Rui Daher
Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor
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“The Only and One…”, Por Rui Daher

Augusto Boal

Quantos desses e dessas conhecemos? Por certo, dezenas, centenas, milhares. A não ser que você seja daqueles colunistas em folhas e telas cotidianas advertidos pelos seus editores de que é feio exagerar em elogios. Alguns se eximem mesmo de louvores discretos. Suas almas gabolas podem vomitar ao fazê-los.

Eu os confesso às centenas, embora improváveis. Se único, não poderiam ser tantos. Colunista deslumbrado, devem estar a pensar. Preferiria deslumbrante, também eu um “the only and one”. 

Lá, na América do Norte, a expressão é usada com alegre frequência. Não se economiza encômios assim exclusivistas. Simpáticos esses “Irmãos do Norte ‘may-I-help-you’”.

Até a tradução lusófona da expressão é difícil, torta, desenxabida, sem gênero definido. “O único e um”. Foi mal na literalidade, hein Google? Ah, “a única e uma”. Acho que não, querido tradutor. Apenas politicamente mais correto.

Exclusivo, exclusiva? Não, não, é mais do que isso. Algo muito forte. Quando para o bem, exaltador, quase deificação. Como se juntássemos muitos vocábulos da língua portuguesa, gírias inclusive, para dizer que a pessoa é … bem, único, exclusivo, duca, didão, inigualável, sei lá … afinal, “the only and one”.

É muito usada no mundo cultural. Musical, sobretudo. Entre guitarristas, já ouvi B.B. King anunciar Eric Clapton como “the only and one”, e o britânico anunciar o negro do Mississippi como “the one and only”. A inversão? Quem sabe pinimba de colonizador e colonizado.

Meus vinis e CDs de jazz, blues e rock trazem apresentações assim. De Sinatra para Samy Davis Jr.; de Perry Como para Tony Bennett; de Etta James para Bonnie Rait; de Jimmy Vaughn para Steve Ray (irmãos, apesar da morte prematura do segundo).

Num Festival de Montreux, na Suíça, num inglês afrancesado de inspetor Clouseau, personagem criado pelo “the only and one” ator britânico Peter Sellers (1925-1980), assim foram apresentados Gilberto Gil, Carlos Santana, Jorge Benjor e Alceu Valença, latinos, mas também únicos. Mesma honra concedida a Herbie Hancock, Chick Corea, Wynton e Branford Marsalis.

Fora da música, Philip Roth, Mailer, Beckett, Kubrik, Silvana Mangano, Brando. Vixe! Paro, tantos são os “the only and one” e suas épocas.

Soube que em Stonewall, Texas, antes de um Happy Birthday, assim uma sobrinha anunciou o ex-presidente dos EUA, Lyndon Johnson (1908-1973).

E aqui, nesta Federação de Corporações, como se processaria o louvor?

Para facilitar a conversa, entendamos a expressão como “o(a) maior do mundo”.

Ivete Sangalo para Daniela Mercury. Datena a Marcelo Rezende. Teló para Fiuk. Faustão a Huck. Angélica a Eliana. Wagner Moura para Lázaro Ramos. Os Juniores para Fábio e Amaury “a vida é uma festa”.

Mesclados na mediocridade do atual estágio da cultura brasileira, os cachês nem precisariam ser tão altos. Podem pechinchar. Para a “tchurma”, importante é a fofocaiada unindo a primeira e a última esquina de nossos 8.000 km de litoral.

Pra “the only and one”, precisaríamos de Cora Coralina, Manoel de Barros, Bandeira, João Cabral, Drummond e Vinícius; de João Gilberto, Tim Maia, Pixinga, Jobim, Caymmi, Canhoto e Villa; Glauber Rocha e Coutinho; Graciliano, Machado e Lima Barreto; Portinari, Di e Francisco Lisboa; Vianninha, Boal e Guarnieri; Odete, Norma e Leila; Darcy Ribeiro.

Muitos mais, sem dúvida. Todos conhecidos de quem sofre com a maior de nossas decadências, esta sim “the only and one”.

Aos demais, peço desculpas, mas quem sabe poderíamos anunciá-los como: “The latest among millions”.

Rui Daher

Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor

7 Comentários

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  1. Senhor colunista “deslumbrante”, como preferiria

    Cora me faz corar de pejo por caminhar com Luna agora e não conseguir pegar as pedras que me atiraram pelo caminho.

    Lindo Darcy …

    Orgulho de SER BRASILEIRA, SEMPRE, meu caro Rui.

    Cada dia, mas a cada diazinho concluo e reafirmo : preciso fazer o que gosto, com quem gosto e da maneira que gosto. Sabe por quê?

    Morre-se em vida
    Vive-se morrendo
    O tempo é um vento
    O vento é um sopro
    A vida é um verso
    Mas em que ritmo ?

    Odonir Oliveira

    Ouve isso

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=zD-7VgISbJo%5D

  2. Odonir,

    De verdade, pra mim, o Brasil é que é “the only and one”. Deslumbrante e deslumbrado, radiante e mal irradiado, mais vilipendiado do que Villa-centrado. Temo que minha atual desesperança com nossa cultura seja coisa da idade. Até vejo coisas boas, autônomas, acontecendo. Longe, porém, do massacre midiático. Espero que sobrevivam junto a nós.

    1. Entendi, Rui.

      Apenas repeti um trecho seu, ok.” Colunista deslumbrado, devem estar a pensar. Preferiria deslumbrante, também eu um “the only and one”. 

      Abraço

    2. Mas o que voce pode esperar

      Mas o que voce pode esperar quando o Ministerio da Cultura outorga a medalha do merito cultural a Daniela Mercuy?

      O que voce pode esperar que aconteça na cultura, quando um governo, dito popular, escolhe como ministro o parceiro do artista mais reacionario do pais?

  3. O corvo e a raposa

    Acho que os americanos não se importaram tanto com as fabulas de Escopo e de la Fontaine… Mas a verdade é que latinos e europeus sentem-se pouco a vontade com eloges. E quando fazemos um elogio, o outro prefereria que tivéssemos dito “merda”… Dai a dificuldade em expressar qualquer admiração, por mais sincera que seja, ja que nos inculcaram de que qualquer elogio deve ser visto com desconfiança, como na fabula de o corvo e a raposa… 

  4. A (O) primeira(o) e única(a)

    O ordinal usado no sentido de “ranking” [the (number) one] e única(o) [only] no sentido de que é uma classe de um só componente. Para exemplificar: Noel Rosa, o primeiro e único! 

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