Para Fernando Morais, é preciso cuidado para ler a imprensa brasileira

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Jornal GGN – Como um dos 43 brasileiros que integram a delegação nacional no salão do livro em Paris, Fernando Morais concedeu entrevista ao RFI. Um dos pontos abordados foi a atuação da mídia, que se comporta de forma ‘partidária’, podendo dizer a verdade ou não quando aborda o caso José Dirceu, por exemplo. Fernando Morais está em Paris com nova tradução de Olga, escrito em 1985. Falou também da questão das biografias e a discussão em torno do tema. Leia a matéria a seguir.

Sugestão de Alfeu

do RFI

Fernando Morais, no Salão do Livro de Paris, entrevistado por Adriana Brandão.

Fernando Morais, no Salão do Livro de Paris, entrevistado por Adriana Brandão.

RFI

O jornalista e escritor Fernando de Morais é um dos 43 brasileiros que integram a delegação nacional no Salão do Livro de Paris. O autor promove a nova tradução de “Olga” para o francês. Morais participou na feira parisiense de várias sessões de autógrafos e palestras falando sobre biografias e sobre o Brasil de hoje. Ao comentar neste domingo (22) a revelação de que o ex-ministro José Dirceu estaria envolvido na Operação Lava Jato, disse estar arrepiado. Mas ponderou que a informação “tanto pode ser verdade, quanto uma invenção. A imprensa brasileira é muito partidária.”

A biografia “Olga”, de Fernando Morais, acaba de ganhar uma nova tradução francesa pela Editora Chandeigne. O livro completa este ano 30 anos e quando foi lançado em 1985 foi uma revelação.

O primeiro presidente civil chegava ao poder, o país saia de mais de 20 anos de ditadura militar e descobria a história oculta por décadas de Olga Benário Prestes, mulher do líder comunista Luis Carlos Prestes. Alemã, judia e revolucionária, ela foi entregue pelo governo Vargas ao regime nazista grávida, em 1936, e assassinada em uma câmara de gás de um campo de concentração na Alemanha, em 1942.

Polêmica sobre biografias

Em seguida, o jornalista ressuscitou outros personagens da história brasileira, como Assis Chateaubriand ou Casemiro Montenegro Filho. Ultimamente, deixou os mortos de lado para se dedicar aos vivos. Sua última biografia é o “Mago”, sobre o escritor Paulo Coelho. Agora, Morais está escrevendo um livro sobre o ex-presidente Lula. Isso, apesar de ter declarado que nunca mais escreveria livros biográficos, na época da polêmica sobre a nova lei de biografias. Juntamente com outros escritores, Fernando Morais, criticou uma tentativa de censura prévia.

Em 2013, um grupo de artistas brasileiros se mobilizou contra a lei sobre biografias não autorizadas, elaborada para impedir os processos na justiça que impediam as publicações. Depois de muita polêmica, a lei foi finalmente aprovada na Câmara, mas ainda tramita no Senado.

Entrevista

No Salão do Livro de Paris, Fernando Morais  concedeu uma longa entrevista à RFI sobre seu trabalho e a atual conjuntura política.

RFI: A nova tradução de Olga para o francês é lançada exatamente 30 anos após sua primeira publicação e quando o Brasil comemora três décadas de redemocratização.

Fernado Morais: É uma coincidência felicíssima. Se não tivesse acabado a ditadura, eu não teria conseguido publicar esse livro. Eu comecei a pesquisar durante a ditadura, mas sabia que ia depender da democracia para tornar o livro público.

Você fez questão de anunciar aqui no salão uma vitória nessa batalha sobre a publicação de biografias.

Compartilhei uma pequena vitória que tivemos na semana passada. Uma juíza do Tribunal de Justiça de São Paulo mandou arquivar um processo que estava sendo movido por uma senhora paulista, contra mim e contra minha editora (Companhia das Letras), por causa do meu livro “Chatô: o rei do Brasil”. Essa senhora, que teve um fugaz romance com o Assis Chateaubriand, em 1965, queria 30% de tudo o que o livro vendeu até hoje e queria que os exemplares remanescentes fossem destruídos. A juíza deu um parecer muito bonito e muito forte, negando o pedido. Essa não é uma vitória do autor, do advogado, ou da editora, é uma vitória da sociedade. O que está em questão não é o meu direito ao trabalho, mas é o direito da sociedade de se informar sobre ela própria.

É verdade que você parou de escrever biografias?

Parei. A menos que eu dependa disso para pagar as contas. É muito cansativo, Escrever não! Escrever é um prazer permanente. Vou tentar fazer outra coisa. Quem sabe vender caju numa bandeijinha na Praça Buenos Aires.

Você já foi deputado nos anos 80, continua sendo um homem engajado, de esquerda. Como você avalia a situação política no Brasil hoje?

Vejo com muita tristeza, com muita preocupação. Sou luterano com essa questão da honestidade do homem público. Acho que todo mundo que sujou a mão com dinheiro público tem que ir para a cadeia e as penas tem que ser pesadas. (…) Eu não sou do PT, nunca fui. Aliás, tenho muitas divergências com o PT, tenho também algumas convergências. Mas estou nauseado com as denúncias.

Chegou a iniciar uma biografia sobre o ex-ministro José Dirceu, condenado no julgamento do Mensalão. Por que interrompeu o projeto?

