na capa, uma foto de Beto Barata em que uma metralhadora é apontada contra a face da presidenta durante desfile militar de 7 de Setembro. O mesmo truque de angulação – usado à exaustão e, portanto, já sem nenhuma originalidade – deu a Wilton Júnior (O Estado de S. Paulo) o Prêmio Esso de Fotografia de 2012. Ilusoriamente uma espada trespassa o corpo da presidenta, durante uma cerimônia na Academia Militar das Agulhas Negras, em Resende (RJ).

Se alguns dos principais veículos de comunicação, por repetidas vezes, simulam que a presidenta deve ser executada – e aí não há nenhuma possibilidade de inocência nessa metáfora de “morte à presidenta” –, porque deveríamos estranhar que essa convocação à “malhação de Judas” não encontraria campo fértil em meio a milhares de internautas ávidos por exibir toda a sanha reacionária e a falta de escrúpulo no debate político? Por que nos surpreenderíamos com tantos cartazes pedindo a volta da ditadura em passeatas que a mídia louva como a fina flor da democracia? Por que nos espantaríamos com as bancadas evangélicas, da bala e do latifúndio a vociferar contra os direitos humanos?

Houve quem tenha se recusado a reproduzir, nas redes sociais, a imagem sórdida de uma mulher, de pernas abertas na boca do tanque de combustível de um automóvel.  Compreendo e louvo a tentativa de evitar a banalização da cena. Inclino-me, no entanto, na direção contrária, por uma razão: não podemos deixar de ver, compreender e estar alerta contra o que ameaça destruir a dignidade humana. Ver para não se iludir sobre o crescimento da barbárie. Ver para denunciar o ódio que cega tantas pessoas que se consideram humanas, amorosas.

Estranhamente, começaram a surgir, também na internet, os indignados contra quem se indignou. Houve muitas críticas aos que optaram por mostrar as imagens anexas aos textos de protesto a esse ato de misoginia. Boa parte dos críticos não atacou os autores da fotomontagem que escandalizou o país. Preferiu desviar o foco do debate, para tentar atingir apenas aqueles que se disseram profundamente impactados pelo ato vil.

A imagem é grosseira e não cabe banalizá-la com reproduções gratuitas e comentários machistas. Mas é preciso mostrá-la a quem ainda não viu, para que percebam a extensão do que acontece hoje no Brasil, e acordem a tempo de evitar o pior. Há uma profusão de atentados à democracia e à dignidade humana. E, por serem desferidas contra o atual governo, contra Lula, Dilma e o PT, não faltam incentivadores desse ódio que brota de nossas raízes racistas, conservadoras e elitistas.

Há coisas que precisam ser vistas. Não há como esconder as atrocidades que o ser humano já foi capaz de perpetrar, ao longo de milênios. Algumas imagens têm o poder de alertar contra a fera humana, sempre numa tênue fronteira entre civilização e barbárie.

A imagem que repugnou o país é somente o ápice de uma ação que tem os donos da mídia como principais articuladores. É um movimento que também grita contra os direitos humanos, que não se conforma com a inclusão social, não se importa em entregar as riquezas e o futuro do país aos interesses do capital internacional, não se importa com uma justiça de duas caras, dois pesos e duas medidas, que não aceita as mudanças que ocorreram nos últimos anos beneficiando sobretudo os mais pobres. Essa imagem é só uma amostra do nível de degradação a que estaremos expostos se as forças reacionárias dominarem novamente o Brasil.

Redação

4 Comentários

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  1. A sobrevivência da Mídia depende de achaque aos governos

    Por que a MIdia ataca o governo da Dilma, Lula, Dirceu e outros políticos que ocuparam o governo. Por “achaque”, é o mesmo procedimento  de Assis Chatobrian relatado no livro “Chatô o  rei do Brasil” isto é revelado por Collor no senado em  http://www.conversaafiada.com.br/brasil/2015/07/06/collor-veja-e-achacadora/. A Mídia brasileira sobrevive mamando nas verbas dos governos tomando dinheiro da população.

  2. Há muito tempo tenho essa

    Há muito tempo tenho essa percepção de que quem atrasa o país não são os políticos, é a mídia.

    Ela pressiona todos os governos até que ele se vê obrigado a alianças espúrias com o pior da política, para sobreviver.

    Com uma mídia não ao seu lado, mas minimamente isenta, e menos canalha, talvez esse Governo não precisasse do PMDB, assim como o do PSDB precisou/precisa/precisaria.

  3. A crise é politica… Logo

    É uma insatisfação arraigada de longa data, o PT como um partido de esquerda sabe muito bem que a insatisfação popular tem tempo e data certa para eclodir. Os instintos primitivos, que caracterizam a raça humana, eclodem irresistíveis, quando as forças que deveriam inibi-lo deixam de atuar como deveriam.

    Muitos não esperavam que a situação fosse na direção que esta indo. Urge uma reação firme, determinada, mostrando as forças do caos que se espera a manutenção da ordem em beneficio dos brasileiros. Tudo leva a crer que se esta reação não acontecer de imediato estas forças destrutivas ganharão por inércia e talvez, qdo se procurar reagir, seja tarde demais.

    Nas eleições passada o atual governo foi eleito com a adesão de ultima hora daqueles que tinham a intenção de anular o voto, esta adesão aconteceu com toda certeza ao se constatar o crescimento da raiva e do ódio que tomou conta da campanha, a situação esta se repetindo e tem tudo para o tiro sair pela culatra contra esta manifestações de barbárie e  derrotar definitivamente esta oposição inadequada que não tem outro subterfugio de chegar ao poder transgredindo as regras do jogo.

