Tolerância que eleitor teve no passado não vai se repetir, por Paulo Moreira Leite

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Foto: Ricardo Stuckert

Por Paulo Moreira Leite

Nada será como antes

No Brasil 247

As vaias a Renan Calheiros durante a passagem da caravana de Luiz Inácio Lula da Silva por Alagoas confirmam uma verdade fácil de reconhecer. Mostram que, embora Lula seja o líder nas pesquisas presidenciais para 2018, é um caso de ingenuidade primária mirar as vitórias do passado para pensar estratégias para o futuro. Responsável pelo título de doutor honoris causa da Universidade Estadual de Alagoas, o reitor Jairo Campos cobrou de Lula: “é preciso que nos dê respostas a altura do que cobramos e esperamos. Que diga não as alianças espúrias, que construa uma plataforma social e verdadeiramente popular.”

A tolerância que o eleitorado exibiu em relação à presença de más companhias no palanque de quatro campanhas presidenciais vitoriosas entre 2002 e 2014 — sem falar no abraço de Paulo Maluf a Fernando Haddad em 2012 — dificilmente irá se repetir em 2018. Não há dúvida de que os governos Lula-Dilma marcam um período histórico, único pelo esforço para enfrentar as desigualdades, abrir oportunidades para os mais pobres e buscar um novo patamar de desenvolvimento para o país. Esse balanço explica o reconhecimento de Lula nas pesquisas, após uma perseguição dura e prolongada, apenas um ano depois do golpe parlamentar que afastou Dilma.

Seria enganoso imaginar, contudo, que estamos em 2002, quando o apoio a Lula não só era imenso, mas incondicional. Há uma década e meia, Lula e o núcleo dirigente da campanha do PT aprovaram, num restaurante de Ribeirão Preto, uma Carta ao Povo Brasileiro que contrariava, ponto a ponto, as principais linhas de política econômica que o partido construiu desde a fundação. Ainda que a novidade tenha produzido um choque em fatias importantes da militância — sempre um diferencial essencial do PT — o estrago foi nulo. O efeito político da Carta foi contribuir para silenciar uma campanha de terror orquestrada pelos adversários para tentar impedir de qualquer maneira a vitória de um candidato com um perfil de esquerda como nunca se vira antes no país. Na época, o PT engoliu a mudança, que em temos normais só passaria através de um debate em Congresso. O eleitorado nem prestou atenção e garantiu a Lula uma vitória espetacular, seguida de outras três vitórias consecutivas.

Em 2017, a realidade é outra. A última vitória, em 2014, foi conseguida no braço, na mobilização final e no combate palmo a palmo numa dramática reta final do segundo turno. A resposta, após a vitória, foi inesquecível: um pacote de concessões que pretendiam acalmar os adversários da véspera mas só afastaram os aliados de sempre. Se há alguma lição a tirar da canalhice de um impeachment sem crime de responsabilidade, apenas um ano e meio depois, é que foi uma derrota que politizou uma parcela imensa dos brasileiros, em particular aqueles que sustentaram Lula e o PT a partir de 2002. Eles foram forçados a fazer um aprendizado na tragédia, que se revelou uma das maiores de nossa história republicana. Aprenderam a ficar de olhos abertos depois de serem vencidos por um golpe de Estado  perpetrado por falsos aliados que até o último dia tinham direito a circular pelo Planalto como amigos com direito a confiança absoluta. Hoje, após a derrota primeira, eleitores e eleitoras encaram novos revezes sem conta: o desmanche da Petrobras, a reforma trabalhista, a ameaça à Previdência e, agora, o ataque à Eletrobrás, a venda dos aeroportos. Ilusão pensar que não se sintam traídos. Mais enganoso ainda é imaginar que, com o tempo, não foram capazes de perceber que, muitas vezes, o inimigo estava dentro de casa.

