Uma ISO 9000 para a educação, por Sérgio Saraiva

Uma norma para gestão de organizações educacionais? Lá vem aquele pessoal da qualidade bulir com os professores.

Uma ISO 9000 para a educação, por Sérgio Saraiva

A newsletter de abril da ISO – International Organization for Standardization chamou-me atenção para os trabalhos de desenvolvimento de uma nova norma de gestão.

A partir da edição das normas da série ISO 9000 para garantia da qualidade, há exatos 30 anos, tais normas tornaram-se cotidianas na gestão das organizações.

Hoje, as normas não visam mais apenas garantir, mas gerir a qualidade, a segurança no trabalho e a segurança alimentar e o meio ambiente, entre outros campos de aplicação.

E há ainda os processos de certificação para dar confiança no cumprimento de tais normas.

O que me chamou a atenção foi a área de atuação humana a que se destina essa nova norma de gestão – a educação.

“ISO 21001 – Organizações educacionais – sistema de gestão para organizações educacionais – requisitos com guia para uso”.

Sua aprovação e publicação está prevista já para o próximo ano – 2018.

Por quantos aspectos pode-se interpretar tal notícia?

Por pelo menos dois – os tais dos copos meio cheios e meios vazios.

O clássico liceu socrático dessacralizado – a educação como um produto antes de um direito.

“A ISO 21001 fornece uma ferramenta de gerenciamento comum para que organizações provedoras de produtos e serviços educacionais atendam aos requisitos e necessidades de alunos e outros clientes”.

E eu que sempre considerei a educação como uma estratégia de sobrevivência da espécie.

Sim, mas há o copo meio-cheio.

A educação para as sociedades modernas torna-se algo tão vital que uma organização mundial não-governamental representante da sociedade civil decide que sua prática merece ser estudada para se estabelecer consensos sobre a melhor forma de geri-la.

E assim forma-se um grupo de trabalho com a participação de 41 países mais 13 países observadores para essa atividade de normatização.

O Brasil está presente através da ABNT – é o nosso representante. Mas não necessariamente há um engenheiro cuidando das normas de educação – espero. Busquei alguma informação sobre isso no site da ABNT, mas não tive sucesso.

Entre os países membros do grupo de trabalho estão a França, Portugal, Alemanha, Holanda e Rússia. A China e o Japão. México, Chile, Uruguai, Peru e Equador, pela América Latina. O Canadá e a Austrália participam, mas estranhei a ausência da Inglaterra e dos Estados Unidos.

Da África, Botswana, Ruanda e Quênia. Lamento a ausência da África do Sul, já que, como a Índia está presente, completaria os BRICS.

Iran, Marrocos e Israel, países onde a questão religiosa é bastante presente, participam como observadores.

A secretaria ficou com a Coréia do Sul.

Obviamente que a escola pública pode se beneficiar e muito de uma norma de gestão educacional, necessita mesmo de uma com urgência, mas o briefing que acompanha a apresentação dos trabalhos em desenvolvimento parece se direcionar preferencialmente à escola particular e aos centros de treinamento e desenvolvimento profissional.

A educação privada como tendência mundial?

Agora, os benefícios esperados com a adoção do modelo de gestão preconizado, baseado na norma ISO 9001, poderiam ser defendidos em qualquer congresso de pedagogia:

  • educação inclusiva e equitativa de qualidade para todos
  • promoção de oportunidades de autoaprendizagem e aprendizagem ao longo da vida
  • uma aprendizagem mais personalizada e uma resposta eficaz às necessidades educativas especiais
  • maior participação das partes interessadas
  • maior credibilidade da organização educacional

E para quem é do meio corporativo:

  • melhor alinhamento da missão, visão e objetivos educacionais com planos de ação
  • processos consistentes e ferramentas de avaliação para demonstrar e aumentar a eficácia e eficiência
  • um modelo de melhoria
  • estimulação da excelência e inovação

Muito se fala em qualidade na educação, poucos sabem quão difícil é definir o que venha ser isso.

Uma norma que formalize consensos de especialistas sobre como gerir processos educacionais é sempre bem vinda.

Quanto aos que se preocupam com a mercantilização da educação, não será nenhuma norma que irá provocar isso.

Todo conhecimento é neutro, ideológico é o uso que se faça dele.

 

PS: Oficina de Concertos Gerais e Poesia – qualidade e educação de pai para filho… e agora neta.

Redação

9 Comentários

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  1. Congelamento da má qualidade.