    A violência desmedida  é a ação dos incompetentes ou dos mal intencionados, que esperam conseguir a vitória de qualquer jeito. Inclusive e principalmente qdo possuem telhado de vidro e o rabo preso.

    O maior prejudicado pela negligencia em não se impor uma reação contra o movimento de ruptura que avança sera o Brasil. O povo brasileiro sempre se destacou por sua generosidade inata, solidariedade e gentileza. Quando este povo canta hoje o hino nacional a pleno pulmões e impressiona o mundo, os patrocinadores do caos deste Pais devem colocar a barba de molho, se daqui pra frente este povo se manifestar com a mesma ênfase diante das mazelas históricas que o mantém no terceiro mundo, este pessoal vai pensar duas vezes antes de tentar melar o jogo.

    O que aconteceu na França no episódio da Quenelle é bem emblemático com o que acontece por aqui.

    Podia-se considerar a situação econômica e financeira da França (catastrófica), ou os muitos problemas sociais que assolavam a já muito frustrada população francesa, mas focando um aspecto específico da crise francesa: a amplíssima distância que separa a maioria da população, de um lado, e as elites governantes, de outro, e que foi ilustrado com caso muito eloquente: a crescente histeria que acometeu as elites francesas, por causa de um filósofo – Alain Soral – e um comediante de show de piadas, um stand-up comedian – Dieudonne M’bala M’bala.

    É necessário uma reação firme contra o crescimento das forças reacionárias. A campanha sistemática para silenciar “Dieudo” [pr. /Diô-dô/] como é conhecido na França. Dieudo recusou-se a encolher-se e retaliou, fazendo piada dos que o estavam perseguindo, o que o converteu em ídolo dos muitos que odeiam as elites financeiras que governam a França desde 1969.

    O povo brasileiro é simples mas, não é bobo. Desperte-se-lhes os brios e as coisas caminham para o lado da normalidade.

    Elementos da Liga de Defesa dos Judeus (LDJ) apareceram no tribunal para gritar insultos contra Dieudo e seus apoiadores, os quais revidaram gritando insultos contra elementos da LDJ, ao mesmo tempo em que jogam abacaxis contra eles, cantando “Shoananas”. Os policiais faziam o que podiam para manter os dois blocos separados. De repente, os apoiadores de Dieudo começaram a cantar “liberdade de expressão” [fr. liberte d’expression], ao que os apoiadores da LDJ responderam com gritos de “am Israel hai” (“Israel vive”, em hebraico) e começaram a cantar o hino nacional de Israel. Nessa altura, os apoiadores de Dieudo começaram a cantar “A Marselhesa”, a plenos pulmões, canto que imediatamente sobrepujou a voz dos ativistas da Liga de Defesa dos Judeus.

    Mas… examinem melhor os rostos que cantam “A Marselhesa”: conseguem ver que muitos, ali, são mulatos e negros? São, precisamente, os jovens vindos sobretudo, embora não exclusivamente, das famosas “periferias”. Bem poderiam ser, exatamente, os mesmos que, em 2001 e 2002 vaiavam o Hino Nacional da França quando era executado nos campos de futebol (o que causou imenso escândalo, à época).

    “A Marselhesa” é primeiro e sobretudo, um canto revolucionário, e quando aparece muito mais berrado que cantado por multidões de pobres de punhos erguidos, é claro que se está diante de desenvolvimento muito, muito, muito sério. Desnecessário dizer que nada disso foi “notícia” na imprensa-empresa francesa. Mas pode-se apostar que as elites viram tudo aquilo. E é fácil imaginar o medo que aquelas imagens lhes inspiraram.

    Coincidência ou não, quando os policiais ouviram aquela multidão a cantar “A Marselhesa” aos gritos, imediatamente começaram a tirar os ativistas da LDJ de dentro do prédio do Tribunal. Nem chega a surpreender, se se considera a imensa popularidade de que gozam Dieudo e Soral entre os quadros das várias corporações uniformizadas na França (adiante, mais sobre isso).

    Alguma coisa de muito importante e de muito novo estava acontecendo na França.

    O governo Dilma necessita urgentemente do melhor populista que a politica sempre contou, uma retorica demagógica seria a salvação da lavoura para a baixa popularidade de que padece o governo, mas, parece que até isto se esqueceram de como se faz. Seria necessário afagar o povo, encostar a cabeça em seus ombros sempre generosos, matéria para isto não falta, o PT vive apregoando que a politica adotada foi a que mais tirou o brasileiro da miséria, pois então…

    Seria necessário um discurso de humildade em que se reconheceria os erros, que não foram poucos, por outro lado relembrar os benefícios que a politica de inclusão possibilitou retirar da extrema miséria milhões de brasileiros. Esquecer o discurso batido de que o PT é a melhor possibilidade no lugar do bicho-papão. Sera que a memoria é tão curta que não se lembrem que a tão pouco tempo a popularidade da Dilma encostava no céu? Sera que esta tudo perdido? É necessário se jogar nos braços do povo, para perplexidade da oposição. Deixe de lado os brios e parta-se para os rincões deste brasilzão generoso de sempre.

  4. INIMIGOS DA DEMOCRACIA PAGARÃO PELA INFÂMIA

    Fico a me perguntar se o facínora que publicou o adesivo infame contra a maior autoridade do país teria peito de fazer algo semelhante contra um ditador, sem que a Polícia Federal ou qualquer outro órgão da represessão não o apanhasse imediatamente. E olha lá se sobrevivesse para contar a história.

    Causa-me estranheza, portanto, o silêncio cúmplice de certas “otoridades”, sempre tão ágeis na hora de prender petistas ou desacatar a Presidenta Dilma. Acham que será todo tempo assim? Que nunca serão punidos?

    Bom saberem que tudo tem limite.

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