Se Temer foi a grande raposa no galinheiro, Renan não ficou atrás. Organizou a farsa que permitiu a derrocada final de Dilma no Senado. Em 2002, 2006, 2010 e 2014, o adversário de Lula tinha rosto e nome. Estava identificado com o atraso político e a desigualdade social de 500 anos. Em 2018, quando a memória  protege Lula, o adversário real é uma força difusa e destrutiva — a desconfiança, a perda de credibilidade, este nevoeiro que está em toda parte, ninguém controla, confunde a visão geral e abre caminho ao imprevisível. Ao contrário do que sempre aconteceu nas campanhas anteriores, nada garante, em 2018, que o apoio da base da sociedade a Lula está garantido previamente. Não há dúvida que será preciso construir uma aliança capaz de governar o país, revogar o pacote regressivo instituído após o golpe e encontrar um caminho, sempre difícil mas necessário, para uma retoma no desenvolvimento.  O apoio do povo mostra que Lula tem lastro para tanto.

Mas esta força inicial deve ser bem cultivada e alimentada, pois se trata de um eleitor leal mas desconfiado, até arisco. Mais do que nunca a clareza do candidato e sua identidade política têm uma imensa importância. Os ataques irão crescer e se multiplicar. A lealdade dos militantes tornou-se mais importante do que nunca, um fator verdadeiramente essencial. A primeira batalha, mãe de todas as guerras, será garantir o direito à candidatura.

Irá errar quem, traindo uma postura típica de outros tempos, imaginar que a parada está resolvida junto às bases e basta correr para o acordo junto às cúpulas. As pesquisas mostram que Lula é o primeiro nas pesquisas, mais uma vez. Mas a experiência mostra que nada será como antes.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

6 Comentários

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  1. Outro dia, um sindicato de

    Outro dia, um sindicato de São Paulo enviou e-mails para pessoas e grupos de sua mala direta, convidando para uma feijoada para angariar fundos para a ida de sua delegação a um evento sindical.

    Comentário de passagem (real):

    “É, enquanto você come a feijoada, eles vão te doutrinando.”

    A pessoa que comentou?

    Religiosa (a doutrinação tem que ser voluntária, desejada, estilo 1984?), submissa no trabalho, só fala de futebol, além do trabalho em carteira dá carona por meio de aplicativo como bico e já tinha recebido na cara, anos atrás, um comentário de que “certos funcionários são incapazes de pensar”.

    Quer dizer…

    … prefiro relativizar o que o Paulo escreveu, com base neste exemplo.

    Comentou-se que o impeachment não ia passar. Que as mudanças nas leis trabalhistas não passariam. Que candidatos péssimos e entreguistas não seriam eleitos.

    As pessoas estão jogando contra suas necessidades e interesses, é sério.

    E o pior que não me impressiona. Convivo diariamente com pessoas capazes de criticarem tucanos e trairem colegas de trabalho; de odiarem seu trabalho e serem submissos aos chefes; não apenas serem submissos aos chefes, mas de terem parte de suas personalidades vinculadas a um relacionamento que não separa o público e o privado, sintoma básico de um protofascismo (para ser fascismo puro só falta a paranóia e a começarem a perseguir outros colegas de trabalho que descolam destas práticas).

    Nas ruas, só vejo pessoas com smartphones jogando pra dentro de si, voluntariamente, conteúdos que reiteram gostos, comportamentos (curioso, depois é a esquerda quem doutrina…). Muitos bares estão cheios. Há carros sobre as calçadas. Ao mesmo tempo, há uma angústia no ar; pessoas querem “segurança psicológica”.

    Ora, se tudo o que se faz está OK, “somos tão boa gente”, por qual motivo está tudo tão ruim?

    Ah, é culpa do petismo…

    Essa situação precisa de uma análise de psicologia de massas.

    Lula será condenado. Não haverá plano B. Haverá mudanças no sistema eleitoral que farão este golpe se estender.

