Não foi contra a liberdade de imprensa nem ato muçulmano: foi terrorismo

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Por Elizabete Oliveira

Comentário referente ao post. Não confunda terrorismo com atentado à liberdade de imprensa

Só vi um jornalista do Brasil a colocar os pingos nos is sobre a situação francesa.

Parabéns, jornalista. Em nenhum momento o atentado constituiu ameaça à liberdade de imprensa, mesmo porque na França a lei de regulamentação da Mídia data de 1881. E não foi um ato dos muçulmanos como alguns sectaristas querem imputar. Foi na verdade uma represália de grupos terroristas contra a posição da França em relação aos terroristas. Contra a posição da França de combater o grupo Daech e o grupo Estado Islâmico. Os terroristas que cometeram os atentados em Paris nos últimos dias divulgaram um vídeo em que dizem ser do Estado Islâmico. Eles escolharam dois alvos: o jornal, por publicarem (de vez em quando, não é sempre como se fala no Brasil) humor contra o radicalismo dos grupos terroristas “defensores” do Islão. Uma minoria, constituída principalmente de jovens intolerantes que acreditam que o Ocidente representa a destruição de seus valores. Claro que isso é um pouco verdadeiro, mas matar pela defesa dos ideais não resolve a questão. Pode-se defender cultura, religião e valores sem a necessidade de armas. O atentado ao jornal, o atentado contra duas policiais municipais de uma vila perto de Paris e o atentado do supermercado dos judeus foram alvos para atingir o governo francês por suas posições contra os grupos terroristas, os de fora e os de dentro da França. Escolheram o Charlie Hebdo por ele ser um jornal de esquerda (como o presidente).

A  justificativa foram as charges, mas Charlie faz charge de católicos, protestantes, budistas, etc, contra partidos políticos principalmente do partido da extrema direita francesa que eles consideram racista e xenófobo. Eles puniram o jornal por causa de algumas charges. Mas queriam atingir não apenas o jornal mas o governo e o Ocidente. Então essa balela de liberdade de imprensa é coisa do PIG que usa as informações para atacar o projeto de regulamentação da mídia da presidente Dilma. A França reagiu em defesa da liberdade de imprensa e em defesa dos judeus que são sempre o alvo dos terroristas aqui na França, mas em nenhum momento culparam os muçulmanos pelos atentados. Aliás, todos os jornais, televisão, rádio, governo, fizeram questão de dizer que os atentados não têm nenhuma ligação com os muçulmanos. Um dos soldados mortos no atentado ao jornal Charlie era muçulmano (aquele que foi executado fora da sede do jornal). Hoje o presidente Hollande foi à casa da família do soldado mulçumano para prestar solidariedade. Um empregado do supermercado judeu é negro muçulmano, ele será condecorado pelo governo porque salvou várias vidas dentro do supermercado. Ele trabalhava no subsolo do supermercado e quando o terrorista entrou no supermercado, muitos clientes desceram para o subsolo, quando ele percebeu o risco, ele abriu a grande geladeira do supermercado e pediu para todos se esconderam lá. Ele apagou a luz e desligou a geladeira e saiu por uma porta blindada do fundo para avisar a polícia que estava fora do supermercado. Com a chave que ele deu desta porta, a polícia pode entrar no local e salvar os sequestrados que estavam com o terrorista e os que estavam na geladeira escondidos.

Pensa-se horrores da sociedade francesa, mas vejam: africano mulçumano (ele ainda não tem nacionalidade francesa) trabalha para judeus e salvou judeus. Tudo isso é importante saber para conhecer melhor daquilo que se fala. Quando o Charlei publicou um desenho da ministra da justiça como uma macaca, não foi o jornal que disse que ela era uma macaca. Foi uma candidata do partido da Frente Nacional de extrema direita que fez publicou uma foto da Ministra ao lado de um macaco; conclusão essa candidata ficou 9 meses na prisão. E o jornal Minute, de direita que disse que a ministra era maligna como um macaco e que Toubira reencontra sua banana, foi obrigado a pagar indenização à ministra. Tem liberdade de imprensa, mas se alguém se sentir lesado, tem justiça e indenização. O jornal Charlie fez uma charge do episódio. Colocou a ministra como macaca, mas como texto da charge escreveu : “Rassemblement Bleu Marine” e colocou o símbolo do Partido da Frente Nacional como duas bananas (usou as cores do partido). Essa expressão é utilizada pelos candidatos desse partido nas eleições. Quer dizer “Venha se Reunir ou se Reunir com a Frente Nacional” Bleu marine é azul marinho, a cor do partido. A charge é como se eles dissessem ao partido da Frente Nacional “: é dessa maneira (chamando os outros de macaco) que vocês querem que todos se unam a vocês? Vejam uma charge que foi feita para gozar o partido da extrema direita, é interpretada por alguns brasileiros como sendo uma charge contra a ministra. É preciso entender a política francesa, o francês, e a sutilidade do humor do jornal para entender a charge. Se alguém quiser pode conferir no facebook da minsitra Christiane Toubira, suas palavras de carinho e de reconhecimento logo após o ataque do jornal. Nas homenagens de desagravo da ministra, logo depois do episódio, os desenhistas do Charlie foram convidados para a solenidade.   

