Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Publicidade explora a geometria sagrada subliminar

Atualmente a inteligência visual publicitária vem mobilizando técnicas cada vez mais sofisticadas que exploram recursos não apenas psicológicos ou comportamentais, mas agora atinge uma dimensão de simbolismo mais profundo: a chamada “geometria sagrada”, expressão usada pelo esoterismo e gnosticismo para designar toda uma área de estudos de como as formas geométricas básicas representam conteúdos arquetípicos e padrões (modelos, ritmos e proporções) que integram o repertório que permite tanto a Natureza como o psiquismo humano se expressar. Com o auxílio das técnicas da semiótica visual, círculos, quadrados e triângulos estariam sendo instrumentalizados para criar uma verdadeira geometria subliminar.

Quantos de nós veem? Em uma cultura onde a informação é transmitida numa forma predominantemente visual, enxergar ou olhar para telas, displays, outdoors, placas, impressos etc. parece ser uma função natural e espontânea. Não nos importamos muito com essa função, a não ser nos seus aspectos oftalmológicos quando necessitamos de lentes corretoras ou de intervenções cirúrgicas.

Continuamos a enxergar ou olhar, mas, de fato, realmente vemos? Essa simples pergunta abrange uma longa lista de atitudes ou funções multilaterais como observar, perceber, compreender, reconhecer, contemplar, descobrir, entre outras. Pesquisadores como Donis A. Dondis sugerem uma complexa “inteligência visual” por trás do simples ato de olhar e aponta para a necessidade de uma “alfabetização visual” para que possamos compreender mais facilmente os significados assumidos pelas formas visuais – Leia DONDIS, Donis A. Sintaxe da Linguagem Visual, Martins Editora, 2009.

Esses significados podem ser subliminares, ideológicos, retóricos, propagandísticos por trás da informação visual seja na Publicidade ou em um telejornal. Essa inteligência visual é cada vez mais sofisticada nas suas técnicas de manipulação visual para explorar o inconsciente (psiquismo), o comportamento (subliminar) ou o inconsciente coletivo (arquétipos). Em postagem anterior discutíamos como a Publicidade atual ingressa numa nova fase ao manipular algo mais profundo, além dos valores e estilos de vida: símbolos do inconsciente coletivo aglutinadores de anseios, dúvidas e esperanças mais profundas da espécie humana, tal como sugerido por Jung. A publicidade tentaria se conectar cada vez mais com a rede simbólica do inconsciente coletivo – sobre esse tema clique aqui.

Na atualidade, a inteligência visual publicitária alcança o que talvez seja a sua estratégia mais sofisticada e, ao mesmo tempo, mais obscura, pouco observada por pesquisadores acadêmicos ou teóricos da conspiração: a aplicação de arquétipos da “geometria sagrada” – um surpreendente encontro entre a semiótica, a mitologia esotérica que envolve as três formas geométricas básicas (o círculo, o quadrado e o triângulo) e a psicanálise.

Geometria sagrada

“Geometria sagrada” é uma expressão usada no esoterismo e no Gnosticismo baseada na crença de que existiriam relações significativas entre a geometria, a matemática e a realidade. Os princípios da geometria sagrada teriam sido aplicados ao longo da História na construção de estruturas religiosas como igrejas, templos, mosteiros, tabernáculos, altares etc.

Parte da crença platônica de que Deus teria criado o Universo a partir de um planejamento geométrico (“Deus geometriciza continuamente”, teria dito Platão). No século XVIII o matemático Carl Gauss parafraseou Platão ao afirmar que “Deus aritmeticiza”.

O Universo teria sido construído a partir das três formas básicas (círculo, quadrado e triângulo). Cada uma dessas formas conteriam fundamentos arquetípicos espirituais, padrões – entre os quais figuram formatos, modelos, ritmos e proporções – que integram um repertório que permite tanto à natureza quanto o psiquismo humano se expressar.

“Por exemplo, o círculo e a esfera como o invólucro fundamental para a energia e a consciência, e a forma de vórtice para espalhar e transmitir energia e consciência de um ponto para outro. Outras formas frequentes na geometria sagrada são a curva senoidal, a espiral áurea (obtida pela união de vários semicírculos e presente, por exemplo, no caramujo e na flor do girassol), os cinco sólidos platônicos, a vesica piscis (“bexiga do peixe” ou “Olho de Deus”, resultante do encontro de dois círculos e perceptível no DNA e nas células) e o hipercubo (o cubo quadridimensional).” (ARAIA, Eduardo “Geometria Sagrada no Mundo das Formas Perfeitas” in: Planeta, Edição 439, junho, 2010).

(a) O círculo: simboliza a ausência de distinção ou de divisão – a totalidade indivisa. É o ponto estendido a partir do ponto primordial da criação – o “ovo do Mundo”. O movimento circular é perfeito, imutável, sem começo e sem fim o que o habilita a simbolizar o tempo. Por isso, o círculo simboliza o próprio céu, o mundo espiritual invisível e transcendente. A passagem do quadrado ao círculo – na mandala, por exemplo – é a da cristalização espacial ao nirvana; passagem da Terra ao Céu. Por isso, o Paraíso terrestre era circular, a projeção da esfera celeste.

É a imagem símbolo de uma realidade psíquica interior do homem: aconchego e proteção (a forma circular do seio materno, primeira forma geométrica que percebemos nesse mundo) e erotismo e sensualidade (linhas onduladas), compulsão, apelo emocional, prazer. Como forma natural, sua cor é o azul por representar o céu.