    Bom, mas isto não acontecerá se…

  2. Gostaria muito de acreditar

    Gostaria muito de acreditar que PML está correto e que a militância Lulista não irá dar um cheque em branco assinado para o cara usar como quiser e bem entender, mas infelizmente o que eu vejo no dia a dia, seja na imprensa de oposição e nas redes sociais é o contrário: há uma fé irremovível de que a simples presença do cara na presidência vai mover montanhas e que a paz reinará em um possível governo Lula III, empurrando para debaixo do tapete todo o processo de radicalização que a sociedade brasileira viveu desde a campanha de 2014.

  3. O bosque das ilusões perdidas

    “O Sr. Getúlio Vargas, senador, não deve ser candidato à presidência. Candidato, não deve ser eleito. Eleito não deve tomar posse. Empossado, devemos recorrer à revolução para impedi-lo de governar.”  – C. Lacerda

    Deixemos de vãs ilusões. Estruturemo-nos para as batalhas futuras.

    Não haverá governo Lula III. E se, contrariando o óbvio, houver, não poderá fazer nada para reverter a tragédia. 

     

  4. Sou Lula, mas quero reformas radicais.

    Voto no Lula, faço campanha para o Lula. Mas quero a Ley de Medios de imediato, quero o cancelamento de todos os atos de destruição nacional feito pelos golpistas. Quero também que as privatarias do bandido FHC sejam revistas e cobradas o que for indevido (ou seja tudo). Quero que haja um processo de reforma agrária que abarque terras de latifundiários assassinos e escravocratas.

  5. O articulista está contando com o ovo antes de galinha.

    Estamos vivendo um estado de exceção. E este cidadão Luis Inácio Lula da Silva já foi condenado e será condenado em 2a. instância e, muito provavelmente, será preso. A menos que o povo vá para a rua enfrentar o poder golpista, que não é pouca coisa – instituições judiciárias da República (sic), à frente, com partidos políticos, mercado financeiro e grandes capitalistas, grandes empresas de mídia e o Departamento de Estado Americano atuando nas sombras e as Forças Armadas brasileiras em estado de alerta. Só isso.

    Quem acredita num mundo ideal, que fique sonhando.

    O articulista discute alianças, quando na verdade o candidato será impedido e, se continuar essa paz de cemitério nas ruas do Brasil, será preso. Logo, não há que se falar em alianças ou eleição.

    Só para termos uma ideia, o Haddad está sendo criminalmente processado por “mudança de agenda”, pois, ao invéz de colocar sua agenda verdadeira como sempre fazia, ele um dia colocou “despachos internos”, para pegar um jornalista no contrapé.

    Logo, o suposto plano B do PT, também está na iminencia de ser preso.

    “Primeiro levaram os negros, Mas não me importei com isso.

    Eu não era negro.

    Em seguida levaram alguns operários,Mas não me importei com isso
    Eu também não era operário.

    Depois prenderam os miseráveis, Mas não me importei com isso
    Porque eu não sou miserável.

    Depois agarraram uns desempregados, Mas como tenho meu emprego 
    Também não me importei.

    Agora estão me levando, Mas já é tarde.
    Como eu não me importei com ninguém,
    Ninguém se importa comigo.”

     

     

  6. Ninguém nunca achou que Cunha e Temer eram bonzinhos

    Ninguém se enganou, como sugere o jornalista. O problema é outro: a correlação de forças. Quando o PT era hegemónico, consiguiu que o PMDB votasse leis progressistas, e isso foi muito bom, um trunfo político. Quando a correlação de forças mudou depois da eleição 2014, o PMDB voltou para seu eixo natural de centro-direita. Alianças têm que ser feitas para conseguir ganhar eleições e governar, e alianças com partidos que são votados pela população e têm diputados, não tem outra. Podemos pensar em outras alternativas e estratégias de alianças, mas não fugir dessa realidade política, sob risco de virar uma esquerda puramente testemunhal, impotente.

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