    Estas normas ISO 9000 foram criadas na sua origem para processos industriais, onde é pré-definido as características dos produtos, como dimensões, tolerâncias, qualidade do material etc.. Porém quando vejo empresas de construção civil que tem homologada sua produção por diversas destas normas o que vejo é simplesmente um congelamento de uma qualidade de baixo nível. Explico melhor.

    Para homologar qualquer empresa ou processo construtivo é necessário criar uma série de pequenas normas internas para diversos processos, por consequência são adotados padrões mínimos que serão adotados em qualquer tipo de imóvel com a tendência dos itens de inovação ou mesmo de melhorias na qualidade não são feitos porque simplesmente a burocracia para mudar é imensa e nenhum profissional que normalmente teria possibilidade de inovar em função das características do imóvel e de produtos não o faz.

    O que resulta é que numa série de imóveis de uma mesma construtora são homogeneizados por padrões mínimos, congelando por completo o processo produtivo pelos padrões mínimos, resultando num congelamento da má qualidade.

    O objetivo final das normas ISO 9000 é manter o controle em estruturas muito grandes sem a necessidade de profissionais criativos, tornando-os mais robots do sistema do que pessoas.

    Para não dizer que isto é uma opinião pessoal, vou colocar a opinião de um especialista no assunto Renan Bardine

    “…..

    Deve ser enfatizado, entretanto, que as normas ISO série 9000 são normas que dizem respeito apenas ao sistema de gestão da qualidade de uma empresa, e não às especificações dos produtos fabricados por esta empresa. Ou seja, o fato de um produto ter sido fabricado por um processo certificado segundo as normas ISO 9000 não significa que este produto terá maior ou menor qualidade que um outro similar. Significa apenas que todos os produtos fabricados segundo este processo apresentarão as mesmas características e o mesmo padrão de qualidade.

    Portanto, as normas ISO não conferem qualidade extra a um produto (ou serviço), garantem apenas que o produto (ou serviço) apresentará sempre as mesmas características. Os princípios básicos das normas de ISO 9000 são uma organização com documentação acessível, ágil, que tenha equipamentos limpos e em bom estado.

    ….” Os grifos são meus.

    Procurar a introdução de normas ISO 9000 na educação seria o mesmo que havia há 50 anos, quando um professor novo simplesmente pegava as notas do professor mais antigo e as reproduzia.

    Educação é antes de tudo um processo criativo e que deve ser permamentemente atualizado em forma e conteúdo, e acredito que uma norma ISO 9000 para a educação terá somente a vantagem de poder utilizar dezenas de professores a baixo custo repetindo o que já foi dito no passado.

      1. O exemplo do Boeotorum Brasiliensis acima é perfeito, se …..

        O exemplo do Boeotorum Brasiliensis acima é perfeito, se nos procedimentos da ISO estiverem previstos qualquer porcaria que torne o produto uma outra porcaria, a única garantia que a certificação dá é que a porcaria continuará sempre no mesmo padrão.

        Quando chefiava um laboratório com muitas centenas de metros quadrados, com uma equipe de umas trinta pessoas totalmente voltada para a pesquisa, veio um engenheiro de uma das maiores multinacionais do mundo que agora trabalha fazendo pesquisa neste laboratório e perguntou porque não tínhamos nenhuma norma ISO 9XXX, eu simplesmente disse que colocar norma ISO na pesquisa é garantir que não haja mais pesquisa. Ele virou as costas e passou dois anos procurando outros laboratórios no mundo, depois voltou e escolheu o nosso.

        Colocar norma ISO na educação por princípio é uma imbecilidade.

  2. Chocante o fato da representaçao brasileira estar a cargo d ABNT

    Que é Associaçao Brasileira de Normas TÉCNICAS. Coisas bem burocráticas, como normas para referências bibliográficas. É com esse tipo de visao que pretendemos gerenciar a Educaçao? Afinal, para que servem pedagogos e professores, né?

