Vivemos uma nova Guerra Fria?, por Reginaldo Nasser

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Um dia após ter avisado que ‘mísseis virão’, Trump tuitou: ‘Nunca disse quando um ataque à Síria aconteceria’ (Foto Oliver Douliery/AFP)

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na Carta Capital

Vivemos uma nova Guerra Fria?

por Reginaldo Nasser

De outro lado, o porta-voz do governo Putindeclarou: “Não participamos da diplomacia Twitter. Apoiamos abordagens sérias”. Independente da avaliação que possamos fazer sobre a participação do governo russo na Guerra da Síria, eis uma posição sensata, nada mais do que isso.

Mas a mídia, em geral, com destaque para os especialistas em relações internacionais, preferiu repercutir os tweets de Trump e pautar com estardalhaço que uma guerra de grandes proporções era iminente.

Aliás, alardes sobre possibilidade de Guerra entre as grandes potencias tornou-se frequente, no pós guerra fria, a partir da Guerra de Kosovo, em 1999, quando EUA e aliados foram confrontados politicamente, é claro, pela Rússia já que os balcãs sempre foi considerado como sua área de influencia.

Também data desse período uma maior assertividade da Rússia com a liderança de Putin que aparece como aquele que teria a responsabilidade de evitar novas humilhações de seu pais perante os “ímpetos expansionistas do Ocidente”.

Em 2008, foi a vez da Guerra Russo-Georgiana chamar a atenção do mundo esperando reação dos EUA. Mas o momento mais tenso de todo esse período foi a eclosão da guerra civil na Ucrânia, uma área muito mais sensível para os interesses russos, em que os EUA e aliados estiveram claramente envolvidos. Uma das consequências dessas ações foi a ocupação militar da Crimeia pela Rússia.

Assim, como está acontecendo agora, em 2013, o governo Obama declarou que o governo da Síria, com o apoio da Rússia, haviam ultrapassado a “linha vermelha” por terem, supostamente, usado armas químicas. 

Há exatamente um ano (abril de 2017), Trump, declarando que não seria condescendente com o uso de armas químicas, como foi seu antecessor Obama, lançou “ataque-surpresa” com Mísseis Tomahawk contra o território sírio em represália ao uso de armas químicas. Mas, na verdade, não foi tão surpresa, pois Trump, literalmente, “combinou com os russos” (frase antológica de Garrincha) e todos os militares russos foram evacuados dias antes.

Todos esses fatos alimentam uma pergunta que é recolocada sistematicamente: vivemos uma nova Guerra Fria? Os assuntos internacionais de hoje estão muito além da Guerra Fria. Não há mais bipolaridade, a China se torna cada vez mais poderosa e há emergência de novos atores, nacionais e transnacionais. O conflito ideológico deixou de ser determinante, China, Europa, Índia, Rússia e EUA discordam em muitas coisas, mas não no valor do capitalismo e dos mercados.

Mas é importante ter em conta as lições do passado para compreender a formulação de ações estratégicas do presente, pesando as diferenças e as semelhanças já que não há como negar que a Guerra Fria criou o mundo em que vivemos.

Uma das célebres frase que sintetiza o período da Guerra Fria, com perfeição, ” Paz Impossível, Guerra Improvável” (Raymond Aron) deixou de ter válida quando esta findou? Não há mais a disputa ideológica, mas permanece, contudo, a clássica disputa por territórios e ambos ( EUA e Rússia) continuam armados da mesma forma que antes. Portanto, a formula continua, de certa forma, aplicável e a guerra é muito improvável entre os grandes, mas suas disputadas ocorrerão por “proxy wars” ( guerras patrocinadas) que é tipicamente o caso da Síria.

Venhamos e convenhamos, qual o problema para EUA e Rússia morrer muçulmano? nenhum! aliás, pelo contrario é solução! Já faz um tempo que ambos promoveram a morte de milhões (Afeganistão, Chechenia, Iraque, Síria). Já morreram mais de 400 mil sírios e agora é que resolveram ficar consternados?

