Renda efetiva das famílias ainda acumula perdas de R$ 50,6 bilhões, por Lauro Veiga Filho

A queda nos rendimentos e o desempenho sofrível do mercado de trabalho, diante de dificuldades evidentes para a retomada de fato das contratações, aliado à suspensão do auxílio emergencial entre janeiro e abril deste ano, explicam a forte retração ainda acumulada pela renda das famílias

Renda efetiva das famílias ainda acumula perdas de R$ 50,6 bilhões

por Lauro Veiga Filho

Em meio à elevação dos custos dos alimentos, da energia elétrica e do gás de cozinha, que acumulavam altas de 15,3%, 16,95% e 26,3% em 12 meses até a primeira quinzena de junho, desregulamentação do mercado de trabalho e uma sequência de reformas que reduziu valores e alongou os prazos para aposentadoria do trabalhador comum, a renda das famílias sequer chegou a retomar níveis anteriores ao começo da pandemia. O conjunto de dados disponíveis até aqui não parecem chancelar os cenários mais otimistas alardeados pelo ministro dos mercados e não sugerem ainda chances de uma retomada alentada da atividade econômica no curto e mesmo no médio prazo.

Segundo a edição mais recente da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a soma de todos os rendimentos efetivamente recebidos pelas pessoas ocupadas registrava ainda perdas de R$ 50,598 bilhões entre o trimestre finalizado em janeiro do ano passado e o trimestre terminado em maio deste ano, já descontada a inflação. Em valores reais, a massa salarial efetiva caiu de R$ 264,498 bilhões para R$ 213,90 bilhões, numa queda de 19,1%. A queda nos rendimentos e o desempenho sofrível do mercado de trabalho, diante de dificuldades evidentes para a retomada de fato das contratações, aliado à suspensão do auxílio emergencial entre janeiro e abril deste ano, explicam a forte retração ainda acumulada pela renda das famílias, o que tende a criar dificuldades adicionais para uma reativação real e duradoura da demanda.

A volta do auxílio, embora possa representar algum alívio, deverá ter efeitos limitados sobre o consumo, diante da redução da população favorecida e dos cortes nos valores médios pagos por família beneficiada. Os dados mais recentes da Secretaria do Tesouro Nacional (STN), divulgados na sexta-feira, dia 30, mostram uma queda vertical nos valores desembolsados para cobrir o auxílio emergencial na primeira metade deste ano, mesmo em termos nominais (ou seja, sem atualização com base na inflação do período). Nos seis meses iniciais de 2020, o Tesouro destinou R$ 121,54 bilhões para o auxílio às famílias mais necessitadas, valor que desabou para apenas R$ 27,355 bilhões, em números arredondados, na primeira metade deste ano, o que significou um corte de R$ 94,185 bilhões, num tombo de 77,5%.

Desemprego recorde

A PNADC referente ao trimestre de março a maio deste ano, conforme o IBGE, mostra a abertura de 809,0 mil ocupações frente ao trimestre imediatamente anterior, encerrado em fevereiro deste ano, já que a população ocupada avançou de 85,899 milhões para 86,708 milhões, numa variação de 0,9%. Como 1,818 milhão de pessoas a mais passaram a procurar emprego no período, o desemprego continuou avançando, somando mais 372,0 mil desocupados, em alta de 2,6% para o nível mais alto de toda a série histórica, iniciada em 2012. A pesquisa registrou 14,795 milhões de desempregados, diante de 14,423 milhões no trimestre anterior, com a taxa de desocupação subindo de 14,4% para 14,6% (tristemente recorde também). A tendência é basicamente a mesma quando se toma o mesmo trimestre de 2020 como base. O número de trabalhadores na força de trabalho cresceu 2,9% frente a março-maio do ano passado, representando a entrada de mais 2,856 milhões de pessoas no mercado de trabalho. A questão é que apenas 27,0% delas, ou 772,0 mil pessoas, conseguiram uma colocação. Outras 2,085 milhões reforçaram as fileiras do desemprego, significando um salto de 16,4% para o total de desocupados.

