Recessão econômica é consequência de uma falha de diagnóstico

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
[email protected]

do Instituto Humanitas Unisinos – IHU

Recessão econômica é consequência de uma falha de diagnóstico.

Entrevista especial com Felipe Rezende

por Patricia Fachin

Estou focando muito no diagnóstico da crise, porque se o diagnóstico que faço é correto, ou seja, se houve uma deterioração do balanço de pagamento das empresas, não vai ser somente a redução de custos que vai reverter esse quadro, nem mesmo a austeridade fiscal”, afirma o economista.

A atual crise econômica brasileira, considerada por alguns a pior dos últimos 80 anos, tem essa magnitude porque se trata de uma crise de “falha de diagnóstico”, defende o economista Felipe Rezende na entrevista a seguir, concedida por telefone à IHU On-Line. Segundo ele, a recessão atual é consequência de uma crise de balanços de pagamento das empresas não financeiras, que iniciou logo após a crise financeira internacional de 2007, quando as empresas brasileiras começaram a enfrentar uma “situação de déficit”.

O quadro “piorou em 2008, melhorou um pouco em 2009, (…) mas a partir de 2010 essas empresas voltaram a ter déficit, e a situação foi piorando até 2013, quando elas alcançaram quase 4% do PIB de déficit”, informa. Ao mesmo tempo em que as empresas se endividavam, frisa, “não houve uma geração de caixa para a economia como um todo e, portanto, as empresas começaram a ter dificuldades”.

Na tentativa do governo Dilma de recuperar o investimento na economia brasileira, avalia, “alguns aspectos foram negligenciados”, ao se fazer um “diagnóstico de que a mera redução dos custos do capital” e as políticas adotadas pela equipe econômica entre 2011 e 2014 seriam suficientes para reverter a situação. “Mas essa política acabou sendo insuficiente e esse foi um erro estratégico do governo, porque embora eles tenham reduzido esses custos, o retorno esperado do capital caiu muito mais rápido”.

Apesar de a política adotada pela equipe econômica não ter sido a “mais adequada”, o economista defende que não se pode concluir que a “crise atual aconteceu em função das intervenções do Estado na economia”. Ao contrário, pontua, a política adotada “só foi mal desenhada e o tamanho foi inapropriado, dada a dimensão da crise”.

Na entrevista a seguir, Rezende defende que por conta de um diagnóstico equivocado acerca da origem da crise, a equipe econômica e muitos economistas “acabam prescrevendo políticas inadequadas, que não tratam a natureza do problema”. Nesse momento, adverte, o fundamental para retirar o país da crise é reequilibrar o balanço de pagamento das empresas não financeiras e isso só será possível com o aumento do déficit público, porque nesse cenário, avalia, “é pouco provável” que o “investimento privado será recuperado e aumentado nos próximos anos”. Dada a situação externa de crise nas demais economias, pontua, o retorno financeiro também não virá do exterior, de tal modo que é preciso recorrer ao setor público.

“O setor privado não consegue sair sozinho de uma crise dessas, porque todo o tipo de resposta que o setor privado adotar, fará com que a crise fique cada vez mais intensa. Aí entra a necessidade de o setor público tentar conter essa crise, mas esse não é o tipo de discussão que temos hoje no país”, comenta. E enfatiza: “O setor privado precisa acumular ativos líquidos com o tempo – isso é fundamental em uma economia capitalista – e precisa ter déficits públicos para que isso aconteça; não há outra forma”.

Felipe Rezende é mestre e doutor em Economia, com especialização em Teoria Monetária e Macroeconomia Financeira pela Universidade de Missouri–Kansas City. Atualmente é professor assistente do Departamento de Economia da Hobart and William Smith Colleges, em Nova York.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – O senhor tem feito um diagnóstico diferente acerca da atual crise econômica. Em que consiste?

Felipe Rezende – Nos últimos três anos, desenvolvi um trabalho patrocinado pela Fundação Ford com o Instituto Multidisciplinar de Desenvolvimento e Estratégia – MINDS no Rio de Janeiro, com o objetivo de identificar os indicadores da crise brasileira. Foi surpreendente porque se trata de um estudo inédito no Brasil e consiste em defender que a crise econômica brasileira atual é diferente das demais crises que já ocorreram no país e pode ser caracterizada como uma crise dentro dos balanços do setor privado, em particular das empresas não financeiras.

Com base nesse estudo, é possível perceber que desde 2007 essas empresas têm tido uma situação de déficit, ou seja, estão gastando mais do que recebem. Isso piorou em 2008, melhorou um pouco em 2009, quando elas praticamente zeraram a conta, mas a partir de 2010 essas empresas voltaram a ter déficit, e a situação foi piorando até 2013, quando elas alcançaram quase 4% do PIB de déficit.

À época, quando olhei para esses dados, já estava claro que se tratava de um ciclo de alavancagem no Brasil, que tinha um déficit insustentável para as empresas, porque elas não conseguem rodar esses déficits por muito tempo. Então, isso prejudicou muito o balanço das empresas, que tiveram um endividamento líquido. Num primeiro momento, elas tentaram reverter esse ciclo através do corte de gastos, e isso explica muito bem a crise econômica atual.

IHU On-Line – O que você denomina de empresas não financeiras? Trata-se da indústria em geral?

Felipe Rezende – Essa é uma categoria do IBGE, que classifica, dentro do setor privado, as empresas financeiras, não financeiras e as famílias. Na categoria de não financeiras estão as indústrias e as empresas em geral.

IHU On-Line – O que aconteceu para que as empresas não financeiras tivessem uma crise de balanço de pagamentos? Alguns economistas têm avaliado que o governo ofereceu sucessivos estímulos ao investimento, financiamentos a baixo custo, isenções fiscais para tais empresas, mas mesmo assim chegou-se a esse cenário de crise econômica e de recessão. Nesse sentido, os incentivos foram insuficientes? O que deu errado?

Felipe Rezende – Esse trabalho que desenvolvi segue a estrutura teórica do economista americano Hyman Minsky, que ficou muito conhecido na crise global de 2008, e trabalha com uma hipótese de pesquisa muito simples: durante períodos de prosperidade e de expansão se desenvolve uma fragilidade financeira, e isso tem a ver com a forma com que as empresas financiam investimentos; isto é, elas trabalham com uma combinação de lucro retido, endividamento e emissão de ações, mas durante o período de prosperidade, essas empresas mudam esse mix do financiamento por sentirem que estão mais otimistas e confiantes de que a economia está robusta e acabam tendo um ciclo de alavancagem. Então, trata-se de uma resposta natural, a prosperidade financeira é endógena e sistêmica e acontece como parte do processo de desenvolvimento.

