Aldo Fornazieri
Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.
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Opinião pública e o limite do discurso da mudança, por Aldo Fornazieri

O conceito de opinião pública, ao menos no campo da teoria política, é controverso e não há um consenso sobre ele, seja quanto ao significado, seja quanto à sua função. Desde Platão, o conceito de opinião (doxa) vem sendo construído em oposição ao conceito de ciência ou conhecimento verdadeiro (episteme). Atribui-se à opinião um caráter subjetivo, de baixo valor cognitivo, de alto valor voluntarista ou de falsa consciência na visão do marxismo, produto da  experiência sensível do homem na sua relação com o mundo empírico. Se é bem verdade que a opinião continua com ausência de garantia de validade, o fato é que hoje seu campo se expandiu e não há mais uma clara nitidez intransponível de fronteira com o conceito de ciência. De alguma forma ou de outra, admite-se que possam existir alguns graus de intersecção entre opinião e ciência.

A noção de opinião pública enquanto conceito político já era conhecida dos romanos e aparece em escritos do historiador Tito Lívio através da expressão Vox populi vox dei (a voz do povo é a voz de deus). Maquiavel, Rousseau, Hegel e os Federalistas norte-americanos tratam do tema e, de modo geral, sustentaram que a opinião pública tem um caráter ambíguo, mas desempenha um papel mais positivo do que negativo. A opinião pública conteria a verdade (vox dei), mas também estaria sujeita ao engano e ao extravio, principalmente pela ação dos políticos demagogos. Mesmo assim, ela seria muito mais constante e sábia do que a opinião dos príncipes e dos governantes em geral, pois ela sabe identificar melhor do que eles onde está o verdadeiro bem comum.

Se na tradição da política clássica a opinião pública tinha um papel não só ativo, mas também virtuoso, na visão dos analistas contemporâneos, que levam em conta principalmente a função da mídia, a opinião pública aparece quase que de forma exclusivamente passiva e como um grande campo de manipulação patrocinada pela técnica em geral e pelas técnicas comunicacionais e de marketing em particular. Os especialistas em comunicação e marketing e os próprios partidos políticos consideram que na democracia, o povo, prisioneiro de seu subjetivismo, de seu conhecimento sensível e de sua ignorância, deve ser conduzido pelos técnicos que dominam os saberes específicos e a ciência. Esse pressuposto conclui que a opinião pública não só é manipulada, mas que é construída pela mídia e pelo marketing.

O pressuposto é falso, mesmo que se considere que a mídia e o marketing possam ter algum papel na formação da opinião pública. Na verdade, a opinião pública, que se forma no processo da sociabilidade, é resultante de múltiplas interações sociais e muitas vezes ela se coloca em confronto com a opinião predominante da mídia ou dos governantes que se apoiam na comunicação e no marketing. Essa situação ocorre porque a percepção clássica sobre do caráter ambíguo da opinião pública é verdadeira: embora possa ser enganada, a opinião pública sabe reconduzir-se à verdade do seu interesse. Além dessa imanência virtuosa do povo, existem outros fatores que limitam a ação manipuladora da técnica, da comunicação e do marketing. As democracias modernas são cada vez mais monitórias, constituídas por várias organizações plurais que monitoram, fiscalizam, criticam e cobram os governos, os parlamentos, os partidos, os políticos e a própria mídia. Todos estes atores perderam o monopólio do discurso político e isto faz crescer o ceticismo acerca do poder e da própria mídia tradicional. O advento da internet, por seu turno, desmonopolizou a própria mídia.

A Febre do Discurso da Mudança e  Seu Limite

Os partidos, os candidatos e os marqueteiros parecem não ter compreendido a especificidade da atual conjuntura política. Ao constatar que as pesquisas indicam que mais de 70% do eleitorado tem um forte anseio de mudanças assumem esse dado como o dado principal da conjuntura e tentam abordá-lo com o discurso formalístico e vazio. Há uma mera tentativa de representação e de encarnação da mudança. Tanto candidatos governistas, quanto oposicionistas procuram se apossar de tal discurso numa espécie de torneio para ver quem veste mais o figurino da mudança. No fundo, abordam as expectativas de mudança sem qualificá-las.