A deterioração nas condições do emprego está escancarada no perfil das novas ocupações geradas nos períodos analisados. Entre fevereiro e maio deste ano, sempre considerando períodos trimestrais encerrados naqueles meses, trabalhadores por conta própria responderam por 89,0% das 809,0 mil ocupações criadas nos três meses considerados. Além disso, perto de 88,3% desses novos trabalhadores por conta própria não tinham registro no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ).

Os números da pesquisa apontam que o total de ocupados por conta própria, geralmente em bicos temporários ou trabalhando como ambulantes em banquinhas espalhadas pelos centros urbanos do País, cresceu 3,0% entre os dois trimestres, saindo de 23,653 milhões para 24,373 milhões de pessoas, representando 28,1% do total de empregados. Os trabalhadores por conta própria sem CNPJ, por sua vez, avançaram 3,6%, de 17,904 milhões para 18,540 milhões. Em um ano, o número de pessoas atuando por sua própria conta e risco aumentou 8,7%, representando 1,958 milhão de trabalhadores a mais (dos quais, 82,7% não tinham CNPJ e qualquer direito). Para comparação, o número total de pessoas ocupadas entre os trimestres terminados em maio de 2020 e no mesmo mês deste ano aumentou muito menos (772,0 mil a mais, como já anotado) – o que significa dizer que todas as demais categorias de ocupados fecharam 1,186 milhão de vagas no período.

Fica um pouco pior quando se analisam os dados estimados pelo IBGE para o contingente de informais no mercado, trabalhadores sem direito a férias, 13º salário, sem Previdência e sem o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). No cálculo do instituto, que considera trabalhadores do setor privado e empregados domésticos sem carteira, ocupados sem CNPJ (incluindo empregadores) e trabalhadores familiares não remunerados, haviam 34,712 milhões de informais na economia no trimestre março-maio deste ano, representando 40,0% do total de ocupados. Em um trimestre, o número avançou 2,1%, passando de 34,014 milhões para 34,712 milhões (698,0 mil a mais, equivalendo a 86,3% de todas as novas ocupações abertas no período). Frente ao mesmo trimestre de 2020, quando a informalidade atingia 37,6% dos ocupados, o total de informais cresceu praticamente 7,5%, com a entrada neste segmento de mais 2,415 milhões de trabalhadores. Supondo-se que todo o restante dos ocupados estivessem formalizados, esse número encolheu em torno de 3,1% em 12 meses, saindo de 53,639 milhões para 51,996 milhões, com fechamento de 1,643 milhão de vagas.

O total de subocupados por trabalharem menos horas do que considerariam necessárias para prover níveis adequados de subsistência foi igualmente recorde no trimestre encerrado em maio deste ano, chegando a 7,360 milhões de trabalhadores (8,5% do total de ocupados). No trimestre anterior, os subocupados por insuficiência de horas trabalhadas eram 6,890 milhões. Houve um acréscimo, portanto, de 469,0 mil trabalhadores nessa mesma situação nos três meses seguintes, numa elevação de 6,8%. Para ser mais claro, a cada 100 trabalhadores que conseguiram alguma forma de ocupação no período, em torno de 58 não conseguiram empregos que lhes permitissem trabalhar o número de horas necessárias para assegurar seu sustento e de sua família. A relação piora quando se considera o período de 12 meses: o número de subocupados saltou 27,2%, saindo de 5,787 milhões há um ano (1,573 milhão a mais). Esse número foi duas vezes maior do que todas as vagas adicionais abertas pela economia brasileira em igual período. O total de trabalhadores subutilizados atingiu o segundo maior contingente da séria histórica, chegando a 32,946 milhões, com a taxa de subutilização batendo em 29,3% (a mais elevada para o trimestre março-maio pelo menos desde 2012).

Desemprego “oculto”

O amplo contingente de desalentados, representado por aqueles que desistiram de procurar emprego por absoluta falta de opções, torna mais grave ainda os números da desocupação. Entre março e maio deste ano, a pesquisa aponta 5,710 milhões de trabalhadores em desalento. Houve recuo de 4,1% em relação ao trimestre imediatamente anterior, mas o número corresponde a um incremento de 23,6% em relação ao último trimestre de 2019 (quando a PNADC registrava 4,620 milhões de desalentados).