O Brasil pré e pós-crise

No período de pré-crise, entre 2002 e 2007, houve uma expansão muito grande dos lucros agregados e a partir desse momento as empresas se sentiram confiantes para aumentar seus endividamentos líquidos. Contudo, pós-crise, entre 2007 e 2008, houve uma mudança estrutural tanto para a economia doméstica quanto para a economia global, dada a crise financeira. Pelo lado da economia global, não se teve mais o mesmo padrão de comércio de fluxo financeiro que existia antes da crise financeira, e isso afetou os lucros agregados para as empresas não financeiras no Brasil, uma vez que os lucros são fundamentais para cumprir os compromissos financeiros que elas assumiram no momento pré-crise.

No Brasil, no período pré-crise, os lucros agregados explodiram e tiveram um crescimento expressivo, mas pós-2008 os lucros ficaram estagnados e isso gerou uma situação complicada, porque aumentou o endividamento das empresas, mas não houve uma geração de caixa para a economia como um todo. Assim, as empresas começaram a ter dificuldades, tanto que em 2001 já houve uma constante queda do retorno sobre os ativos e a partir desse momento houve também uma queda sobre o capital próprio – analisando a situação das 500 maiores empresas brasileiras, é possível perceber esses dados.

Ainda em 2011 houve também uma queda sobre os ativos e sobre o lucro. Tudo isso gerou um estresse muito grande porque as empresas, ao olharem suas decisões de investimento para o futuro, perceberam uma queda abrupta desse retorno. A partir daí, houve uma redução do investimento e, desde então, a taxa de crescimento vem caindo no país, até chegar a um patamar em que ficou negativa. Ou seja, esse não foi um processo que aconteceu em 2014; já em 2011 a taxa de investimento caiu, sendo influenciada por essas mudanças estruturais e começou a ficar negativa a partir de 2014 e 2015.

Negligências

Nesse momento, alguns aspectos foram negligenciados, porque durante o governo Dilma houve uma tentativa de recuperar o investimento, mas o governo fez uma análise pelo lado dos custos, e a decisão do investimento considera dois fatores: o retorno esperado sobre o capital, ou seja, o retorno monetário que se espera ganhar quando se compra um ativo produtivo, e o custo desse ativo. Se o retorno esperado pela empresa for maior do que o valor que ela tem de pagar, ela vai em frente e investe – essa é a decisão empresarial. Só que no Brasil houve um diagnóstico de que a mera redução dos custos do capital, dos custos de aquisição – e aí entra uma série de políticas de utilização de bancos públicos para diminuir a taxa de juros e políticas de incentivos de subsídios justamente para tentar diminuir os custos de aquisição do capital – seria suficiente.

Mas essa política acabou sendo insuficiente e esse foi um erro estratégico do governo, porque embora eles tenham reduzido esses custos, o retorno esperado do capital caiu muito mais rápido. Então, como disse antes, se a decisão empresarial, para o empresário investir, precisa de um retorno sobre o capital que é influenciado pelas suas expectativas do que se espera receber no futuro, mas se esse retorno cai mais rápido do que o custo de aquisição do capital, o empresário não investe. Então, essa é uma situação clássica.

O exemplo dos EUA

Inclusive, de uma forma análoga, o mesmo aconteceu nos EUA, porque embora no período pós-crise o banco central americano tenha tentado baixar as taxas de juros, mesmo com taxas de juros muito baixas o investimento não aconteceu, pois naquele momento o retorno esperado desses investimentos também era negativo. O Brasil passou por uma situação idêntica no sentido de que o custo do capital até caiu um pouco em função da atuação dos bancos públicos e da política de desoneração, mas isso foi insuficiente, dada a queda abrupta do retorno esperado sobre o capital.

A adoção dessas políticas não foi a forma mais adequada de lidar com esse problema, e a crítica que vem sendo feita é de que a crise atual aconteceu em função das intervenções do Estado na economia, as quais falharam e, portanto, isso causou um descontrole nas contas públicas com quebra de confiança. Isso é gravíssimo e é semelhante ao que aconteceu na crise americana quando o presidente Obama tentou passar o seguro fiscal, na casa de 800 bilhões, no Congresso americano, e houve uma crítica de que esse valor seria muito pequeno, mal desenhado e ineficaz para lidar com o tamanho da crise americana. Uma vez que o Estado tentou dar um estímulo fiscal, que era inadequado, a crítica feita é a de que a política fiscal não funciona, o que não é o caso; ela só foi mal desenhada e o tamanho foi inapropriado, dada a dimensão da crise. O Brasil passou por um processo semelhante porque utilizou instrumentos que não foram eficazes.

Diagnóstico da crise

Estou focando muito no diagnóstico da crise, porque se o diagnóstico que faço é correto, ou seja, se houve uma deterioração do balanço de pagamento das empresas, não vai ser somente a redução de custos que vai reverter esse quadro, nem mesmo a austeridade fiscal. Os dados mostram que economias que passaram por esse ciclo de crédito de alavancagem tão intenso como o Brasil passou, têm uma situação dolorosa pela frente. Então, ao analisarem a crise atual, economistas e analistas de mercado não levam em consideração que essa crise é diferente das demais.

IHU On-Line – A equipe econômica, quando tomou as decisões sobre as desonerações e outras medidas, tinha clareza acerca de qual era a natureza da crise? O que poderia ter sido feito de diferente?

Felipe Rezende – Acredito que não, e tenho publicados artigos justamente para chamar a atenção para esse ponto. Fiz uma conferência em 2013 e membros do governo compareceram, e à época eu já afirmava que a fragilidade financeira estava aumentando, mas o Brasil não está acostumado com crises de fragilidade financeira. As crises que o Brasil vivenciou até então foram crises externas, e as políticas desenhadas para isso eram exatamente as mesmas que estão sendo implementadas agora. Esse é um erro fundamental. Por essa crise ser diferente e pelo fato de muitos formuladores de política econômica e economistas não prestarem atenção na natureza da crise, acabam prescrevendo políticas inadequadas que não tratam a natureza do problema. Essa já é a pior crise dos últimos 80 anos, justamente por ter essa falha de diagnóstico, de tal modo que se implementam políticas que não têm a ver com as causas da crise atual.