Charlie é um jornal de esquerda, contra todas as formas de injustiça, tivemos o Pasquim como similar. Os desenhistas são ateus, preferem seguir o laicismo. Quando fazer humor arte, eles brincam com tudo e com todos, até mesmo com a esquerda quando eles acham que alguém pisou na bola. Nas entrevistas, eles eram pessoas simples, humildes e adoráveis, mas com grande convicção de que não se contrói uma sociedade mais justa com armas nem com intolerância. Eu estive na Marcha de 1500 milhões de franceses e de imigrantes. Estavam todas as religiões e nacionalidades. Os franceses sairam à rua muito mais pelo direito republicado de ser laico e de poder se expressar com humor, mesmo que eles não concordem 100% com todas as charges do que se publica.

Estive na Marche com as minhas armas: um cartaz com os dizeres “Eu sou Charlie”, uma bandeira do Brasil e um lápis.       

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

17 Comentários

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  1. Esse texto mostra a differença abissal entre

    o blog, seu idealizador e seus participantes, e a mídia corporativa “brasileira” que mostrou neste episódio, mais uma vez, seu lado boçal e arrogante.

    Mereceriam charges do Charlie Hebdo. Mas não vai acontecer:

    1 – por que não existe liberdade de expressão no Brasil, “graças” a um judiciário reacionário  e retrogrado, com a conivência de um executivo covarde,

    2 – a tal mídia corporativa “brasileira” não merece um segundo do tempo mental de qualquer chargista.

  2. Muito bem, Elizabete

    Estou ha varios dias dizendo, escrevendo as mesmas coisas a colegas jornalistas brasileiros, que não conseguem entender as satiras do hebdomandario (dizem simplesmente que acham horriveis!) e fazem almagama entre terroristas e muçulmanos. Ahmed, o policial que morreu, foi ontem homenageado varias vezes pelas pessoas na ruas, pelo governo francês, assim como o agente de limpeza do prédio de Charlie Hebdo, a primeira pessoa assassinada naquele dia. E foi muito bonito ver judeus, muçulmanos, brancos e negros, todos juntos contra essa barbarie e a falta de compreensão da importancia de existirem Charlies Hebdo.

  3. Jornalistas brasileiros

    Se os jornalistas brasileiros — com honrosas exceções — nem sequer frequentam as favelas nacionais, como esperar que eles visitem um banlieu francês, onde “o bicho pega”?

    Melhor ficar num “arrondissement” classe-média de Paris, lotado de certezas sobre as maravilhas da democracia francesa e longe da crise econômica, da pobreza e do preconceito da sociedade por não ser da religião e/ou da cor de pele “adequados”.

    Faz bem à saúde, o humor melhora! Pode-se rir a vontade da religião dos inadequados, afinal a “liberdade de expressão” existe para isso mesmo.

    E esses seres devem ficar calados, em paz e achar tudo isso uma delícia! Ha-ha-ha!

    Só que se prepare para os tiros ( fonte: http://www.ibahia.com/detalhe/noticia/reporter-toma-susto-ao-vivo-com-tiros-na-franca-e-admite-pavor-em-cobertura/ ):

    Repórter toma susto ao vivo com tiros na França e admite ‘pavor’ em cobertura

    A repórter da Globo Cecília Malan levou um susto nesta sexta-feira (9) quando fazia a cobertura ao vivo perto de um mercado em Paris, na França, onde um sequestrador mantinha reféns hoje. Ela fazia uma entrada ao vivo no ‘Jornal Hoje’ quando ouviu sons de tiros. A polícia francesa entrava no local no momento.