Ocorre que a partir das manifestações de 2013 criou-se uma singularidade conjuntural que marcará as eleições deste ano. Esta singularidade consiste no fato de que o anseio de mudança não se remete especificamente apenas à ideia de troca deste ou daquele governo, mas à política em geral, ao modo de fazer política e aos valores ou a falta deles que vêm informando a atual maneira de fazer política. Esta conjuntura está marcada pela deslegitimação das instituições, dos partidos e dos políticos. Desta forma, não basta apresentar-se como alternativa a este ou a aquele governante. É preciso anunciar o como será e qual será o conteúdo da nova forma de fazer política e firmar um compromisso de coerência com essa promessa.

Por não conseguir perceber qual é a natureza da exigência popular, Dilma fica oscilando para baixo e para cima em torno dos 38% e os seus oponentes não conseguem deslanchar porque, efetivamente, o eleitorado não os identifica como a mudança que ele exige. Ou seja, como já dissemos em outro artigo, Aécio e Campos fazem parte de algum tipo de continuidade da velha política que está aí.  Se o povo apresenta, nesta conjuntura, uma exigência singular e qualificada de mudança e não simplesmente a mudança deste o daquele governante, tende a ganhar pontos aqueles candidatos que souberem abordar criativamente esta exigência, mostrando como será a nova política e qual será o seu conteúdo programático. A proclamação formalística da mudança tende a cair no vazio, pois ela se assenta na falsa tese de que a opinião pública é inteiramente manipulável. É preciso investir na relegitimação das instituições e da política com o compromisso de viabilizar novas formas de agir e com propostas que enfrentem de forma factível o déficit de capacidade de governar que contamina as nossas instituições.

Aldo Fornazieri – Cientista Político e Professor da Escola de Sociologia e Política.

Aldo Fornazieri

Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.

11 Comentários

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  1. Disse muito

    … parecem não ter compreendido a especificidade da atual conjuntura política. Ao constatar que as pesquisas indicam que mais de 70% do eleitorado tem um forte anseio de mudanças…

    Esta singularidade consiste no fato de que o anseio de mudança não se remete especificamente apenas à ideia de troca deste ou daquele governo,….

    Desta forma, não basta apresentar-se como alternativa a este ou a aquele governante.

    Dilma fica oscilando para baixo e para cima em torno dos 38% e os seus oponentes não conseguem deslanchar porque, efetivamente, o eleitorado não os identifica como a mudança que ele exige.

    Ou seja, como já dissemos em outro artigo, Aécio e Campos fazem parte de algum tipo de continuidade da velha política que está aí. 

  2. Disse tudo

    A proclamação formalística da mudança tende a cair no vazio, pois ela se assenta na falsa tese de que a opinião pública é inteiramente manipulável.

  3. Caro Aldo,
    sua opinião

    Caro Aldo,

    sua opinião particular contribui para um debate sobre o assunto, mas há um problema , digamos inicial,  de difícil superação:

    Trata-se daquele começo lá em Platão, passando , inclusive, por Hegel( quem  o compreende, Zizek?)

    Você passa pela idade sem luz  , pelo império romano, pela filosofia cristã; em seguida , ilumina a idade.

    Ato contínuo,  salta para a opinião de analistas contemporaneos, e rapidamente chega à  internet, às manifestaç~eos de  2013, na Dilma , nos demais candidatos , fala alguma coisa sobre  mudança e logo, logo, já conclui.

    Ah! pareceu-me também que você quis nos dizer alguma coisa sobre as  escolas de frankfurt, ou alguma coisa do Lasswell com toda aquela “hipodermia”  persuativa…

    Complicado debater.

    Suas premissas foram longe demais para chegar no “aqui e agora”. Aliás, você deu piruetas pela história distante – do velho continente até hoje ,2014, aqui, na antiga  colônia. 

    Curiosamente, você nem sequer sugere o funcionamento de NOSSA opinião pública.

    Não li nada que se aproxime de Casa grande e senzala. Não li nada sobre a familia patriarcal e muito menos ainda sobre a famigerada democracia RACIAL, ou se preferir, um certo equílibrio entre contrários”.

    Nem percebi nada à respeito de nossas “raizes do brasil”, ou dos nossos amáveis  “donos do poder. Nada que possa nos remeter às “opiniões” do freyre, florestan, Sérgio, Caio, Paulo, Ruy, Nabuco, Antônio, Raymundo, Rosa e Cunha, com os seus “sertões”,  entre outros.

    Enfim, em função disso, posso extrair uma conclusão inicial( não exaustiva e muito menos terminativa).

    Suas premissas não foram adequadas, logo, sua conclusão é falsa.

    Acho que estamos diante de um sofisma, daqueles que tentam, sem êxito,  “formar” a opinião pública.