    1. AnaLú, ABNT ou o raio que seja, é uma estupidez e modismo!

      É puro modismo dos Burocratas do MEC, que nem sabem para que serve uma norma ISO9XXX

  3. a mistificação da ISO 9000

    As normas ISO 9000, especialmente, a 9001, têm sido deturpadas em seu objetivo e como ferramentas da qualidade. Casualmente, ontem, estive em uma empresa certificada na ISO 9000 e que sequer dispõe dos mais elementares metodos e ferramentas de gestão da empresa, quanto mais da gestão pela Qualidade.
    As normas ISO são mal compreendidas tanto pelas organizações quanto pelo público e, seguidamente,mal aplicadas e tomadas fora de contexto. O que a norma ISO exige é que aja a formalização dos processos e que seus procedimentos e suas rotinas aplicados na manufatura de um dado produto ou na prestação de um serviço estejam conformes (de acordo) com o especificado. O pressuposto é que, seguidos com rigor todos os parâmetros pré determinados e atendidos todos os requisitos previstos, o resultado consequente é que o bem ou serviço possua e atenda aos caracaterísticos de qualidade afirmados pelo fornecedor. É uma ferramenta auxiliar e se estiver integrada a um modelo de gestão adequado, que lhe dê suporte e orientação estratégica, contribui e muito para a Qualidade, na dimensão entendida como satisfazer às necessidades do cliente e como fator de diferenciação, principalmente, quando, com eficiência, supera as expectativas desse cliente.
    Contudo, per se, não garante nada mais do que atendimento ao especificado em projeto. Se o projeto for ruim ou conter erro, isso será normatizado, garantindo que se repita em todo produto ou serviço prestado. Ilustrando, in extremis: se uma empresa fabricante de boias salva-vidas, ao fim do processo de fabricação acrescentar um furo em cada boia e este furo estiver especificado no projeto e os requisitos desse projeto estiverem conformes, a ISO 9001 a certificará.
    Logo, sem conexão com a visão da empresa, com seus objetivos estratégicos, sem a devida orientação e não contando com uma gestão corporativa que lhe dê apoio, a certificação ISO corre o risco de somente estar a normatizar o erro.

    1. Pensar em criar uma norma ISO9XXX, é uma das coisas mais…..

      Pensar em criar uma norma ISO9XXX, é uma das coisas mais estúpidas da educação.

      O que se pode colocar em manuais provindo de normas ISO9XXX, são procedimentos homogêneos, pois se não deverá ser feito um manual para cada diciplina, professor e aluno!

      Podem, simplesmente o que farão, são manuais ou regras para procedimentos de apresentação dos conteúdos das diciplinas e de outros assuntos administrativos, porém isto já existe e dá problema devido a diversidade que é o ensino.

      1. Concordo.
        Irão produzir boias

        Concordo.

        Irão produzir boias furadas com certificação ISO.

        Todavia há um lado a pensar. É outro tema desgraçado, mal abordado e mal operado. Também é um tema mais comprido que esperança de pobre. Então, nem vou meter os encontros nessa discussão, somente vou dar uns palpites, senão fico aqui a manhã inteira e atraso pro puchero. Mas, uma dos problemas na educação pública e em outras áreas de atuação do Estado é a incompetência com que alocam e despendem recursos. De cada 1 real no orçamento da Educação quanto chega na sala de aula e quanto se perde nos meandros da burocracia? Não acredito nesse negócio de gerir o Estado como empresa, é pura idiotice. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa (explicação padrão Meirelles, gostou? Estou pensando en el puchero).

        Esse assunto desagua em outro que é o gritedo sobre o peso dos tributos. Também não vejo problema com a tributação em si. O problema é, de novo, a qualidade do gasto. Nós não vemos la plata que se vaya al Gobierno, voltar em serviços e infraestrutura. Aplicar a ISO na educação  ou em qualquer outra função pública não melhoria nada, é mais dinheiro no ralo, mais um programa dos muitos que são mal pensados, mal aplicados e logo abandonados. Essa tigrada nem memória tem. O danado do Caçador de Marajá já tentou isso. O dondoca de Sorbonne também veio com essa charla de mascate, falando em “eficiência do Estado”, outra conversa pra boi dormir quando o que tentava era empurrar mercadoria encalhada na prateleira, a tal da privatização . Isso tudo somente funcionaria ao amparo de um projeto de Estado pensado e implementado ante um Projeto de Desenvolvimento da Nação. Antes de mais nada seria preciso repensar a ação pública no que tange  aos objetivos, às prioridades, às estruturas que as suportam e como são postas em prática. Fazer uma limpa em um monte de estruturas inúteis esse monte de “cartórios, ações cosméticas e execução mal feitas. Longe de tentar dismilinguir o Estado, como “na eficiência Tucana” que de eficiente não tem bosta alguma, mas em tornar a máquina pública funcional, eficiente e com qualidade percebida pela população. Somente então, após organizar essa zona daria para aplicar ISO em processos. Até lá é gastar vela com defunto ruim.

