Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Praça Victor Civita é a Disneylândia do hiperliberalismo

Estátuas e instalações artísticas de lixo reciclado, teatro infantil falando sobre a escassez da água, uma modelo sorridente num estande da Sabesp abrindo uma torneirinha em um bebedouro para servir os visitantes com um copo d’ água. Tudo isso com os ventos trazendo o mau cheiro do Rio Pinheiros. Essa é uma tarde na Praça Victor Civita, em São Paulo. Todos esses elementos têm uma secreta conexão. Essa não é uma praça comum, mas um autêntico parque temático, a Disneylândia de uma nova ordem futura onde a nossa sensibilidade está sendo moldada para aceitar a suposta realidade de que a Natureza é finita e escassa. Tudo em um mix de entretenimento, cultura e estilo de vida que poderíamos chamar de “estética da escassez”, embalagem estética da nascente ideologia do hiperliberalismo: convergência do ambientalismo com a elite financeira e rentista como álibi para a mercantilização da água. E o Estado de São Paulo é a vanguarda desse movimento no Brasil.

Sábado à tarde com as crianças e esposa na Praça Victor Civita, em Pinheiros. Clima leve, descontraído e colorido com ciclistas descansando preguiçosamente, crianças gritando e correndo por todos os lados e uma simpática modelo ao lado do que parecia um grande bebedouro com o logo da Sabesp em um pequeno estande.

A certa altura, todos começam a se dirigir ao pequeno anfiteatro do parque. Ótimo! Um espetáculo infantil para a criançada e a chance dos pais recuperarem o fôlego depois de tanta correria. E a primeira atração era interessante: a trupe do Mad Science onde através de pequenas experiências com muita confusão e risadas, ensinam para a criançada princípios básicos de física, química e ecologia. Nada mais politicamente correto em um parque cercado de instalações e esculturas feitas com lixo reciclado e diversas hortas autossustentáveis em um lugar que, no passado, era um grande incinerador de lixo.

O show inicia e o vento começa a bater, trazendo o incômodo mau cheiro do rio Pinheiros, bem próximo dali. Nesse momento, os atores do Mad Science, em seus jalecos de cientistas e jeito amalucado, faziam uma breve exposição sobre o ciclo da água e, numa alegoria envolvendo um galão cheio de pequenas bolinhas de isopor, iam mostrando a proporção entre água salgada e potável no planeta… Como a água potável é um bem escasso… Principalmente com as alterações climáticas do planeta… por isso, a pouca chuva em São Paulo e as represas secando… logo, devemos economizar para enfrentarmos o futuro…

“Mad Science” na Praça: a
agua está sumindo

De repente, como um raio, surgiu na minha mente o que poderia chamar de uma epifania, não religiosa, mas semiótica: instantaneamente tudo passou a fazer sentido – o mau cheiro do rio trazido pelos ventos, o Mad Science provando por A + B que a água é um bem escasso, estátuas feitas com lixo reciclável, a atraente modelo do estande da Sabesp pronta para encher meu copo com água… e o parque autossustentável localizado entre o prédio da Editora Abril e as instalações da Sabesp…

Percebi que estava em um momento histórico, o momento da gestação de um Novo Mundo ou de uma Nova Ordem. Tudo estava ali, acontecendo ao redor de mim: aquela não é uma praça comum: é um parque temático travestido de praça pública. Um parque onde está sendo gestada uma nova ideologia, mesclada com um estilo de vida e uma estética que poderíamos denominar de estética da escassez. E na falta de um termo que expresse a radicalidade proposta por esse novo projeto político-econômico-estético, poderíamos chamar essa ideologia como hiperliberalismo.

Praça Victor Civita é uma Disneylândia ambientalista?

Assim como a Disneylândia (o pai de todos os parques temáticos) nos deu a estética do simulacro e da simulação com castelos e mundos futuros fakes, a Praça Victor Civita constrói uma nova estética e sensibilidade: a percepção de que tudo é escasso, a Natureza, a camada de ozônio, os bens, a saúde, a sociedade, o futuro. Obras de arte precárias e de beleza duvidosa feita de restos reciclados de uma sociedade que criou sua própria escassez – onde colocar o lixo? E somado a isso, a modelo que erotiza a escassez ao abrir e fechar a torneirinha do grande bebedouro com um sorriso publicitário.

Praça Victor Civita é a Disneylândia ambiental?

E emoldurando tudo isso o onipresente mau cheiro do rio Pinheiros, como um atestado da precarização do meio ambiente e o reforço sensitivo da estética da escassez. Há algo de apologético e retórico na Praça Victor Civita: um discurso, um artifício (estandes, instalações, os sorrisos e alegria em meio a projeções tão sombrias para o futuro), a insistente e redundante ideia de que os recursos naturais são escassos e somos os responsáveis por isso. Por que esse parque corporativo e temático abraçou a causa ecológica?