     

     

     

     

  4. Dilma

    “Por não conseguir perceber qual é a natureza da exigência popular, Dilma fica oscilando para baixo e para cima em torno dos 38%”

    Apóio quase a totalidade do texto, mas sua leitura da reação do governo Dilma às novas demandas populares é injusta. Dilma foi exatamente a única autoridade política que, no meio do calor das manifestações populares, veio a público dar a cara a tapa e propor a reforma política, que não vi nenhum manifestante defendendo. Ela não só percebeu a “natureza da exigência popular” como a ajudou a se formular. Tanto foi assim que, depois de sua proposta, parte dos manifestantes passou a erguer a bandeira da reforma política.

  5. Bate na trave….Se as

    Bate na trave….Se as pesquisas perguntassem se o pesquisado quer que dobre o salário mínimo, teríamos uns 80% de “sim” (quem emprega doméstica provavelmente votaria “não”). Mas ninguém pergunta. O texto fala de manipulação em torno de “mudança” mas daí embarca no “conteúdo” do conceito. Pode ser até que a convergência dos marqueteiros, políticos e mídia consigam instalar essa agenda. Mas tb pode ser q não. Não dá ainda para dizer. É certamente, apesar do que está argumentado no texto, a melhor alavanca para a oposição federal, sinucada por um governo relativamente exitoso na promoção de pautas populares. Mas não é a melhor agenda para os governistas. Esses não deveriam deixar a água escorrer para “mudança” e sim insistir na “continuidade” das políticas atualmente populares e denunciar a “mudança” como um artifício de quem quer realmente é voltar para trás.

  6. Mídia e Congresso boicotam conselhos, plebiscito, reformas….

    Não tenho o link mas tempos atrás li um texto sobre o sucesso do gabinete digital do  governo  petista do Rio Grande do Sul, a grande participação dos cidadãos, o povo quer participar e os conselhos seriam uma saída mas essa proposta de Dilma não foi aceita pela imprensa tucana ..,,,Jabor e cia vieram com o discurso  anti-bolívar dando a entender q se trata de ditadura quando tais conselhos não substituem o parlamento, não deliberam nada, apenas sugerem, como a população fez para criar o SUS….e se trata de previsão constitucional tal como eh também  previsão constitucional a implantação  do  conselho na área da comunicação mas a mídia partidarizada não aceita,,,,e a mídia está acima da constituição

  7. A necessidade de mudança é do

    A necessidade de mudança é do ser humano e vai acompanhá-lo a vida inteira; acredito que não exista uma pessoa no planeta que se for perguntada se quer mudanças vá responder que não. Associar o  desejo de mudança à política, sobretudo a campanhas políticas ou a partidos políticos é que eu acho que é marketing de todas as áreas. 

  8. Por não conseguir perceber

    Por não conseguir perceber qual é a natureza da exigência popular…

    Ocorre que a partir das manifestações de 2013 criou-se uma singularidade conjuntural que marcará as eleições deste ano. Esta singularidade consiste no fato de que o anseio de mudança não se remete especificamente apenas à ideia de troca deste ou daquele governo, mas à política em geral, ao modo de fazer política e aos valores ou a falta deles que vêm informando a atual maneira de fazer política. Esta conjuntura está marcada pela deslegitimação das instituições, dos partidos e dos políticos.

    O Poder anestesia. A unica linguagem entendida é esta.o

  9. Se a mídia não “fizesse a

    Se a mídia não “fizesse a cabeça” das pessoas as empresas não gastariam com publicidade… negar que a “opinião púplica” em países como o nosso – ou como os EUA – tá mais prá “opinião publicada”  me parece uma grande bobagem…

  10. Qual opiniao pública ?

    Esse pressuposto conclui que a opinião pública não só é manipulada, mas que é construída pela mídia e pelo marketing… O pressuposto é falso, mesmo que se considere que a mídia e o marketing possam ter algum papel na formação da opinião pública. Na verdade, a opinião pública, que se forma no processo da sociabilidade, é resultante de múltiplas interações sociais e muitas vezes ela se coloca em confronto com a opinião predominante da mídia ou dos governantes que se apoiam na comunicação e no marketing.

    Se a opinião pública for sobre uma realidade conhecida pelas pessoas é óbvio que a mídia terá pouco poder de manipulação, mas se for sobre uma realidade desconhecida ela fica totalmente a mercê. Por exemplo: é difícil fazer as pessoas acreditarem que uma economia em franca recessão vai bem, mas é muito fácil fazê-las crer que existe um inimigo a ser perseguido para a salvação da pátria.

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