  4. não entendi. se a frança

    não entendi. se a frança reagiu pela a liberdade de imprensa e o ato terrorista não tem relação com a liberdade de imprensa? No islã arte figurativa é um afronta.  para o ocidente isso não quer dizer nada. fazemos isso a todo o instante.

  5. Ou seja, foi terrorismo

    Ou seja, foi terrorismo contra a liberdade de imprensa. 

    Metralharam meia dúzia de jornalistas/caricaturistas, entre eles Charb e Volinski, única exclusivamento por ser do CH e abominar fanatismos religiosos.

    Só o Luis Nassif (e súditos), o dono do blog, não enxerga isso.

     

  6. É isso. Os boçais que

    É isso. Os boçais que cometeram a barbaridade não vieram “de fora” da sociedade francesa, não. O sentimento de estupidez foi cevado em França.

  7. ah o idealismo

    Idealismo é pacífico. Já a História…essa é violenta. Logo, quando for idealizar, meça as consequencias disso na História.

  8. Estão querendo afastar os motivos políticos, deste ato.

    Tenho comentado nos veículos das redes sociais, o que comento a seguir: Estamos nos esquecendo, que o excesso de liberdade que a democracia francesa dá aos seus veículos de comunicações, pagou um alto preço, que estava sendo ameaçado ser cobrado, há décadas, desde a revolução iraniana, que derrubou o Xá Reza Pavlevi, e que tinha na imprensa francesa, o seu maior inimigo, e que  continuou atacando os valores considerados sagrados, pelos xiítas iranianos, assim como os atuais muçulmanos e islamitas, que consideram sagrado e intocável, seu profeta e sua religião, baseada no alcorão.

    Outro fator que desencadeou este ato abominável ato terrorista, é a atual política externa norte-americana, que apoiada pela França e outros lacaios ocidentais, querem ensinar aos árabes e aos países islâmicos, como devem viver, o que contraría frontalmente a fromação plítica e teocrática dos muçulmanos.

    Efetivamente, não estaríamos no Ocidente, com o “cú na mão” de medo, das ameaçadoras promessas de terrorismo da Al Qaeda, e ultimamente dos defensores do Estado Islãmico, de incendiarem o mundo dito civilizado, se a “polícia do mundo” não tivesse incentivado a guerra Irã-Iraque, só para vender armas; Se não tivesse invadido o Afeganistão; Se  não tivessem “tomado” o Iraque, e acabado com o ponto de equilíbrio daquela região; Se não estivessem mantendo o ditador da Síria, no poder, eliminando os adversários, e fazendo deste país, uma “cabeça de ponte” de onde coordenam as invasões dos países limítrofes,  ese impedissem a sua “colonia” Israel, desta destruição da Faixa de Gaza e da Cisjordania.

    Repito: Mais do que religiosos e contrariedade contra as odensas a seus líderes religiosos, os motivos são políticos. 

  9. Sejam voces mesmos ………………..

    Ser ou não ser Charlie ????? Eu prefiro ser eu mesmo !!!! 

    Chega de manipulações globais !!!! Chega de controle da individualidade !!! Agora será a vez dos franceses sofrerem na pela, tal qual os norte-americanos,  de uma Lei Patriótica !!!! Tudo em nome da liberdade de imprensa, que na verdade não passa de liberdade de empresas !!!!!

    As discussões sobre este ato terrorista, perpetrado não se sabe bem por quem, tal qual o 11 de setembro, vem mostrar o que são capazes de fazerem para manterem seus dominios, e o controle das massas aterrorizadas a pedirem mais segurança aos governos, cujos lideres, em sua maioria, só fazem financiarem estes fanaticos, quando é de seus interesses!!!

    Usam e abusam da chamada liberdade de imprensa, e fazem esta lavagem cerebral nos incautos, que como manada, sequer pesquisam para verem a que interesses estes atos servem!!!

    Recuso-me a ser tangido como manada, e aconselho aos mais lúcidos a abrirem seus olhos, e não se trata de Teoria da Conspiração, pois  já está acontecendo. 

    É so verificarmos o que pretendem, e os planos de dominio em curso. Tudo em prol da ganância e do poder !!!!

    Finalizando diria: sejam espertos,  recusem serem inocentes uteis ou massa de manobra !!!!!!!!!!!!

     

  10. Resposta a alguns internautas

    Resposta a alguns internautas do Blog Nassif.