Lanço aqui uma hipótese para explicar a minha súbita epifania: o verdadeiro sentido da Praça Victor Civita (como aparelho simultaneamente de entretenimento e ideologia que procura formar a nova mentalidade para um secreto projeto futuro) tem que ser buscado na história do movimento ambientalista contemporâneo e a apropriação do seu ideário pelas corporações e altas finanças internacionais. O objetivo: pela percepção da escassez, tornar a água um bem tão valorizado que acharíamos natural ela transformar-se em mercadoria. Afinal, a Natureza é frágil e escassa.

Ambientalismo: da contracultura à corporação

O movimento ambientalista contemporâneo emerge como tendência influente no pós-guerra, principalmente na Europa e América com o surgimento dos movimentos contraculturais – hippieFlower Power e toda ideologia californiana que idealizava uma associação entre alta tecnologia industrial com a vida rústica integrada à Natureza. Contestavam o modelo de civilização em vigor. Alguns de inspiração marxista acreditavam que o problema estava no modo de produção capitalista, onde a ganância do Capital produzia desperdício e destruição.

A vigorosa emergência do movimento pegou na época os sociólogos de surpresa. Mas a reposta foi rápida com o surgimento do chamado Clube de Roma (fundado em 1968 por acadêmicos, cientistas, diplomatas e empresários) que em 1972 publica o relatório Os Limites do Crescimento, elaborado pela equipe do MIT – Massachussetts Institute of Technology. Nessa publicação está a origem de toda a atual agenda corporativa sobre o meio ambiente com temas que seriam cruciais para a humanidade tais como energia, poluição, tecnologia, saúde e crescimento populacional.

Clube de Roma em 1972: 
a mudança do enfoque
ambiental da contracultura

Há uma reviravolta em relação à crítica ambientalista da contracultura: se lá o problema estava no modo de produção e nas relações sociais de trabalho (e, portanto, a causa ambiental estaria associada a questões mais amplas como direitos humanos, liberdade, desenvolvimento equitativo etc.), a partir do Clube de Roma a questão se desloca da sociedade para exclusivamente a Natureza, abordada como dotada de recursos finitos e escassos. Portanto, o problema estaria na irracionalidade humana em não saber disso e insistir no crescimento industrial e populacional. O culpado é o homem, pensado como um ser genérico, abstrato, sem definir classe social ou nacionalidade.

Dessa maneira, o discurso ambientalista do Clube de Roma cai como uma luva para uma economia mundial que, a partir do fim do Acordo de Bretton Woods iniciada com a moratória disfarçada da dívida dos EUA em 1971 feita pelo presidente Nixon, o dólar desatrelou do lastro ouro, impulsionando a liquidez e a financeirização em escala global. As altas finanças e a elite rentista passam a determinar o ritmo econômico. O crescimento industrial torna-se pouco atraente numa economia global marcada pela especulação e fluidez. Aquecimento econômico e pleno emprego são tudo que essa elite mais teme. Por isso, ela cria freios estruturais como os juros altos e a chantagem da inflação, caso a economia aqueça.

Cria-se uma espécie de economia negativa onde a produção de riqueza se desatrela do lastro produtivo. A financeirização e a liquidez tornam-se uma camisa de força para as forças produtivas da sociedade (como diria Marx, o trabalho morto domina o vivo), pois a criação do dinheiro-crédito é uma nova forma de poder (virtualmente infinita) pela capacidade do sistema financeiro criar crédito e riqueza sobre o nada.

 

Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

6 Comentários

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    1. árvores poupadas

      Se óia, Falha de SP, estadão e globo não fossem mais impressos, milhares de árvores deixariam de ser cortadas.

      Daria uma boa campanha ambientalista.

      limparia o meio ambiente e nosso cérebro também.

      1. Quanta bobagem!

        É inimaginável que em pleno século 21 um cidadão, antenado, comentarista de blog, com ensino fundamental completo, ainda pense que papel jornal provém da derrubada de floresta natural. Seu comentário é interessante. Nassif deveria transforma-lo em post. Para expô-lo ao ridículo.

         

        1. Caro Goroh,
          O ganho com

          Caro Goroh,

          O ganho com florestas não seria relevante já que , de fato, os klabins da vida só cortam eucaliptos replantados, mas só de despoluir o ambiente jornalistico já teríamos um ganho monumental!

          Isto o Nassif nem precisa transformar em post: até os tijolos daquela chaminé que aparece na foto do post já sabem…

        2.   O ridículo é todo seu, o

            O ridículo é todo seu, o único que falou em “floresta natural”.

            Ou agora pra fazer papel especial não é mais preciso cortar árvores?

  1. Post interessante!
     
    Será

    Post interessante!

     

    Será que  esse pesamento não pode se aplicar a movimentos como do Passe livre, dessa galerinha cult que fica falando “Mais amor e menos concreto “, dos Ativistas Urbanos que ficam incentivando o uso da bicicleta?

    As vezes fico pensando que no fundo eles querem catequizar ou forçar o povão a andar de bicicleta ou onibus para que se deixem as ruas mais livres para eles andarem de carro!

     

     

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