Qual é o papel do BNDES?, por Felipe Rezende

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
[email protected]

Qual é o papel do BNDES?

por Felipe Rezende

Na discussão convencional sobre qual será o papel do BNDES, parte dos economistas defendem uma mudança do papel do banco limitando a sua atuação como um coordenador do programa nacional de desestatização. Seu papel fundamental seria atuar no processo de concessões, fornecendo apoio às privatizações nos Estados e oferecendo garantias em vez de financiamentos. Esta mudança no papel do banco reflete a visão convencional, que parece colocar a culpa no BNDES por dificultar o desenvolvimento do mercado privado de dívida longa. Entretanto, os principais fatores que limitam o florescimento deste mercado são a alta taxa e a volatilidade dos juros.

Os dados mostram que a queda das taxas de juros de curto prazo provocou uma redução dos rendimentos das aplicações tradicionais de renda fixa – forçando os investidores a comprar títulos de prazos mais longos para obter um retorno mais alto. Com isso, as alternativas de investimento com elevada liquidez perderam atratividade e houve um crescimento das aplicações em títulos de crédito privado. Logo, a redução das taxas de juros irá estimular o lançamento de títulos de longo prazo pelas empresas.

Entretanto, títulos longos têm maior volatilidade de preço quando há alteração nas taxas de juros. Por exemplo, os dados da Anbima mostram que, em Maio de 2016, os índices de maior prazo – como o IMA-B5+ (NTN-Bs acima de cinco anos) e o IRF-M 1+ (prefixados acima de um ano) registraram retornos mensais negativos em função da alta volatilidade dos juros e incerteza.

A manipulação da taxa Selic pelo banco central gera instabilidade no mercado financeiro, contribui para a alta volatilidade da taxa de juros e aumenta o risco de taxa de juros para posições em títulos com prazos mais longos. O mercado de títulos privados de longo prazo é inibido porque os prêmios são insuficientes para recompensá-los pelos riscos, dada a elevada volatilidade.

Dessa forma, para estimular o desenvolvimento do mercado de capitais é essencial a redução das taxas de juros de curto prazo e a estabilização das taxas longas de juros.

Ou seja, BC deveria anunciar alvos para as taxas mais longas (2, 5, e 10 anos) – da mesma forma que o faz para a taxa de curtíssimo prazo – diminuindo, assim, a volatilidade.

Embora a visão tradicional aponte para a escassez de fundos de longo prazo, o financiamento de investimentos de longuíssimo prazo cria riscos adicionais para os bancos comerciais tradicionais. Embora eles sejam capazes de financiar investimentos com a criação de depósitos, esse alongamento do prazo médio do crédito gera, entre outras coisas, um aumento da exposição ao risco de taxa de juros.

Uma forma de administrar esse risco é através da criação de mecanismos de captação de longo prazo dos bancos. Isso porque o agudo descasamento de prazos entre os ativos de longo prazo e passivos de curto prazo, tem o potencial de desestabilizar o sistema bancário.

Nesse sentido, como os ativos dos bancos ao longo dos últimos anos apresentaram um aumento do prazo médio, as captações bancárias de longo prazo cresceram. Isto ocorreu, principalmente, através do lançamento das Letras Financeiras, além da emissão de LCI e LCA, como uma ferramenta para gerenciar o hiato de duration e o risco de variações na taxa de juros.

A criação de instrumentos financeiros de longo prazo constitui, dessa forma, um mecanismo para permitir que os bancos tradicionais administrem a exposição ao risco de taxa de juros inerentes em investimentos de longo prazo.

Os bancos comerciais tradicionais, entretanto, têm pouca disposição para financiar projetos de longuíssimo prazo. Isto decorre dos diversos riscos inerentes destes investimentos, como, por exemplo, os projetos de infraestrutura, onde riscos de alterações nos marcos regulatórios são muito relevantes.

O dilema da regulação, como Minsky observou, envolve o financiamento de investimentos produtivos para promover o desenvolvimento econômico do país e ao mesmo tempo garantir a estabilidade financeira em uma economia na qual as crises de solvência são recorrentes.