Você perguntou o que poderia ter sido feito. Sempre que há crises de balanço de pagamentos, ou seja, sempre que se tem um endividamento líquido e uma crise de alavancagem, é necessário trabalhar nos seguintes passos: é fundamental recuperar o balanço, ou seja, para minimizar o endividamento é preciso de uma acumulação de ativos, e isso só pode ser feito se forem gerados os lucros agregados. Os lucros são uma combinação do investimento total, mais os déficits públicos, mais o saldo de transação corrente, menos a poupança dos trabalhadores, mais o consumo de capitalista; essa mais ou menos é a identidade contábil. Quando se olha para isso, esses lucros são fundamentais porque são gerados para a economia como um todo e, num nível micro, as empresas capturam esses lucros através de políticas de preços.

Recuperação do balanço de pagamentos

Como se consegue, então, recuperar o balanço pelo lado dos ativos? É preciso ter um saldo positivo no final do ano e para isso é fundamental que se volte a ter aumento dos lucros; aí se olha a equação de investimentos, que contempla dois fatores: o investimento público e o investimento privado. Nesse cenário, é pouco provável que o investimento privado seja recuperado, porque não há nenhum indicador hoje de que ele será recuperado e aumentado nos próximos anos. O investimento público, de outro lado, está parado, muitas empresas estão envolvidas em esquemas de corrupção e mesmo que se quisesse que essas empresas voltassem a investir seria difícil, visto que não há ainda nenhum acordo de resolução da crise para que elas possam sobreviver, apesar dos casos de corrução, como foi feito em outros países. Ou seja, tem de punir a administração dessas empresas, mas as empresas enquanto instituições continuam dentro do sistema.

Pelo lado do setor externo, também não haverá retorno porque ele está desacelerando: a China está desacelerando, os EUA estão passando por um processo de estagnação, a Europa está em crise, e a economia britânica está pensando em sair da Zona do Euro. Então, o crescimento não virá do lado do setor externo nem do lado da demanda e dos preços. Portanto, estamos numa situação em que só resta o déficit público.

Recuperação via déficit público

Em 2014 fiz algumas simulações para estimar como as empresas recuperariam seus balanços, imaginando que o déficit público teria de ser 9% do PIB. No final de 2015, o déficit público foi de 9,5% e, na minha avaliação, esse déficit acaba sendo uma resposta para esse tipo de crise. Quando se olha para as economias que passaram por esse tipo de situação, como a americana, percebe-se que o que a salvou não foi o estímulo fiscal do Obama, mas o que chamamos de estabilizadores automáticos. Ou seja, durante uma recessão se tem uma queda da atividade econômica e com isso uma queda de receitas, porque os lucros são menores. Nesse cenário, as receitas do governo caem e as despesas sobem, porque há gastos com seguro-desemprego, transferências para estados e municípios etc. Mas os chamados estabilizadores automáticos garantem que o orçamento responda à deterioração das atividades econômicas, ou seja, não depende do Congresso para que esses déficits do Estado aconteçam. Esse é um fator muito bom para conter a crise, porque ao aumentar o déficit público, se acaba contribuindo para a estabilização da renda do setor privado, e essa estabilização é fundamental não só para garantir a estabilidade econômica, mas para garantir a estabilidade do sistema financeiro. Isso ocorre porque a crise de endividamento, ao estabilizar os fluxos de renda, automaticamente contém o aumento da inadimplência dentro do sistema e, por consequência, contém uma deterioração dos ativos do sistema financeiro. Então é positivo que o déficit público cresça dessa forma durante uma crise de alavancagem.

Só que no Brasil a discussão é sempre a mesma, de austeridade fiscal – costumo dizer que a febre da austeridade fiscal se espalhou pelo mundo inteiro. Embora os déficits sejam necessários, politicamente eles trazem um desafio muito grande e foi exatamente isso que aconteceu, porque tanto Levy, quanto Barbosa e agora o Ministro Meirelles defendem a mesma tese de que tem de se fazer ajuste fiscal: uns acreditam que ele tem de ser feito no curto prazo, como Levy, e outros, como Barbosa, que ele tem de ser feito no médio e longo prazo. Mas o fato é que a discussão é sempre a mesma e esse é um impasse na economia brasileira.

Diagnósticos e argumentos da crise econômica

Se o diagnóstico é de que a crise foi causada pela matriz econômica com o aumento de déficit público, com descontrole das contas públicas, e isso causa a quebra de confiança e aumento da taxa de juros, seria natural, segundo esse argumento, tentar controlar as contas públicas, exatamente como estão tentando fazer agora – o que acho equivocado. Contudo, outro diagnóstico é o de entender a crise como uma crise de alavancagem financeira. Segundo a hipótese de fragilidade financeira, houve um ciclo de alavancagem muito grande para o Brasil, o qual gerou uma diminuição de gastos para justamente tentar recuperar o balanço e isso criou um viés recessivo muito intenso, então a solução da crise tem de ser outra.

Fiz várias reuniões em São Paulo e várias empresas dizem a mesma coisa: nos últimos oito meses tudo que fizeram foi cortar gastos e dizem que não têm mais onde cortar, e, mesmo cortando esses gastos, não se muda o cenário de crise de balanços, porque esse é um dos paradoxos da economia. Embora num nível micro para as empresas faça sentido cortar gastos, se num nível macro mais empresas começam a fazer o mesmo, a economia como um todo começa a cortar gastos e isso significa diminuição da produção, queda de emprego, de salário, a renda como um todo cai, e as receitas, em muitos casos, caem até mais fortemente do que o corte de gastos, e as empresas continuam no negativo. É nesse cenário recessivo que o país se encontra. Por isso que o setor privado não consegue sair sozinho de uma crise dessas, porque todo o tipo de resposta que o setor privado adotar, fará com que a crise fique cada vez mais intensa. Aí entra a necessidade de o setor público tentar conter essa crise, mas esse não é o tipo de discussão que temos hoje no país.

IHU On-Line – De que modo aumentar o déficit público ajudaria a conter a crise de balanço de pagamento das empresas?