Os EUA ainda são a força econômica, militar e diplomática mais poderosa do mundo. Por outro lado, a Rússia e a China tem poder militar capaz de enfrenta-los. Mas, esses países são motivados pelo entendimento de que a atual ordem internacional forjada no final da Segunda Guerra Mundial serve a seus interesses, o que caracteriza  o que caracteriza como um dos mais longos períodos em que as grande potencias não entraram em conflito entre si.

O sociólogo Erving Gofman ja fez interessantes analogias da política com o teatro. Vamos parar de olhar para o front stage (palco) e indagar mais sobre o backstage ( bastidores). 
Pode parecer paradoxal,mas perceberam que EUA e Rússia se defrontam no front stage no exato momento em que mais se entendem nos bastidores? Quem foi que os russos ajudaram a se eleger? O problema da Síria não era o ISIS? e agora que esta derrotado, por que a Síria continua a ser um problema? Pois é, fica difícil para os EUA e Rússia explicarem não?

O fato é que os civis sírios só aparecem na discussão para as grande potencias fazerem seu teatrinho, nenhum deles dedica tempo ou recursos em pensar na forma como poderiam ser protegidos e como a Síria poderia ser reconstruída.

Não fique absorto nas movimentações que ocorrem no palco, tente descobrir o que está acontecendo atrás dele.

Reginaldo Nasser – Professor do Departamento de Relações Internacionais da PUC-SP, integrante do Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp e PUC-SP) e pesquisador do INEU ( Instituto de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os EUA)

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

6 Comentários

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  1. Os guerreiros americanos

    Os guerreiros americanos pensam que se os Estados Unidos não declararem guerra imediata à Rússia e à China, vão perder a hegemonia mundial e vão minguar como país. Esta era a doutrina de Hillary Clinton imposta no período Obama e remanescente do período Bush. Estes falcões não têm medo da destruição e até, por incrível que pareça, têm argumentos e cálculos a respeito dela, com a Hillary tendo por várias vezes dito que deveria haver uma terceira guerra, pois os Estados Unidos teriam como vencê-la com perdas mínimas. Trump acredita em coisa muito diferente disso, ele acredita numa séria erosão dos valores internos do país e em degradação material da sociedade americana, e quer recuperar o que já foi perdido. Ele expressou em campanha que iria acabar com as “guerras externas”, inclusive com a da Síria e a do Afeganistão. Não foi por outra razão que foi tão demonizado. Agora, Trump está levando no bico estes beligerantes com torpedos de palavras e manobras pavônicas. Esses blefes acalmam os guerreiros insensatos, mas ele já está no fim do seu repertório, até chamando o presidente Assad de animal por uma coisa de algo do qual ele não tem culpa e que parece que sequer existiu. Para demonstrar sua contrariedade com os planos de paz de Trump, o Pentágono já bombardeou tropas da Síria logo depois dele ter firmado acordo com a Rússia para destruir os remancentes de terroristas na Síria. Não se duvide da possibilidade de alguns beligerantes resolverem agir por iniciativa própria, como aconteceu no filme Dr. Stangelove. 

  2. Estado pária

    Para sorte da humanidade (já que nenhum russo foi atingido), foi um fiasco o ataque militar dos EUA à Síria, um país já devastado pela invasão de mercenários terroristas financiados, treinados e mantidos pelos próprios EUA em 2011. A agressão militar dos EUA a um país soberano é covarde, ilegal e imoral sob múltiplos aspectos: a invasão de 2011, a presença de militares estadunidenses na Síria sem autorização da ONU e sem um convite formal do governo sírio, o ataque sem autorização da ONU e nem do próprio Congresso norte-americano e sem provas de que teria havido o tal “ataque químico” em Ghouta Oriental, já que a OPAQ atestou em 2013 que a Síria eliminou todas as suas armas químicas, por sinal a maior parte “made in USA”. Com suas repetidas mentiras para invadir países soberanos (Iraque, Afeganistão, Líbia e Síria) os EUA se tornaram um estado pária diante do Direito Internacional:

    https://actualidad.rt.com/actualidad/268463-vivo-alto-mando-rusia-rueda-prensa-ataque-eeuu-siria

  3. Os russos não estão atacando

    Os russos não estão atacando nosso país, destruindo nossa democracia e nossas possibilidades de independência, soberania e prosperidade. Pelo contrário, cumpusemos tanto com a Rússia quanto com a China, além da Índia e da África do Sul, uma organização para nos livrarmos do sujo e beligerante dólar, os BRICS. E isso é apenas um de muitos outros indicativos de que é possível a nossa liberdade.