As pessoas em desalento ajudam a formar a chamada “força de trabalho potencial”, que inclui ainda aqueles trabalhadores que deixaram de procurar emprego, mas gostariam de trabalhar. Eram 10,791 milhões nessa condição até maio deste ano, em torno de 9,1% abaixo dos 11,874 milhões registrados em igual trimestre do ano passado. Somada a força potencial aos desocupados, o número sobe para 25,586 milhões, diante de 24,584 milhões registrados no mesmo trimestre de 2020. Desde o final de 2019, quando a força potencial incluía 7,735 milhões de trabalhadores, esse número saltou 39,5%.

Uma visão mais próxima do cenário da desocupação, no entanto, pode ser aferido quando se acrescenta à força potencial de trabalho todos os desocupados em cada um dos períodos analisados. No quarto trimestre de 2019, nessa conta, o desemprego “oculto” atingia 19,367 milhões de trabalhadores, correspondentes a 17,0% da forma de trabalho ampliada (com inclusão daqueles que estavam fora do mercado, mas ainda tinham planos de voltar a trabalhar). No trimestre mais recente, encerrado em maio deste ano, o desemprego nesse conceito ampliado chegou a 22,8% e vitimou 25,586 milhões de pessoas, crescendo 32,1%.

A distância entre a taxa de desocupação oficial e aquele que afere o “desemprego oculto” ampliou-se no mesmo intervalo, exatamente pelo aumento do número de trabalhadores que gostariam de trabalhar, mas mantinham-se fora do mercado por falta de oportunidades reais de trabalho. Até o final de 2019, a diferença entre a taxa de “desemprego oculto” e a taxa de desocupação oficial (então em 11,0% e já elevada historicamente) chegava a seis pontos de porcentagem, subindo para 8,2 pontos em maio deste ano.

Raio X do mercado

Para uma visão em grandes números do comportamento do mercado de trabalho nos últimos trimestres, confira a evolução das principais categorias contempladas pela PNADC entre o quarto trimestre de 2019 e o trimestre março-maio de 2021:

  • População em idade de trabalhar (14 anos ou mais de idade): era de 171,613 milhões e avançou para 177,306 milhões, somando mais 5,693 milhões (3,3% a mais)
  • População na força de trabalho (ocupados mais desocupados que procuraram emprego na semana da pesquisa): de 106,184 milhões de pessoas para 101,502 milhões, ou 4,682 milhões a menos (-4,4%);
  • População fora da força de trabalho (ou seja, que desistiu de procurar emprego): de 65,429 milhões para 75,803 milhões de pessoas, em alta de 10,374 milhões (mais 15,9%). A variação corresponde precisamente aos 5,693 milhões que completaram 14 anos e estavam em idade de trabalhar, somados aos 4,682 milhões de que deixaram a força de trabalho.
  • População ocupada: de 94,552 milhões para 86,708 milhões, em queda de 8,3%, o que representou o fechamento de 7,844 milhões de vagas
  • População desocupada: de 11,632 milhões para 14,795 milhões de pessoas, crescendo 27,2% (3,163 milhões de desempregados a mais). O avanço apenas não foi maior em função da saída do mercado daqueles 10,374 milhões de trabalhadores.
  • Esse movimento reduziu a participação da força de trabalho na população com 14 anos ou mais para 57,2%. Se essa fatia tivesse se mantido nos mesmos 61,9% registrados em dezembro de 2019, considerando o total de ocupados, o desemprego saltaria para 21,0%, afetando 23,044 milhões de trabalhados (8,249 milhões acima do número registrado pela pesquisa – ou seja, 55,8% a mais).

Lauro Veiga Filho – Jornalista, foi secretário de redação do Diário Comércio & Indústria, editor de economia da Visão, repórter da Folha de S.Paulo em Brasília, chefiou o escritório da Gazeta Mercantil em Goiânia e colabora com o jornal Valor Econômico.

Redação

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