Embora a criação de crédito seja um importante instrumento para promover o desenvolvimento, o endividamento em excesso é uma faca de dois gumes. Ao tomar empréstimos para a aquisição de ativos, espera-se que o retorno esperado dos ativos seja suficiente para honrar tais obrigações financeiras, além de gerar um retorno satisfatório para o investidor. Entretanto, não há garantias de que tais expectativas sejam realizadas.

O regulador do sistema financeiro está, assim, diante de uma escolha de Sofia, já que o sistema financeiro tem que servir à dois mestres conflitantes. De um lado, o primeiro mestre requer a tomada de riscos, ou seja, a criação de alavancagem pelo sistema financeiro é necessária para financiar a inovação por destruição criativa, que é inevitavelmente arriscado, como Schumpeter observou.

Por outro, o segundo mestre requer a solidez e segurança do sistema financeiro para proteger, entre outras coisas, os meios de pagamentos –como por exemplo depósitos – das crises de solvência. Logo, quanto mais “seguro” o sistema financeiro, menor a disposição para financiar ativos produtivos de longo prazo.

Como, então, resolver este dilema? O BNDES tem um papel fundamental ao isolar o financiamento de ativos produtivos –que são inerentemente arriscados – da criação de alavancagem e da provisão de meios de pagamentos pelos bancos comerciais tradicionais. Soma-se a isso a importância de financiar investimentos em moeda local, contribuindo, assim, para a diminuição de uma fonte histórica de vulnerabilidade externa da economia.

Por outro lado, as atividades de bancos comerciais tradicionais ficam restritas às operações de menor risco no sentido Schumpeteriano. Ou seja, o sistema bancário brasileiro possui baixa alavancagem, mantêm um nível de capital elevado e concentram as suas operações de crédito no curto prazo. Esse caráter conservador busca garantir a solidez e robustez dos sistema e, assim, proteger os meios de pagamentos oferecidos por eles.

Em suma, o BNDES promove ao mesmo tempo o financiamento de ativos de longo prazo e a redução da fragilidade financeira. Permite, assim, servir aos dois mestres conflitantes, como Minsky observou.

Felipe Rezende – é professor do Departamento de Economia da Hobart and William Smith Colleges e pesquisador no MINDS (Multidisciplinary Institute for Development anda Stretegies)

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

4 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Algum dia

      Os academicos irão perceber que na ” prática a teoria é outra ” ( Joelmir Beting teve um livro com este titulo na década de 80 ), ai quem sabe vão acordar, sair de suas universidades, e ter a certeza que o BNDES não é apenas um agente economico, mas fundamentalmente politico, como todo banco de desenvolvimento de qualquer país.

  2. Os conspiradores não se

    Os conspiradores não se contentam com a estupidez de vender ativos estratégicos, eles precisam cometer a dupla estupidez de vender os ativos e ainda ajudar os compradores a pagar. Vocês ainda têm alguma dúvida da imbecilidade dos que se dizem hoje “governo brasileiro”?

    1. Ativos estrategicos?

      Gostaria de entender o que eh um ativo estrategico. Voce poderia definir para mim?

      Aproveitando a deixa, poderia tambem explicar porque vender um “ativo estrategico” (seja la o que isso for!) eh uma estupidez?

       

      Obrigado,

      Irineu

  3. Nos últimos 13 anos o BNDES financiou grandes tubarões

    É notória a distância entre o discurso e a prática da esquerda no Brasil. O BNDES na gestão petista focou em grandes empresas produtoras de bens primários. Essa é uma dupla contradição com o discurso da esquerda: 1) Eternizou o papel do país no sistema mundo como mero fornecedor de commodities, ao invés de produtos com valor agregado; 2) Financiou empresas gigantescas que não teriam problema em conseguir financiamento no próprio mercado. Sempre gosto de citar um exemplo que li em um artigo, do qual infelizmente não lembrar a fonte: o correpondente ao BNDES na Alemanha financia apenas pequenas e médias empresas desenvolvedoras de tecnologia. Desse exemplo temos a moral da história: atraso não é carma, é escolha mesmo. Se a nossa própria esquerda fez isso conosco na gestão do BNDES, ela pode jogar seu próprio discurso no lixo, porque sua prática foi obscena quando no poder.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador