A estátua alça vôo, por Jairo Arco e Flexa

Por Jairo Arco e Flexa

Sapatilhas? Nem pensar. Assim como nada de espartilhos e outros acessórios que, segundo ela, serviam apenas para aprisionar o corpo, impedindo que pernas, braços, mãos e rosto (incluindo até mesmo os belos e longos cabelos) exibissem em toda plenitude sua ilimitada criatividade.

Assim pensava e assim agia Dora Angela Duncanon (São Francisco, EUA, 1877 – Nice, França, 1927) e que, adotando o nome artístico de Isadora Duncan tornou-se uma das figuras mais emblemáticas de toda a história da dança.

A bailarina é a personagem central de Isadora, um belo espetáculo escrito e protagonizado por Melissa Vettore, jovem atriz que aos poucos, mas de maneira segura e determinada, vai firmando seu nome entre as mais talentosas intérpretes de nosso teatro.

No espetáculo, que fica em cartaz no Grande Auditório do Museu de Arte de São Paulo, o MASP até o final de julho, personagem e atriz parecem feitas sob medida uma para a outra.

Há três anos, Melissa Vettore protagonizou com êxito, no mesmo palco do MASP, Camille e Rodin, em que a atriz vivia Camille Claudel (1864-1943), irmã do célebre escritor e diplomata Paul Claudel, que sonha em tornar-se uma escultora. Camille tem uma conturbada relação amorosa com o escultor Pierre Rodin que, se não vai contra as aspirações dela, tampouco faz muito para ajudá-la.

Se Isadora Duncan conheceu em vida a celebridade e o sucesso na arte que escolheu enquanto Camille jamais conseguiu ver realizado seu sonho de consagração, ambas chegaram ao fim da existência de maneira dolorosa: a bailarina perdeu a vida estrangulada por uma echarpe que se prendeu na roda do carro em que viajava enquanto a aspirante a escultora morreu num manicômio, totalmente esquecida do mundo.

Apesar da consagração obtida, Isadora Duncan enfrentou em sua carreira todo tipo de adversidade. Rebelde e desafiadora, desde o início combateu os dogmas vigentes na dança de sua época: ela abominava as piruetas obrigatórias que os coreógrafos impunham às bailarinas.

Contra o rigor quase militar dos movimentos minuciosamente impostos aos bailarinos, Isadora preconizou e colocou em prática a improvisação, dando à sua movimentação cênica um ar de permanente espontaneidade. Ela dançava com os pés descalços, cabelos soltos e esvoaçantes e cobrindo o corpo apenas com uma túnica leve, quase diáfana.

Para Isadora, as evoluções da bailarina não deviam representar a obediência cega a uma coreografia previamente desenhada, como provindas da prancheta de um arquiteto; pelo contrário, os movimentos deveriam dar a impressão de vir diretamente da alma, nascidos de uma improvisação sem limites. Um princípio sintetizado em sua frase “o corpo do bailarino é simplesmente a manifestação luminosa da alma”.

A entrega de Melissa Vettore à personagem é total. Sua atuação é magnífica. Daniel Dantas (nada, mas nada mesmo a ver com o homônimo, o ardiloso banqueiro duas vezes contemplado em menos de 48 horas por habeas corpus concedidos pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes) faz um seguro contraponto ao desempenho de Melissa, no papel de um misto de escritor e jornalista que faz questão de conhecer detalhes da vida sentimental de Isadora. Pura perda de tempo, pois para a bailarina o único assunto digno de ser abordado é sua arte – algo que o entrevistador parece incapaz de compreender .

Já o espectador não só compreende como se encanta como contraste entre o rigor dos princípios artísticos da personagem e a leveza quase esvoaçante da movimentação da atriz. Esse é um dos pontos altos do desempenho de Melissa, dando a impressão de que ela não caminha, mas flutua pelo palco.

É como se a atriz, que em Camille e Rodin sonhava em criar a rigidez inflexível da estátua, agora emIsadora estivesse alçando vôo.

Redação

4 Comentários

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    1. qualquer técnica, para alma…

      faz lembrar o barulho das correntes

      e em toda manifestação de liberdade……………………………..ninguém delas precisa para ser livre, peregrino

      eu sei e é por isso que não me prendo ao que me mandam estudar, porque não sou porra nenhuma do que vocês já estudaram ou leram ou fingem respeitar e seguir

      1. quer que eu te mostre o que é liberdade?

        ah como eu quero, peregrino

        mas antes te ofereço a liberdade de se afastar de mim, não queira ver

        então quero não, peregrino, siga na luz

        sempre sigo na luz, mas não em nome do que você pensa que aprendeu ou acredita

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