Felipe Rezende – Para o setor não governamental ter um superávit em suas contas, o setor público precisa ter um déficit necessariamente. Então, considerando o setor não governamental dividido entre o setor privado doméstico e o setor externo, se tem o seguinte cenário: o saldo do setor privado é igual ao déficit público mais o saldo de transações correntes; essa é a equação fundamental e isso não é uma teoria, é uma identidade contábil. Em um cenário em que o saldo de transações correntes é igual à zero, então o saldo do setor privado doméstico é igual ao déficit público, ou seja, se o déficit público aumenta, aumenta também o saldo do setor privado doméstico, dado o equilíbrio das transações correntes.

Então, numa condição em que o setor privado doméstico roda com déficit em seus saldos, esse déficit só consegue ser revertido de duas formas: ou se tem um superávit ou se tem aumento do déficit público. A economia brasileira, historicamente, tem um déficit das transações correntes; o período em que o Brasil teve um saldo positivo em transações correntes foi no período pré-crise, que foi um período de bolha, o qual durou pouco tempo. Então é normal que o país tenha um déficit em transações correntes.

Possíveis cenários

Mas isso é complicado porque se o setor externo não vai contribuir para aumentar esse saldo, e só resta uma coisa a fazer, que é apelar para o déficit público, no caso do Brasil a expectativa é de que, em função da queda das atividades econômicas, se tenha uma dimensão do déficit das transações correntes. Mas numa previsão de -1%, o setor privado doméstico tem um saldo positivo e o déficit do governo tem de ser maior do que 1%, porque se o déficit do governo for igual a 3%, 3 mais -1 tem um saldo positivo de 2 para o setor privado doméstico. Essa é a conta a ser feita e é por isso que o déficit público acaba beneficiando o setor privado. Mas se há um cenário em que o déficit de transações correntes é de 2% do PIB, para permitir que o setor privado doméstico tenha um superávit de 5%, o que é uma previsão razoável em momentos de crise, o déficit público tem de ser igual a 7%, porque 7 menos 2 é igual a 5.

Então, é dessa forma que o déficit público ajuda o setor privado, porque o saldo positivo do setor privado doméstico indica que o setor privado está acumulando ativos. Aí a pergunta é: Como se tem uma acumulação de ativos? Através de saldos positivos nas contas; essa é a questão fundamental.

IHU On-Line – Então o Estado tem que ter um déficit permanente ou é possível equilibrar as contas públicas em algum momento?

Felipe Rezende – Essa é um excelente pergunta. Vamos analisar o cenário da economia brasileira: devido a fatores estruturais da nossa organização industrial e de padrões de financiamento interno e externo, há essa tendência de déficit em transações correntes. Ora, se há um déficit em transações correntes na casa de mais ou menos 2%, se o governo tentar ter uma conta equilibrada, como foi proposto antes da crise – vários economistas fizeram a proposta de déficit nominal zero -, o saldo do setor privado, necessariamente, será igual a -2%, e isso é insustentável, posto que déficits dentro do setor privado são insustentáveis, porque tem essa acumulação líquida de endividamento.

Aí a pergunta a fazer é a seguinte: O setor público tem que rodar esses déficits durante muito tempo? Se há uma posição de déficit em transações correntes, sim, para permitir o funcionamento do setor privado. O setor privado precisa acumular ativos líquidos com o tempo – isso é fundamental em uma economia capitalista – e precisa ter déficits públicos para que isso aconteça; não há outra forma.

Déficit da União Europeia

Fiz esse cálculo inclusive sobre a crise do Euro, e a conclusão foi exatamente a mesma: o setor privado teve déficits durante muito tempo em transações correntes e o governo teve que gerar esses déficits. Só que a discussão do Euro é um pouco diferente porque os países não têm soberania monetária, ou seja, as economias, como a espanhola e a portuguesa, são como os estados de Nova York ou Califórnia, não emitem a própria moeda. Então, a capacidade deles de suportarem esses déficits públicos acaba sendo diminuída e esse foi um dos fatores que gerou a crise do Euro; ou seja, ela aconteceu exatamente em função da soberania monetária. Isso porque tem uma queda de receita e um aumento de despesa – o mesmo mecanismo que mencionei dos estabilizadores automáticos -, só que a capacidade dessas economias de gerar déficits públicos é limitada porque elas não são emissoras das suas próprias moedas, coisa que a Inglaterra decidiu não fazer, porque, mesmo fazendo parte da União Europeia, continuou emitindo a sua própria moeda.

É importante cada nação utilizar sua própria moeda, porque isso aumenta a capacidade de ter déficits públicos para suportar a economia. Por exemplo, o Japão tem uma dívida de mais de 200% do PIB e teve downgrade na virada do milênio, e já naquele momento se anunciava uma crise fiscal para a economia japonesa, que nunca aconteceu, porque o país é soberano monetariamente e opera com câmbio flutuante. O Brasil, desde 1999, opera dessa forma, isto é, o Estado brasileiro é o emissor de sua própria moeda e opera com uma taxa de câmbio flutuante. Assim se aumenta a capacidade de rodar esses déficits fiscais, então, a solvência não é um fator de preocupação.

Muitas das discussões que tenho com economistas no Brasil são exatamente sobre isso: somos capazes de rodar esses déficits? Sim, somos, porque todas as obrigações são feitas como obrigações do Estado, pois você só consegue pagar seus impostos se o Estado emitir as obrigações dele primeiro, pois o Estado precisa gastar primeiro ou o Banco Central precisa fornecer uma linha de empréstimo para que o setor não governamental consiga pagar suas obrigações.

IHU On-Line – Então mesmo com o déficit público, o Estado tem condições de financiar as políticas sociais, por exemplo?

Felipe Rezende – A discussão primeira é sobre a solvência fiscal, e não há esse problema de solvência porque o Brasil opera com moeda soberana. Então, a questão é: o Estado pode rodar déficits dessa magnitude sem que pressione a inflação? Ou seja, a pergunta sempre tem que ser qual o impacto dos déficits públicos na economia, porque isso não quer dizer que o Estado pode gastar sem problema nenhum – não é isso que estou falando. Mas se é possível sair dessa discussão de que não há risco de solvência, então é possível passar para a próxima pergunta: Qual é o impacto desse déficit público na economia? Isto é, existem recursos disponíveis não utilizados e é possível mobilizá-los através de gastos públicos para ter uma retomada da atividade econômica? A próxima pergunta é: Esses gastos governamentais terão impacto nos preços da economia e quais tipos de preços serão afetados? Logo, tem uma análise muito mais sofisticada do que o debate atual, e posteriormente voltamos à sua pergunta inicial.