Parei porque ele não tinha tempo. É um projeto anterior ao Mensalão. Eu não sou amigo do José Dirceu. Mas estou convencido de que neste caso do Mensalão, o crime que o PT cometeu não é de natureza penal, é de natureza eleitoral. Eles fizeram o que todos os partidos no Brasil fazem, que é o chamado caixa dois. (…) Isso é um crime eleitoral e eles estão sendo condenados por um crime previsto pela legislação penal. A partir do momento que o José Dirceu foi envolvido, passou a ser praticamente impossível eu ficar tomando depoimentos dele porque ele precisava cuidar da sua liberdade. (…) Então, nós paramos. Quando ele foi solto, eu já estava envolvido em um outro projeto, que é um livro sobre o ex-presidente Lula.

Você fala em crime eleitoral no caso do Mensalão, mas revelações atuais mostram que o nome do José Dirceu está envolvido na Operação Lava Jato.

Eu estou arrepiado. Eu vi hoje na manchete da Folha de São Paulo a notícia que ele arrecadou quase R$ 30 milhões como consultor. É um negócio inacreditável. É uma montanha de dinheiro. Eu vejo isso com temor, mas é preciso levar em consideração que a imprensa brasileira é muito sem vergonha. Isso tanto pode ser verdade, quanto pode ser uma invenção. E isso quem está falando é um jornalista que trabalhou em todos os veículos do Brasil, pelo menos nos mais importantes. É preciso tomar muito cuidado para ler a imprensa brasileira que é uma imprensa, sobretudo, partidária. Em qualquer lugar do planeta, de Cuba a Washington, imprensa está sempre a serviço dos interesses e da ideologia de quem paga as contas no final do mês. O que eu acho que pode revolucionar esse processo é a internet, porque a internet é um campo de livre atiradores. Eu gostaria de poder voltar à imprensa, sobretudo, para dizer essas coisas que eu estou te dizendo aqui. Muito provavelmente, se isso fosse numa rádio brasileira, não seria dado e, se fosse, seria editado.

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

10 Comentários

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  1. Pode ser, mas tem alguma

    Pode ser, mas tem alguma coisa muito errada com o PT,  tem agora seu segundo tesoureiro indiciado, já foram presos importantes figuras do partido, tudo isso enquanto o PT controla a PF e indica o pgr, imaginem se o  PT estivesse fora do governo e totalmente nas mãos dos opositores de todas as matizes? E a Dilma, segundo o juca, está “tranquila”, vai cair e levar o PT junto “tranquilamente”.

  2. Uma revisão necessária da máxima de Millôr

    Referida aqui neste próprio site por um comentarista, a máxima de Millôr necessita uma revisão nestes tempos bicudos:

     

    “Jornalismo é oposição sempre, seja quem estiver no governo. O resto é armazém de secos e molhados.”

     

     

     

  3. Parabéns, Fernando Morais,

    eu também, simples eleitora e simples cidadã, estou enojada com todo esse percurso que a imprensa dá aos fatos(ao modo dela), são ramais e caminhos muito escuros, parece que estamos todos nós brasileiros num trem fantasma REAL. Já não tenho muitos anos pela frente pra acompanhar os consertos de tantas asneiras cometidas por todos esses atores que se apresentam na cena política, administrativa, judicial etc. etc.

    Ler, só mesmo o que tem credibilidade.

    O resto deprime.

  4. Dilma teve, e tem, a grande

    Dilma teve, e tem, a grande chance de indicar Fernando Morais como Ministro da Cultura, por exemplo. Aliás, após a campanha, pensei que ela faria isso. Sou fã desse cara.

  5. E olha que Fernando Morais é

    E olha que Fernando Morais é marinista e na última eleição se revelou antipetista ao extremo. Quando vejo coisas assim, tenho a mais absoluta certeza de que não dá mais para adiar uma legislação a respeito da imprensa, que consagre o direito a resposta e puna o monopólio.

  6. Vale o que já dizia o grande

    Vale o que já dizia o grande Balzac há quase 200 anos atrás…

    “O jornal, em vez de ser um sacerdócio, se tornou um meio para todos os partidos; de meio, virou comércio, e, como todos os comércios, não tem moral nem princípios. Todo jornal é, como diz Blondet, um armazém onde se vendem ao público palavras da cor que ele quiser. Se existisse um jornal para corcundas, ele provaria dia e noite a beleza, a bondade a necessidade dos corcundas. Um jornal não é mais feito para esclarecer, mas para adular opiniões. Assim, todos os jornais serão, mais cedo ou mais tarde, covardes, hipócritas, infames, mentirosos, assassinos; matarão as ideias, os sistemas, os homens, e florescerão exatamente por isso. Terão o benefício de todos os seres da razão: o mal será feito sem que ninguém seja culpado por ele.” (Balzac – Ilusões Perdidas – 1837)

  7. JÁ PASSOU DA HORA

    É preciso uma TV Estatal pois com o sucesso que a mídia nas redes sociais alcançou a VOZ DO BRASIL  no rádio já não cumpre o seu “papel” de informações vindas da FONTE. É preciso um meio de informação com imagens sem “edição” onde a realidade possa ser aberta para os telespectadores em todo território nacional e fora do Brasil, também.

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