    A propósito não consta que os russos estejam fazendo ataques unilaterais contra nenhum outro país do mundo.

    Bem… nada impede um paranóico de estar sendo relamente seguido. Mas supor que a Rússia ou a China são coniventes com o que os EUA fazem contra o mundo há um pouco mais de 100 anos para cá, mesmo considerando as coxias, os bastidores (ou front stage e backsatge, no idioma que usam os EUA e o articulista), acho meio esquisito. Não que não seja de interesse dos EUA acreditarmos que se pode dividir a responsabilidade sobre a beligerância que grassa o mundo notadamente depois de 2008, quando empresas privadas começaram a detonar com economias nacionais no mundo todo usando seus braços militares, as forças armadas dos EUA.

    Mas também é interesse daquele pais estrangeiro que vivamos longe da realidade, que por exemplo acreditemos, ainda que em sonhos, ser possível habitarmos outro planeta (o que faria com que não nos importássemos muito com o que acontece com esse nosso, a Terra). Paranóia leva a delírios, mesmo. Afinal se seus próprios cidadãos são instados a permanência em contante estado de fantasias e delírios, porque não as pessoas de outros países do mundo? Que desconectem-nos de nós mesmos é algo que a propaganda comercial e os EUA prezam muito. O que eles não gostam é que permaneçamos auto-centrados.

  4. Guerra É Guerra

    Nassf: se não me trai a memória, semanas atrás saiu no seu blog uma notícia sobre o novo potencial bélico da Russia, face os ditos blefes ianques e seus sócios sobre poderio de fogo armamentista.

    Ora, a Síria é aliada dos russos, que mantem armas e bases naquele território.

    Se a casa do meu amigo é atacada, também sou atacado. Não importa o motivo.

    Se o suposto crime do meu amigo foi usar meios ilícitos para se favorecer numa luta fraticida, há de se investigar e, confirmada a culpa, punir quem tenha feito. Não deixar que seu (e meu) inimigo vá à casa dele, mate seu cão, estupre sua mulher e filhas e castre seus soldados, para impedir reprodução guerreira. Foram 105 misséis, diz a grande mídia.

    Pelo que sei, apenas acusações vagas de que se tenha usado gases proibidos em determinada reigão do seu território, contra inimigos seus, que por sua vez são protegidos dos agora agressores, de quem têm recebido armas, dinheiro emunição para desestabilizar o governo sírio. As apurações ainda estariam em andamento.

    Será que temos nova guerra do Iraque? Para matar Sadan usaram semelhante argumento. Os mesmos tres agora agressores.

    Mas retomando o fio da meada, será que a Russia dará resposta à altura ou isto foi previamente combinado entre eles, para que Trump e aliados ganhacem alguma popularidade interna?

    Até porque ninguém tomaria uma operação dessa envergadura sem que o outro soubesse. Esse tipo de ação não ocorre num estalar de dedo, ou se lustrando a lamparina mágica.

    Não importa em que lugar do mundo a resposta. Mas teria de ser significativa a ação. Senão vou pensar que o perro russo rosna, mostra os dentes, mas acaba botando botando o rabinho entre as pernas…

  5. Eu sinto que a análise é capenga.

    Me parece que Moniz Bandeira em seu livro : A segundo Guerra Fria mostra que a Sìria de hoje é um alvo antigo da geopolítica americana, e que esta guerra Fria já se desenrola há muito tempo E que dela tudo que se passa aqui em nosso  país, faz parte. 

  6. Se o ocidente esperar até que

    Se o ocidente esperar até que as novas armas russas entrem em produção, não existirá mais guerra fria…

    Se querem derrotar a rússia, a hora é agora!

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