Existem déficits muito grandes no Brasil, mas a composição desses déficits é muito ruim, porque basicamente são compostos pelo pagamento de juros. Embora esse déficit seja expressivo, ele acaba não ajudando muito a recompor os balanços daquelas empresas que mais precisam, que são as empresas não financeiras, que tiveram esse ciclo de alavancagem.

Portanto, a qualidade do déficit público não é ideal, ou seja, a qualidade desse gasto não está indo para os setores que mais precisam, e aí é fundamental mobilizar diferentes setores da sociedade para que isso aconteça. Enfim, essas empresas com capacidade ociosa poderiam avançar em investimento, em infraestrutura, construção civil, saneamento, mobilidade urbana, o que é fundamental hoje para o país.

IHU On-Line – Você já fez um cálculo de como as contas públicas poderiam ser readequadas para que o déficit público tivesse esse impacto positivo na economia?

Felipe Rezende – O Brasil enfrenta hoje problemas de forte desemprego e queda da atividade econômica. Por um lado, havia toda uma preocupação convencional de que a inflação era basicamente alimentada pela demanda. Essa premissa hoje não é mais válida. Se olharmos todos os indicadores de demanda, veremos uma queda muito forte nos últimos oito meses e a inflação praticamente não se mexe. Então, apesar de grande parte dos analistas e economistas brasileiros afirmar que o superávit primário era fundamental para conter a inflação, essa teoria foi por “água abaixo”, porque a demanda desabou – não existe demanda hoje no Brasil.

Inclusive o Banco Central tem uma posição de esquizofrenia, porque não consegue defender o próprio modelo. Grande parte do mecanismo de transmissão da política do Banco Central é através de canais de demanda, o que coloca o Banco Central em uma posição muito complicada, porque para tentar convencer o público de que ainda são os “guardiões da estabilidade monetária”, tentando conter a inflação, o BC mantém os juros elevadíssimos, e justamente isso é ineficaz.

É fundamental o Banco Central reconhecer esse erro no modelo que, inclusive, não só falhou em prever uma das maiores crises da história do capitalismo, que foi a crise global de 2007/2008, mas também falhou na avaliação das políticas que foram adotadas no período pós-crise. Esse modelo não só não funciona em períodos de prosperidade, como falha significativamente em períodos de crise. O Banco Central está atuando hoje no Brasil como se essa fosse uma crise como qualquer outra, o que não é. Então o Banco Central tem que reconhecer que essa crise é diferente.

Intervenção estatal

Você perguntou sobre os impactos: tem uma política que foi adotada em outras economias, em que o Estado se torna o empregador de última instância, justamente para conter o desemprego. Assim o Estado acaba sendo o financiador desses empregos por meio de parcerias com o setor privado, com ONGs e projetos comunitários financiados pelo governo federal. Além disso, é preciso ter uma ajuda para os estados e municípios, ou seja, é preciso fazer transferência de renda e é por isso que temos uma União. É fundamental entender que grande parte dessa crise dos estados pode ser explicada com essa recessão que vem acontecendo no Brasil. Ou seja, a recessão acontece, as receitas caem, as despesas aumentam e os estados ficam em uma posição em que não conseguem sustentar esses déficits, e é fundamental que o governo federal dê essa ajuda a eles.

Há uma discussão sobre o refinanciamento da dívida dos estados, mas nesse momento de emergência é fundamental que o Estado contribua com transferências para os estados e municípios para serviços fundamentais, especialmente nas áreas de saúde, educação e segurança, pois tem que manter esses setores.

Capacidade de investimento

Recentemente um relatório da Mackenzie sobre os investimentos em diferentes economias mostra que o Brasil é um país de extremos. O relatório apresenta o valor do estoque em infraestrutura, que segundo a média mundial é de 71% do PIB. O estoque de ativos de infraestrutura do Japão, que está no extremo, é de 139%, o da China é 76%, o dos Estados Unidos, 64%, Índia, 58%, Reino Unido, 57%, e o do Brasil é 16%. Ou seja, é um estoque muito abaixo da média mundial. Portanto, há muito espaço para o Brasil avançar nessa área, não só através de investimentos públicos ou privados, mas é preciso ter a combinação dos dois e, dada a crise atual, não é possível esperar que o setor privado vá liderar esse processo. Então, por todos os motivos que falei, é fundamental que o setor público vá em frente e tenha um investimento muito forte. Nesse sentido o PAC é um avanço institucional muito grande e poderia ter sido um pouco mais agressivo, dada a necessidade do Brasil em avançar em infraestrutura.

IHU On-Line – Como os outros economistas veem sua proposta de retomar o investimento mesmo com a existência de déficit público?

Felipe Rezende – Muitos deles ficaram surpresos, no sentido de que não olhavam a crise dessa forma, mas como fiz um levantamento empírico da economia brasileira, agora entendem e acabaram admitindo que foram otimistas demais. Assim, muito acabaram revisando suas premissas e entendem que é fundamental o setor público retomar seu protagonismo de modo a começar investindo para estimular o setor privado, o que gera lucros agregados para a economia como um todo, permitindo essa recuperação dos fluxos de caixa. Com isso se tem o aumento do retorno esperado e se cria um ambiente positivo de expectativa, e o crescimento volta. Por isso que, geralmente, em crises dessa natureza o setor público é fundamental para assegurar e estabilizar a renda da produção como um todo para que o setor privado possa voltar a investir.

Infelizmente, hoje o que está sendo discutido é o contrário, ao se tentar controlar as contas públicas através de ajuste fiscal. Isso gera venda de ativos do Estado, privatização, corte de gastos sociais etc.

 

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

9 Comentários

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  1. Crise econômica

    Nassif, você esqueceu de colocar no debate o reflexo da operação Lava Jato, que travou os investimentos das grandes empresas de engenharia brasileiras e da Petrobras, afetando os investimentos em infraestrutura, na indústria naval, na indústria petroquímica, refletindo na arrecadação de impostos, na geração e fixação de empregos, no consumo e na produção.

    Parar esses setores foi uma grande perda para o país, que agregada à fraca demanda externa, fez o Brasil parar de crescer e gerar déficits crescentes.

    Quando essas grandes empresas começaram a parar, milhares de empresas menores, de engenharia, peças, acessórios, maquinários, siderurgias, indústrias de cimento, foram juntas ladeira abaixo.