(b) O quadrado: é o símbolo da terra por oposição ao céu, mas também, num outro nível, o símbolo do universo criado, terra e céu; é a antítese do transcendente. Figura antidinâmica, ancorada sobre os quatro lados – implica numa ideia de estagnação, solidificação e até mesmo de estabilização na perfeição. É o caso tanto da Jerusalém Celeste como na construção do templo hindu onde o quadrado é fixação, cristalização dos ciclos celestes, a imutabilidade em relação ao movimento circular da manifestação – por exemplo, a construção do altar védico que é um cubo cósmico.

No psiquismo humano simboliza os valores referentes ao superego: honestidade, retidão, esmero, conservadorismo, a tradição – não é à toa que chamamos uma pessoa moralmente conservadora de “quadrada”. Como uma forma não natural, mas criada pelo homem, sua cor é o vermelho, símbolo da matéria, da realidade que se materializa na estabilidade do quadrado.

(c) O triângulo: Os simbolismos dessa figura geométrica estão associados à racionalidade, masculinidade, fogo e fecundidade. O papel do esquadro na arte da construção – os triângulos e os retângulos têm uma função muito importante. Para os maias o triângulo está ligado ao raio do sol, semelhante ao broto que forma o germe do milho. Sol e milho, duplo simbolismo de fecundidade.

Com a ponta para cima é o símbolo masculino e do fogo na alquimia. É conhecida a importância atribuída pela maçonaria ao triângulo, chamado de “delta luminoso” ou o triângulo sublime cujas medidas perfeitas (ângulo superior de 36° e base com dois ângulos de 72°) representariam o tríptico da moralidade: pensar bem, dizer bem, fazer bem – sabedoria, força e beleza. Ou na alquimia, sal, enxofre e mercúrio. Por isso, sua cor seria o amarelo: luz, razão e sabedoria. Tradicionalmente Deus é representado simbolicamente como um olho dentro de um triângulo amarelo.

No psiquismo humano corresponderia aos valores do Ego e da individualidade: de um lado racionalidade e auto-preservação; do outro, tensão, conflito, ação.

Dominantes da comunicação visual

Para a semiótica, todo o planejamento de uma comunicação visual deve se iniciar pela determinação de qual forma, cor etc. serão a dominante do objeto: formas (angulosas, arredondadas), distribuição espacial dos elementos (vertical, horizontal), cor (derivadas do vermelho, azul etc.). Por dominante entendemos como uma estratégia de sinalização de uma peça visual: um determinado elemento básico da comunicação visual (seja ponto, linha, textura, forma, cor etc.) que chamará a atenção do observador, antes dele saber qual o seu conteúdo informativo – Aviso? Notícia? Publicidade?

As chamadas dominantes das formas geométricas básicas (o predomínio na primeiridade visual de formas ou movimentos dominantes derivados do círculo, do quadrado ou do triângulo) estão diretamente conectadas na sua aplicação com os simbolismos místicos e arquetípicos descritos brevemente acima.

Partindo do princípio de que o apelo publicitário baseia-se em três domínios – o racional, o emocional e a tradição – podemos aproximar a simbologia sagrada das formas geométricas com os apelos publicitários da seguinte maneira sintetizada na tabela abaixo:

 

Dominante círculo

É marcante como as peças visuais publicitárias de produtos tão díspares como cervejas e refrigerantes até produtos infantis exploram as formas circulares e movimentos ondulados como dominantes visuais. “Se a vida mandar quadrado, você devolve redondo” ou “desce redondo” da cerveja Skol; design de marcas de refrigerantes arredondadas, linhas onduladas e muitas formas redondas como bolhas, círculos em anúncios de produtos infantis; gotículas do suor da garrafa do refrigerante de onde desce o líquido em ondas.

Em fast foods marcados pelo apelo à viciosidade e compulsão, temos o exemplo do “Ruffles, a batata da onda” em que os chips são confeccionados com ondinhas ou o último filme publicitário do produto onde uma batata faz strip-tease dentro de uma máquina de vendas automáticas: prazer da viciosidade e erotismo.

A grande maioria dos anúncios que apelam para os aspectos emocionais (amor, amizade, etc.) ou de prazer (sexo, erotismo, viciosidade, compulsividade) apresenta como padrão a dominante círculo, muitas vezes combinada com a dominante da cor.

A exploração da forma geométrica círculo está na captação da sua energia que busca a transcendência espiritual, confinando-a a imanência da forma-mercadoria.

 
Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

1 Comentário

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  1. Geometria

    Como a prática da geometria sagrada nos ajuda a confrontar questões profundas da existência: Qual é a natureza do espírito? Qual é a natureza da mente? Qual é a natureza do corpo?

    Minha prática individual da geometria me dá a resposta: o corpo é a expressão mais densa da mente; a mente  consiste em todas as extensões sutís do corpo; e sob a totalidade deste mundo, desde o mais denso, até ao mais sutíl, subjaz uma substância. Esta substância é o espírito, que foi cativado pela beleza da geometria. – Robert Lawlor.

    Existe a teoria de que na metafísica hindu, cada um dos corpos era o símbolo de uma das capas invisíveis e sutis que – segundo se acreditava – envolviam o corpo físico do homem e atuavam sobre ele. A tradição associa:

    Individualizadora

    o pequeno icosaedro central com a perfeição final do corpo em sua manifestação física;

    o octaedro com o corpo físico ou nutricional ( sede da mente instintiva);

    o tetraedro com o corpo etéreo ou energético ( sede da faculdade mental intuitiva);

     

    Transpessoal 

    o cubo com o corpo-mente da “razão pura”;

    o dodecaedro com o corpo conhecimento (sede do inato conhecimento por identidade);

    o icosaedro com o corpo êxtase (o da união meditativa).

     

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