    Há muito tempo que os terrorismos se espalham pelo mundo. As ações de governos ocidentais, como as dos Estados Unidos, da França, da Inglaterra, da Alemanha (entre outros), contra o terrorismo têm sido apontadas pelos próprios terroristas como causas da intensificação dos ataques terroristas. Esses grupos, que se dizem porta-vozes do Islão, têm suas próprias divergências na forma e na ação que desenvolvem. Cada um deles defende princípios que consideram fundamentais do Islão. Praticam o Jihad “a guerra santa”, idealizada por Maomé na criação do Islão, em 622 d. C., razão pelo qual são conhecidos por jihadistas. O líder Maomé defendeu em determinados momentos princípios radicais para a conversão religiosa e expansão do território muçulmano. As ações desses governos, inclusive de Israel, contra os terroristas (Daesch, Estado Islâmico etc) levam estes grupos a contra-atacarem. A França tem desempenhado um papel importante na luta contra esses grupos por meio de intervenções políticas e bélicas nos locais onde eles agem. Então eles prometeram se vingar da França e dos demais países ocidentais. Para isso, eles escolhem alguns alvos: no caso dos atentados em Paris, eles escolheram 3 alvos: o jornal Charlie (poderia ter sido outro) porque este publica, de vez em quando, charges fazendo referência a Maomé. 

    Há um preceito no Islão que a imagem de Maomé não pode ser materializada. Ao fazer as charges, o jornal Charlie materializa a imagem, pois fazem um desenho de um homem que eles chamam de Maomé. E a partir daí os desenhistas fazem as charges de acordo com o que propõem no editorial do jornal: “ser um jornal (frase do jornal) para nós rirmos de nós mesmos, dos políticos, das religiões, é um estado de espírito”. É um jornal de esquerda, mas um jornal que faz humor de todos até mesmo da esquerda. A resistência do humor continua: a capa do jornal será um desenho de Maomé chorando com um cartaz “Eu sou Charlie”. (Acho que o Maomé daria muitas risadas, mas não pegaria em armas). Como eles são radicalmente contra os radicalismos (isso soa contraditório, mas reside aí a arte de fazer humor), eles gozam também dos radicalismos do Islão, do catolicismo, dos judeus, da extrema direita francesa etc. etc. Essa é a razão pelo qual eles escolheram o Charlie como um dos alvos para se vingar da França. 

    Outro alvo foi a polícia, que simboliza a intervenção na luta contra o terrorismo. Por isso mataram policiais, no segundo atentado. No ataque ao jornal mataram dois policiais, um deles era muçulmano. O terceiro alvo foi o supermercado Judeu. A França tem uma comunidade judaica imensa. Tem na França mais de 700 escolas judaicas. Esse alvo foi para atacar a França e Israel ao mesmo tempo, por causa da questão da Palestina. Os atentados anteriores, entre 2006 e 2012, foram quase sempre contra escolas judaicas e contra soldados, inclusive contra soldados franceses muçulmanos, porque não admitem que um muçulmano seja soldado da França. É preciso entender a diferença entre nacionalidade e religião. Na França vivem franceses que têm religião muçulmana (a maioria descendentes de povos do Norte da África) e vivem também muçulmanos que não são franceses (uma parte adquiriu nacionalidade francesa e outra parte não possui ainda essa nacionalidade). Portanto, os atentados não foram contra a liberdade de imprensa. Foi um ato terrorista com o objetivo principal de condenar as intervenções dos países ocidentais e de Israel contra esses terroristas. O caso de Israel é mais complicado porque está em jogo os territórios dos palestinos que Israel se apoderou depois da Segunda Guerra Mundial. Os palestinos lutam há décadas para ter seu próprio país, seu próprio Estado. Com todo o direito.