    Nenhum país merece um conjunto de medidas judiciais tão prejudiciais para a economia, quanto as medidas impostas pela justiça brasileira.

    Até quando vai durar esta tolice, eu quero saber! 

  2. Impostos confiscatórios e mau ambiênte de negócios

    Seria uma surpresa para o Brasil e para o mundo se as empresas daqui fossem competitivas mundialmente.

    O Pais não têm ambiênte de negócios favoráveis, uma das poucas unanimidades mundiais na economia e os tributos além de estarem em níveis confiscatórios, integram algo totalmente incoerente, que é o sistema tributário nacional, um verdadeiro manicômio fiscal, que se serve para algo é para criar dificuldades que gerem lucros aos facilitadores.

    O recomeço do Brasil passa por uma reforma ministerial, onde 14 pastas irão dar unidade e coerência na gestão do Estado, coordenando a arrecadação aos gastos e descobrindo prioridades que serão atacadas com os instrumentos corretos.

    Hoje é uma balburdia só, quem arrecada, não paga, vide a previdência ou o SUS, quem  precisa não é atendido e a corrupção graça desbragadamente pelos poderes institucionais.

    Sem passar o País a limpo penso que a dona Dilma prefere ficar de fora e os que lutam pelo poder, só visam seus próprios interesses.

  3. Uma outra visão

    É sempre bom ter outra visão da problemática basileira.

    Só ques essa visão não tem a minima chance de ser apresentada na grande impresa porque vai contra tudo que os economistas das consultorias, grandesbancos e “comentaristas economicos” acreditam.

    Não há interesse nenhum por parte deles.

     

  4. Não há nenhuma referência à FBCF no 3º trimestre de 2013

     

    Patrícia Fachin,

    A entrevista com Felipe Rezende tem algumas falhas. Primeiro não fica claro sobre o momento da falha do diagnóstico. A recessão foi no segundo governo e a falha de diagnóstico foi no primeiro ou no segundo governo? Além disso, quando ele se refere à falha de diagnóstico ele se refere ao diagnóstico da recessão feito pela crítica ao governo da presidenta Dilma Rousseff ou ao diagnóstico que gerou as políticas econômicas postas em práticas pelo governo da presidenta Dilma Rousseff?

    E há duas questões que não foram feitas. A primeira eu tiro de um comentário que eu enviei terça-feira, 03/05/2016 às 21:08, para Luis Nassif junto ao post “Pequenos sinais positivos no horizonte e o fator Meirelles” de terça-feira, 03/05/2016 às 05:10, e de autoria dele. No meu comentário há o seguinte quadro:

    “QUADRO COM DADOS SOBRE INVESTIMENTOS QUE PRECISAM SER ESCLARECIDOS

    (Dados obtidos no Boletim do IBGE sobre o PIB trimestral utilizando a informação na última vez que ela aparece no Boletim. Para o FBCF a defasagem é de quatro trimestres e para o PIB a defasagem é de 5 trimestres)

    Trimestre    1º Trim   2º Trim   3º Trim   4º Trim   1º Trim    2º Trim    3º Trim    4º Trim

    Ano                2012       2012       2012        2012       2013        2013        2013       2013

    Taxa FBCF   – 2,2        – 1,5       – 1,4          1,8          3,9         3,4        – 1,7        – 2,1

    Anualizada   – 8,5        – 5,8       – 5,4          7,3        16,4         14,3       – 6,6        – 8,1

    Taxa PIB         0,1           0,1          0,6           0,9          0,4         2,1        – 0,5           0,1

    Anualizada      0,4          0,4          2,4          3,6          1,6          8,7         – 1,9           0,4

    Com os dados do quadro acima caberia perguntar como Felipe Rezende explicaria a forte retomada dos investimentos no quarto trimestre de 2012, no primeiro e no segundo trimestre de 2013 e a reversão abrupta que ocorrera no terceiro trimestre de 2013?

    O endereço do post “Pequenos sinais positivos no horizonte e o fator Meirelles”  é:

    https://jornalggn.com.br/noticia/pequenos-sinais-positivos-no-horizonte-e-o-fator-meirelles

    E para a segunda questão que foi omitida eu utilizaria dois parágrafos do post “Qual será o modelo de crescimento da indústria?, por Antônio Diegues” de segunda-feira, 01/08/2016 às 19:28, de autoria do professor Adjunto III do Departamento de Economia da Universidade Federal de São Carlos, Coordenador do Grupo de Pesquisa em Economia, Tecnologia e Desenvolvimento, Antônio Carlos Diegues, e que pode ser visto aqui no blog de Luis Nassif no seguinte endereço:

    https://jornalggn.com.br/noticia/qual-sera-o-modelo-de-crescimento-da-industria-por-antonio-diegues

    O post “Qual será o modelo de crescimento da indústria?, por Antônio Diegues” é a simples reprodução do artigo do professor Dr Antônio Carlos Diegues intitulado “Qual será o modelo de crescimento da indústria?” e publicado no jornal Valor Econômico. E os dois parágrafos a que eu me referi acima e aos quais acrescentarei mais um inicial são os seguintes:

    “De maneira complementar, um elemento externo e um interno contribuíram para sustentar o modelo de crescimento industrial vigente no governo Lula. Na dimensão externa, destacam-se os impactos do boom das commodities no dinamismo dos setores intensivos em recursos naturais. Já na dimensão interna, a expansão do consumo das classes populares fomentada pelo aumento da massa salarial, do crédito e do emprego formal garantiriam a sustentabilidade do ciclo pelo menos até o final da década.

    Com o esgotamento dessas fontes de dinamismo, o desafio do governo Dilma parecia ser reconfigurar o modelo de crescimento industrial a partir de transformações qualitativas que promovessem o incremento da competitividade. É neste contexto que se situa um amplo conjunto de medidas defendidas inclusive pelas entidades representativas da indústria, as quais tinham como objetivo reduzir o Custo Brasil. Dentre elas, destacam-se a desoneração da folha de pagamentos, a redução relativamente generalizada das alíquotas do IPI e do custo do crédito via diminuição dos spreads dos bancos públicos, a tentativa de redução do custo da energia elétrica, o protelamento do reajuste das tarifas públicas e dos derivados de petróleo, entre outras.

    Em paralelo, a pauta industrialista de Dilma I foi complementada por medidas para garantir a desvalorização cambial, pela tentativa de redução da Selic e pela manutenção de elevados volumes de crédito concedidos a juros subsidiados pelo BNDES.”

