Pobre democracia brasileira, por Wagner Iglecias

Por Wagner Iglecias

Desde a volta da democracia no Brasil, com a eleição da chapa Tancredo / Sarney para a presidência e vice-presidência da república, no Colégio Eleitoral de 1985, não se tinha notícia de medida tão danosa ao nosso regime político. Refiro-me à aprovação em primeira votação, pela Câmara dos Deputados, da PEC que oficializa as doações de empresas privadas aos partidos políticos. Como se sabe a proposta ainda vai ser votada novamente naquela Casa, e mais duas vezes no Senado, mas a sinalização é de que nossa classe política, em sua maioria, quer inscrever na Constituição a possibilidade de empresas doarem recursos para nosso sistema político. Se isso ocorrer, a votação em curso no STF, que já havia enterrado esta possibilidade, mas segue interrompida há mais de um ano por iniciativa do ministro Gilmar Mendes, que pediu vistas, poderá sofrer uma total reviravolta.

A coisa é simples: empresa nenhuma põe dinheiro na campanha de candidato algum por causa de seus lindos olhos verdes, castanhos ou azuis. Ou porque ele, o candidato, é gente boa. A empresa põe dinheiro na campanha do candidato porque ela está fazendo um INVESTIMENTO. Se ele for eleito, a empresa terá aquele parlamentar ou governante a seu serviço depois, durante o exercício do mandato. Essa prática introduz uma profunda distorção na competição eleitoral, já que quem recebe dinheiro de empresa tem muito mais chance de se eleger do que quem não recebe, independente das idéias e propostas que um e outro tenham. E introduz mais distorção depois, no exercício do mandato, já que o eleito vai priorizar atender quem lhe patrocinou, e não você, eu ou qualquer outro cidadão ou cidadã comuns, que só dispomos do voto. Quem não entender isso (e não é difícil entender) não entenderá absolutamente nada do que está se passando em Brasília nestes dias e que terá conseqüências pelas próximas décadas neste país.

A iniciativa da presidência da Câmara, de colocar em votação, em menos de 24 horas, a mesma matéria do financiamento privado, após a derrota na 3a. feira, e a súbita mudança de voto de quase uma centena de deputados demonstra que nossos representantes, em sua maioria, não estão minimamente sensibilizados pelo clamor das ruas, manifestado em junho de 2013 mas latente até hoje. A eventual e bastante provável constitucionalização da doação de empresas privadas para os partidos políticos apenas aprofundará o abismo que já existe entre a sociedade civil e nossa classe política e nossas instituições. Ao invés de um modelo mais participativo, inclusivo e transparente de democracia, como desejam milhões de brasileiros, o que teremos com a aprovação desta PEC será exatamente o contrário. Aumentará o grau de sequestro do nosso sistema político pelos grandes interesses econômicos. O futuro que se avizinha é sombrio.

Wagner Iglecias é doutor em Sociologia e professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP.  

Redação

6 Comentários

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  1. Putz! Quando é que vão parar

    Putz! Quando é que vão parar de dizer que “empresa” põe dinheiro em campanha…

    Não existe “empresa”… existem pessoas que dirigem empresas…

    Por acaso, pessoas põe dinheiro em campanha só por gosto???

    1. Project Finance!

      Concordo com você, caro debatedor Zanchetta.

      De fato, o termo “empresa” é recorrentemente usado de forma muito equivocada.

      O termo “empresa” se aproxima mais do termo  “atividade”. Trata-se de uma atividade que organiza  fatores de produção para um fim específico. 

      Na economia de mercado, essa “organização de fatores” faz  “investimentos” que, por óbviio,   visam obter receitas maiores que despesas, isto é, lucros.

      Logo, o investimento ( ou financiamento) de um candidato qualquer visa lucro. E que lucro!

      Eis então mais uma “boa oportunidade” de investimento que me aparece aqui no Brasil. 

      Invista num político!

      Empreendedores do mundo, venham todos!

      Tragam seus “economistas de escol e de meia tigela para , junto com eles, realizarem seus projetos de “investimentos” aqui nesse Brasil !

       

       

       

  2. A estratégia de Cunha e desse

    A estratégia de Cunha e desse congresso que temos hoje é essa mesmo: anuncia a possibilidade de uma catástrofe total para que suspiremos aliviados ao vir a apenas catástrofe.

     

    Gostaria de destacar um ponto nesse seu texto: …”quem recebe dinheiro de empresa tem muito mais chance de se eleger do que quem não recebe, independente das idéias e propostas que um e outro tenham”. Aqui aparece, a meu ver, a necessidade de Educação. Educaçao pública, universal, gratuita e de boa qualidade. Tem um pessoal que diz que ensinar às crianças dos recursos de propaganda e marketing, ensinando-as a se defenderem, seria “assédio ideológico”. Mas pergunto: impor a ideologia do consumo por impulso, irrefletido e inquestionado, como única possibilidade de realização e felicidade, não é assédio?

  3. Empresas parecem estar se preparando para o achaque $$$$

    Aqui no RS, a TIM tinha a ligação TRI com promoção e aumentou o valor dessa ligação em 100%. Acho que está prenunciando o achaque generalizado e agora institucionalizado dos políticos que gostam muito de dinheiro,dos outros.

  4. Alegria de vendido dura

    Alegria de vendido dura pouco. Depois as empresas vão escolher o que cada uma quer como representante do partido que ela comprar. A maior parte vai ser varrida nas próximas eleições. E as mil moedas que levaram não dará para garantir nenhum futuro.  E não duvido nada se aparecerem  (e ganharem) gente tipo Merdal e cia. O último reduto – com todos os seus vícios e virtudes, ainda assim um reduto da democracia, está indo para o ralo. Estou velha demais para acompanhar essa maluquice desembestada.

  5. Sinceramente falando

    ruim assim pior com o financiamento público em que os impostos que eu pago bancaria candidatos que eu ñ votaria…

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