    O povo francês esteve nas manifestações para protestar contra os atentados terroristas que ocorreram no jornal por causa das charges, na rua contra policiais e no supermercado contra judeus. Eles escolheram o nome do movimento “Eu sou Charlie” por ter sido o primeiro atentado. Já tinham divulgado o símbolo quando teve os dois outros atentados. Essa é a razão pelo Charlie virou sinônimo de liberdade, símbolo contra todos os atentados. O povo francês é apegado aos princípios da revolução francesa “Igualdade, liberdade e fraternidade”, mas o princípio que os franceses identificam com a sua cultura é o da liberdade. Um povo que foi oprimido por séculos de monarquia absolutista, que passou pelas duas grandes guerras mundiais, que teve o seu território invadido pelos nazistas (claro que também oprimiram outros povos), é um povo que idolatra o princípio de liberdade. Mas a liberdade como um símbolo maior. A liberdade de expressão de poder fazer piada (isso fazem muito), de poder ir e vir, de poder ter ou não religião, de ir votar ou não, de fazer greve ou não. Teve uma cidade que só 12% do eleitorado foi às urnas na eleição de prefeito, em 2014. Claro que defendem também a liberdade de imprensa. Esta é regulamentada desde 1881 e a mídia pode sofrer a força da lei em casos que houver abusos. É falso dizer que a imprensa é totalmente livre. O jornal Minute foi condenado a pagar indenização à ministra por tê-la comparado a um macaco. Qualquer cidadão que se sentir ofendido pode processar a mídia. Nesse sentido, o objetivo dos terroristas não foi o de coibir a liberdade de imprensa. Podemos dizer que foi uma coincidência o fato de ser um jornal o escolhido como alvo dos atentados, mas o foi por um motivo particular e não contra o princípio de liberdade de imprensa. Muitos franceses não toleram o jornal Charlie, por discordarem de seu humor politicamente incorreto. Mas os mesmos que discordam das charges, discordam da censura. As palavras são sutilezas, é preciso pisar em ovos quando falamos de assuntos tão sensíveis e que implicam diferenças ideológicas, políticas e culturais. No entanto, só a tolerância pode mudar a realidade social em que vivemos. A tolerância civil que Gandhi tanto sonhou… e que cada um de nós poderá contribuir para a realização desse sonho de Gandhi. 

    Os atuais desenhistas do Charlie declararam hoje (12/01): queremos ter apenas o direito de levar o riso e o humor ao povo. Nada mudará a linha editorial. O próximo número terá 1 milhão de exemplares. Em novembro foi de 30 mil. Mesmo sem comprar o jornal Charlie, o povo francês elegeu o jornal como um símbolo da sua própria liberdade, e não necessariamente da liberdade de imprensa, pois essa já está inserida naquela maior. Os terroristas escolheram alvos que tocariam o coração do francês: a liberdade, a segurança e o direito de ir e vir. Na Marcha, havia cartazes “eu sou judeu”, “eu sou militar”, “eu sou muçulmano”, “eu sou Charlie”, tinha cartazes com todo o tipo de mensagem. A mídia francesa deu destaque para todos os cartazes. Não fez como certa mídia familiar brasileira que deu atenção apenas ao cartaz “Eu sou Charlie”. Aqui a mídia não entendeu como sendo só um atentado contra a liberdade de imprensa, mas como sendo atentados contra a liberdade e a democracia. Acho que essas palavras podem explicar um pouco o sentimento dos franceses, que não é só do francês, mas dos imigrantes da França. Os líderes muçulmanos declararam sua solidariedade às famílias das vítimas e condenaram duramente os terroristas, reafirmando que estes não seguem os princípios do Islão. Claro que agora vai ter ações contra a comunidade muçulmana, mas o governo está adotando medidas duras contra todos os que cometerem atentados contra o povo muçulmano, pois este não é responsável pelos atos de barbárie de alguns radicais terroristas. Como em todo o lugar existem os racistas, e na França também tem racista, principalmente aqueles da extrema direita. Na sua complexidade, na sua humanidade e nas suas contradições, para a França a liberdade e a laicidade são valores inatacáveis. Para eles, o governo deve guardar os profundos valores do Estado Republicano: ser laico e defender a liberdade. Esses dois princípios estão consolidados no lema “Je suis Charlie”, no imaginário do povo francês. Esse é o francês. Pelo menos a maioria absoluta do francês. Nesse sentido, eu sou Charlie como direito fundamental de ser ateu e de ser livre. 

    Sempre serei Charlie, como símbolo da liberdade, da igualdade e da fraternidade. Idealista, não. Desarmada. Apenas a palavra como símbolo da divergência na construção do saber; apenas a palavra que dispa a ignorância daqueles que se julgam sábios e poderosos. 

     

     

  11. Não foi atentado cometido por muçulmanos

    O jornalista brasileiro deve ter todo o cuidado ao falar do governo e da sociedade francesa.

    O único jornalista que compreendeu até agora foi o Nassif. 