    As perguntas a serem feitas a Felipe Rezende a partir do texto transcrito acima é se ele concorda com essa descrição do professor Dr Antônio Carlos Diegues e se as medidas descritas e adotadas pelo governo da presidenta Dilma Rousseff foram medidas adequadas ou não? E se foram corretas por que essas medidas não deram o resultado esperado?

    Quanto a análise de Felipe Rezende creio que um mecanismo interessante para resolver o Balanço de Pagamentos das empresas é um pouco de inflação que reduza os débitos e a desvalorização da moeda, de modo a reduzir as importações aumentando o mercado interno para o produto nacional e favorecendo as exportações, aumentando o mercado externo também para o produto nacional.

    Clever Mendes de Oliveira

    BH, 04/08/2016

  5. Falha de diagnóstico e Clever, José, Alexandre, Cícero e Araujo

    Senhores,

    A entrevista, obviamente, não esgota, nem poderia, esgotar o assunto. Coloca a discussão na mesa. Se é que, dada a beocidade, eu entendi ao menos parte da questão, discute-se em síntese o velho axioma de destinação de gastos “espada ou enxada” onde, no lugar da espada ora está o capital financeiro. A análise parece indicar que em vez de nos preocuparmos em assegurar um colchão financeiro para acomodar o sono dos justos aos bancos, deveríamos usar a capacidade de endividamento soberano e, implicitamente, conviver com certa dose de déficit e inflação para mover a economia. Por exemplo, aplicando recursos públicos em infraestrutura estaremos fomentando investimentos, gerando receita e lucro no setor privado e, par-a-passo, estaremos criando condições de capitalização das empresas, emprego, renda e demanda agregada. (ei, isso não é Keynes?)

    Mas, gostaria de contribuir com o dito nos comentários. Na minha beócia opinião, estão bem colocados mas deixam alguns fatores sem a devida ponderação. Formação bruta de capital fixo (FBCF) não pode ser olhada circunstancialmente, é um indicador estrutural. Picos isolados, principalmente tendo como comparação bases muito fracas, podem ser “soluços”. Respostas a estímulos não sustentados a médio e longo prazo. O fato é que não são relevantes ao serem pontuais. O mais interessante é que no exemplo acompanham um movimento de recuperação do PIB que foi sufocado em meados de 2013. Momento este que parece coincidir com o startup da campanha da reeleição, os protestos do Passe Livre e a “malhação de judas” aplicada em Dilma pela mídia e pela oposição.

    Em relação à questão da pauta de reinvindicações da indústria, vamos começar por situar a sua relevância dentro do cenário econômico nacional. A indústria como um todo respondeu, em 2015, por apenas cerca de 23% do valor agregado total. Em relação ao desempenho das nossas exportações contribuiu com 55% do total, dos quais 41% em produtos manufaturados e 14% em semimanufaturados. Essa participação relativa no PIB vem se reduzindo há anos. Primeiro, pelo desenvolvimento dos setores primário e, principalmente, de serviços. Segundo, pelas suas próprias limitações. Há um discurso antigo, repetitivo e cansativo sobre a culpa das políticas econômicas (sejam quais forem), o tamanho do Estado, o peso dos impostos e a incompetência governamental em geral. Mesmo sem descartar completamente suas razões, afirmo, enfaticamente, que há uma tremenda incompetência gerencial residente na grande parcela das empresas brasileiras e é onde mora a maior causa da sua própria desgraça. Parar de negar o fato e cuidar da própria casa antes de criticar a dos outros seria um bom começo. Este é um tema que ocuparia laudas e laudas, mas, para não ficar na afirmação simples informo que é a conclusão do exame in loco e detalhado de centenas de empresas. Raras são as que conhecem e vigiam seus vetores de resultado e que contam com planejamento e controles dignos do nome. As duas últimas analisadas, recentemente em 2106, com faturamento anual entre R$ 600MM e R$ 800MM e com mais de 1000 empregados, caminham em ritmo marcado para uma tragédia. Uma realiza um prejuízo após o outro e sua alta administração vive em delírio esquizofrênico, reiterada e sistematicamente, apresentando desculpas sucessivas para o fracasso do plano do exercício anterior, enquanto projeta um resultado brilhante do plano em curso, ainda que os primeiros resultados mostrem outro desastre se formando. A outra sequer apura seus custos e controla suas perdas de produção com o mínimo critério exigido para gerenciá-los. Mas, ambas, perdendo dinheiro pelo ladrão, atribuem suas dificuldades às causas de sempre, exógenas, ao passo em que criticam a ineficiência e o peso da máquina pública. Em uma negação inexplicável das causas reais dos problemas, criam a armadilha em que se prendem e da qual não conseguem se libertar. Afinal, a base inicial de qualquer projeto de mudança é reconhecer a sua necessidade. Fazer as mesmas coisas, do mesmo modo e esperar resultado diferente é, sabidamente, sintoma da loucura. Então, antes de forçar a mão no câmbio, destruir políticas de proteção social e detonar direitos dos empregados em nome do discurso da FIESP – “O Rato que Ruge”, a sociedade precisa analisar se não estará subsidiando incompetência. Não se afirma que é preciso abandonar a indústria nacional a sua própria sorte, longe disto. Sugere-se que se analise o problema com seriedade e a devida profundidade e se busque uma solução que fuja do estereótipo.

    O mesmo se aplica ao setor público. Dado o dano potencial decorrente de equívocos, antes de se transferir atividades públicas ao setor privado em decisões de difícil irreversibilidade, é necessário se obter um diagnóstico preciso das falhas e das suas possíveis alternativas para correção. Não se trata aqui de apego ideológico à manutenção de atividades na esfera pública fora da sua função precípua de atuar na segurança, saúde e educação e de controlar concessões. Trata-se de avaliar o que pode ou deve ser objeto de melhoria no nível de serviço e o que deve e pode ser objeto de transferência à iniciativa privada. Tudo feito com o devido tempo e guiado pelo objetivo do melhor para a sociedade e não sob a batuta de grupos de interesse.