        Abraços

  4. Uma tentativa de outro viés de qualidade na educação pública
    EXEMPLO SIMPLES DE BASE EMPÍRICA PARA FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DE CULTURA (*)

    Wilson Merlo Pósnik, sociólogo.

    Nos últimos 20 anos, vimos discutindo a construção de uma base empírica para formulação de políticas públicas de cultura, a partir de experiência concreta, na Secretaria de Estado da Cultura do Paraná em 1994, com o projeto de inventário ‘O Paraná da Gente’. E já é tempo de nós mesmos, superarmos as elucubrações especulativas que tanto condenamos e partirmos para exemplos concretos. Dois sempre foram nossos objetivos principais: (1) romper e superar com a nossa tradição puramente especulativa nas Ciências Sociais – nosso ‘príncipe’ FHC, por exemplo, nunca produziu nada a partir de embasamento empírico original; e praticamente toda a nossa tradição acadêmica e produção científica na área, sempre se deteve nestes limites; (2) políticas públicas republicanas têm que partir da realidade concreta e das necessidades reais da nossa sociedade, na sua ampla e complexa diversidade.

    Vamos supor que estivéssemos diante de um processo de formulação de políticas na área de música e mais especificamente, para objetivarmos a discussão, no segmento da percussão. Na nossa percepção, o 1º passo seria fazer um inventário amplo de tudo o que se faz ou o que potencialmente poderia ajudar, no processo de mobilização social em torno do tema, numa determinada porção de território. Não poderia ser um processo convencional e ortodoxo, de inventariar para depois intervir, mas à medida que se fosse desvelando qualquer processo ou ente potencial do desenvolvimento artístico, tentar-se-ia agregá-lo ao processo de mobilização e de encaminhamento de programas, tanto no reforço de formulação sustentada das políticas, quanto no aspecto finalístico do desenvolvimento artístico. E por aí, estaríamos criando e incrementando uma base operacional e política particular da área da Cultura, não só pública. Tal processo, na nossa perspectiva de análise, só poderia ser feito por um ente da sociedade civil organizada. Pois estaríamos diante de uma contradição básica – reformas das práticas políticas, diante das organizações políticas tradicionais, voltadas para a manutenção do ‘status quo’, impasse da mesma natureza que o enfrentado pela chamada ‘reforma política’. Mas, voltemos ao tema concreto da percussão. Quais seriam os entes básicos e agregadores do desenvolvimento desse segmento ? Desde já, podemos antever o que poderíamos encontrar, num inventário desta natureza, ao nível local: professores de bateria de escolinhas de música, carnavalescos, praticantes de ‘taikô’ (percussão nipônica), fandangueiros, artesãos de instrumentos, especialistas em percussão corporal nas artes cênicas, mestres de fanfarras, idosos com ligações à temática etc. etc. Ou seja, elementos ‘no mercado’, mas principalmente, os fora dele. Portanto, já à primeira vista, o caminho demonstra seu potencial. E com certeza, a intervenção concreta localizará centenas desses entes, numa escala ampla de competências, visibilidade, responsabilidade social e mesmo, interesse em viabilizar ou incrementar pequenos negócios nesse particular. Como sempre vimos afirmando, trata-se de localizar e envolver parceiros, estruturar uma base política e o encaminhamento de soluções, que passarão inevitavelmente por discussões de fontes de financiamento, tanto públicas como privadas. Tal estratégia poderia ser aplicada a qualquer outra área do desenvolvimento artístico, tendo-se sempre o cuidado de iniciá-las por segmentos de menor complexidade e que exijam menos recursos iniciais, como outro exemplo, em artes cênicas – por contação de histórias, teatro de bonecos operados por crianças etc. Por outro lado, a base física principal dessas intervenções, já decorrentes dos passos iniciais dos inventários, queremos crer, deveriam ser as escolas da rede pública e sua clientela, os alunos e comunidade escolar respectiva, desembocando mais adiante, em possíveis festivais locais, cujos registros sistemáticos também devem ser objeto de preocupação permanente.Tudo sob inspiração, no caso de percussão, de figuras exponenciais neste assunto, como os baianos Naná Vasconcelos e o grupo Oludum.

    Curitiba, 04 de setembro de 2014.

    (*) Trata-se de um texto propositivo, publicado na data acima e originalmente num blog, que exemplifica uma estratégia de encaminhamento de políticas públicas de cultura, em várias gradações territoriais, uma delas de escola pública de ensino médio, sua comunidade escolar e respectivo entorno.

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