    É preciso ler os jornais franceses para ter uma ideia do que está se passando aqui na França (eu moro em Paris e acompanho todas as ações do governo e da sociedade). Não podem cair nas armadilhas da grande imprensa brasileira que está reduzindo os acontecimentos à questão da liberdade de imprensa e aproveitando para atacar o governo de esquerda da França. Essas duas razões são claras: atacar o governo Dilma por ser de esquerda e atacar a regulamentação da mídia que será proposta pela presidenta. Os atentados não foram contra a liberdade de imprensa, foram uma represália ao governo francês por sua política de combate ao terrorismo interno e externo. Para atacar o governo, os terroristas escolheram 3 alvos: 1) um jornal, pelo fato de este publicar, de vez em quando, charges humorísticas sobre o extremismo religioso (eles fazem isso com todas as religiões e com todos os partidos, mesmo com os de esquerda); 2) outro alvo foi a polícia (morreu uma policial negra, um policial muçulmano e um policial de origem europeia (em 2012, os terroristas mataram dois soldados muçulmanos, por represália, pois acham que os muçulmanos não dever fazer parte do governos ocidentais); 3) outro alvo foi o supermercado judeu. Nos últimos anos, tem sido sistemático os ataques a escolas judaicas. Na Marcha de domingo, tinha cartazes com todo o tipo de expressão “eu sou Charlie”, “eu sou militar”, “eu sou judeu”, “eu sou muçulmano”, “eu sou ateu” e uma infinidade de outros slogans. No Brasil, só se publicou o “eu sou Charlie”, com a forte conotação do atentado à imprensa. Mas isso não ocorreu aqui França. Claro que o lema Charlie foi mais forte por ter sido o primeiro atentado. As manifestações foram pela defesa do Estado laico, da liberdade e da democracia.

    Todos esses dias o governo deixa claro para todos: os atos contra os judeus ou contra os muçulmanos serão combatidos com a mesma força e determinação. É um governo socialista que defende com convicção dos imigrantes e todos os credos. Este ano o presidente vai enviar um projeto de lei dando o direito de voto ao imigrante. Os que já têm a nacionalidade francesa (mais de 50%) já votam normalmente, mas os que não têm ainda a nacionalidade vão poder votar nas eleições municipais. É a primeira vez na história francesa que os imigrantes vão adquirir direitos políticos de votar.  Isso foi promessa do presidente, previsto para cumprir em 2015. Então, parem no Brasil de falar contra o presidente francês dizendo que ele persegue muçulmanos. Isso é falso. Podem falar o que quiserem do presidente, mas dizer que ele adota medidas contra os muçulmanos é falsear descaradamente a história.  

  12. Apenas para corrigir um

    Apenas para corrigir um pequeno erro que eu fiz na interpretação da Charle sobre Toubira no Charlie.

    No lugar de colocar Ressemblement Bleu Raciste, como está na charge, eu coloquei o que aparece nos cartazes do partido da Frente Nacional. Refiz o trecho do texto que escrevi, com os dados corretos.

    Quando o jornal (de esquerda) Charlie publicou um desenho da ministra da justiça como uma macaca, não foi o jornal que disse que ela era uma macaca. Foi uma candidata do partido da Frente Nacional (de extrema direita) que fez e publicou uma foto da Ministra ao lado de um macaco; conclusão essa candidata ficou 9 meses na prisão. E o jornal Minute (de direita) disse que a ministra era maligna como um macaco e que Toubira reencontra sua banana, foi obrigado a pagar indenização à ministra. Tem liberdade de imprensa na França, mas se alguém se sentir lesado, tem justiça e indenização.

    O jornal Charlie fez uma charge do episódio. Colocou a ministra como macaca, e escreveu na charge: “Rassemblement Bleu Racista” e colocou o símbolo do Partido da Frente Nacional como duas bananas (usou as cores do partido). Esse partido usa a expressão “Rassemblement Bleu Marine” nos cartazes do partido nas eleições. Isso quer dizer, “Venha se Reunir à Frente Nacional”. “Bleu marine” é azul marinho, a cor do partido. A charge foi feita para ironizar e criticar o partido da Frente Nacional. A crítica está na interpretação “: é dessa maneira (chamando os outros de macaco) que vocês querem que todos se unam a vocês? O jornal criticou com a mudança da expressão: “Venham se unir a nós racistas”. E colocou duas bananas como símbolo do partido, quer dizer vocês racistas são umas bananas.

     

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