    Sobre a questão do incentivo às exportações ser o instrumento de saída da crise é preciso relativizar o seu peso na nossa economia. O comércio do Brasil com o mundo representou, em 2015, algo com 20% do PIB e as exportações refletiram arredondados 53% do total da balança comercial. Logo, apenas 11% do PIB. Como a o comércio internacional repousa em uma relação de troca entre países, não somente de bens e serviços mas de interesses soberanos dentre os quais a formação de saldos positivos nas respectivas balanças comerciais, não há como expandir exportações sem dar alguma reciprocidade em importações. Em algum ponto há que se ter a disposição em ceder espaço no mercado nacional para bens e serviços dos demais países. Basta olhar o histórico de nossa balança comercial e se verá como as duas faces do comércio internacional estão relacionadas. Logo, nem toda exportação significa menor pressão de oferta mercado interno. Considerando os fatos é difícil imaginar o estímulo às exportações senão como um meio auxiliar, ainda que importante, à retomada da atividade econômica.   

    Quanto ao aspecto político e aos erros de diagnóstico, inclusive os econômicos, do governo Dilma, penso que serão objeto de muita análise e debates futuros. O que é preciso considerar – novamente, em beócia opinião – é que a Política e a Economia caminham interligadas em uma homeostase de stress, afetando-se mutuamente. Então, é preciso situar as decisões econômicas do Planalto dentro do quadro político e vice-versa. O lado da gestão política no governo Dilma, sempre foi complicado. Em parte pela própria, em parte pelos seus assessores mais diretos – nunca acusados de brilhantismo – e, em grande parte, pela coalizão formada para a “governabilidade”. Quando Dna. Dilma, lá atrás, apanhando da imprensa e nas ruas mais do que boi na roça, resolveu dar resposta para atender ao mercado, deu o passo para a sua desgraça política e econômica. Em poucos meses virou carne morta, à mercê das hienas do congresso, sintetizadas na Hiena Mor. A partir dali não governou mais, o resto é resto.

    A lava-jato nasceu e se fortaleceu nesse lamaçal da politicagem. Na minha opinião beócia, não difere, em sua ideologia e prática do que sempre se fez na justiça brasileira. Instrumento de preservação dos privilégios de uma minoria e opressão da maioria. O móvel, nesse caso, foi defenestrar o projeto de inclusão social, de resgate da pobreza e da cidadania dirigido ao benefício milhões de pessoas uma vez que o poder oligárquico, ora restaurado, não podia mais ficar à margem. Abriu-se a oportunidade e, a partir dali, a lava-jato se tornou símbolo e instrumento dessa restauração. A lava-jato trouxe, na construção dessa simbologia (Justiça equânime do pau que bate em Chico, bate em Francisco) o ineditismo de se ver encarcerados representantes os mais ilustres da comunidade empresarial. Sob a égide pragmática de que os fins justificam os meios e de que não se faz omelete sem quebrar alguns ovos, foram efeitos colaterais aceitáveis. Assim como o foi a destruição das empresas denunciadas. Se isso não fosse verdade e a lava-jato representasse uma mudança de paradigma, se teria dado prosseguimento às diversas outras denúncias e apurações de corrupção surgidas no transcorrer das investigações. Também, se teria dado tratamento diferente à operação Zelotes que não se resume ao momento do chamado lulapetismo. Boa parte da classe empresarial conhece esse caminho das pedras para escapar das infrações fiscais desde os antigos Conselhos de Contribuintes federais, criados em 1924, que antecederam ao Carf. Mas, como se diz, se não criou, o PT aprimorou. Sabiamente, parece estar usando fartamente nos seus esquemas criminosos figuras ligadas ao PMDB, ao PSDB e outros como “agentes infiltrados” para disfarçar autoria e passar impune. Para completar, destaca-se o caso das contas do HSBC, onde os correntistas brasileiros eram titulares de 8 mil das 100 mil contas denunciadas, 8% do total vindo de um País com menos de 2% de participação no comércio global e parou nas poucas e passageiras manchetes. Isso, sem falar no Panama Papers ao qual é muito provável estarem os fatos da Zelotes e do HSBC umbilicalmente ligados. No dia-a-dia o descalabro criminoso que se vê praticado por agentes públicos e privados contra a população mais fragilizada, desde aqueles que vivem marginalizados pelo Estado nas periferias das metrópoles, até os povos indígenas mortos sistematicamente, não ainda merece qualquer reflexão maior, quanto mais seu combate efetivo. Logo, a única contribuição da quase-finda-só-falta-um-adivinha-quem-lava-jato, em face da evidente seletividade, deverá ser o legado de acrescentar mais um P na Justiça dos Três P’s, o de Petista.

    Finalmente, comentando o Araújo. Como eu não escrevo colunas, não tenho como medir a quanto tempo, também, me repito, cansativa e futilmente, enquanto la nave va no País do Presidente Interino Poeta.

    Lembrando do nosso poeta, lembro de um primo por afinidade (dele, não meu), também multitarefa e multiusuário e aproveito para me despedir com um pequeno plágio, delito menor e perdoável nesta república de ladrões, golpistas e usurpadores.

    “Enquanto os cães ladram a caravana passa. Sorry, periferia. Ademã, que vou em frente”.

     

    1. O ponto do Clever, reversão no segundo semestre de 2013

      Não pode ser olvidado.

      Teoria da Conspiração na veia, mas que tá lá, está.

      O comentário é um brilhante resumo, mas peca na superficialidade da análise, caro beócio, perca mais tempo por aqui desenvolvendo seus argumentos.

      Abraço.

  6. Falha de diagnóstico uma ova!!!

    Quem é economista e vão em eventos onde estão gente que falam bobagem, por favor joguem ovos podres neste pessoal. Vcs tem a obrigação de fazer isto, mas joguem muitos ovos e bem fedidos pois este pessoal merece estar na podridão. 

    “Falha de diagnóstico” é uma forma rasteira de traduzir os SABOTADORES DA PÁTRIA e que deveriam ser enforcados em praça pública. 

  7. Economia

    Nassif, lendo os comentáriso, além do que comentei sobre os reflexos da Lava Jato na economia, não foi abordado, ainda, o reflexo da seca no Sudeste e no Nordeste do Brasil, que impediu um incentivo maior do governo ao crescimento econômico, tendo em vista a possível falta de energia para movê-la, fomentá-la através do consumo – no Sudeste foi mais intenso o reflexo na economia, principalmente em São Paulo, pela falta de investimentos da SABESP no setor de águas – e o governo paulista foi imensamente ajudado pela mídia, jogando todo o peso do desaquecimento no Governo Federal; o paulista viu, sentiu, mas como a imprensa não falou, calou-se e continuou acreditando no Alkimin.

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