Da Agência USP
Modernidade traz novos significados aos contos de fadas
Por Valéria Dias
A Chapeuzinho Vermelho que se cuide: a Vovozinha e o Lobo Mal são amantes, a Branca de Neve engordou e os Três Porquinhos deixaram de ser o cardápio preferido do Lobo porque ele pode comer hamburgueres e pizzas. Esses novos significados dos contos de fadas, encontrados em crônicas e tirinhas publicados em jornais e revistas brasileiros, foram analisados pela pesquisadora Elaine Hernandez de Souza em sua tese de doutorado pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.
“Os contos de fada estão presentes na sociedade há muitos séculos, mas de acordo com a forma como circulam na sociedade, eles recebem um novo significado a partir do repertório cultural próprio de cada época”, explica. Elaine pesquisou essa ressignificação por meio do modo como elas foram retratadas em crônicas do escritor Millôr Fernandes e em tirinhas do cartunista Fernando Gonsales.
De Millôr, foram analisados os textos das chamadas “Fábulas Fabulosas”, publicados em revistas semanais na década de 1980: “Branca de Neve e os Sete Anão“, da Revista Veja, de 1980; “Vovozinha vermelha e o lobo não tão mal assim“, publicado na Revista Isto É, em 1984; e “Os Três Porquinhos e o Lobo Bruto (nossos velhos conhecidos)“, da Revista Isto É, de 1986. De Fernando Gonsales, foram 56 tirinhas publicadas entre 2004 e 2011, na Folha de S.Paulo: 24 da Chapeuzinho Vermelho, 18 da Branca de Neve, 14 dos Três Porquinhos.
Idealização x realidade
Elaine explica que os contos de fadas fazem parte da tradição oral e do folclore e representam um retrato idealizado da realidade. Posteriormente foram associadas ao público infantil. “O primeiro registro escrito difundido mundialmente é do século 17, de autoria do escritor Charles Perrault. Depois vieram outras versões dessas histórias, com os Irmãos Grimm”, conta.
Segundo a pesquisadora, a difusão dos contos de fadas coincide com a Era Industrial. “A burguesia precisava garantir mão de obra, então a criança começou a ser vista de uma forma diferente, assim como o pai e a mãe, pois passaram a desempenhar papéis específicos”, diz.
O lobo mal representa o perigo, mas não enquanto animal e sim como pessoa. Os textos falavam da realidade da época: crescer, trabalhar, casar. As personagens são essencialmente boas ou más e os traços dos desenhos são harmônicos.
Já na pós-modernidade, há uma flexibilização desses papéis: eles são desconstruídos e mostram a realidade não idealizada. De acordo com Elaine, essa desconstrução é muito visível nas crônicas e nas tirinhas.
“Millôr retratou com muita realidade os anos 1980, principalmente, a sociedade carioca do bairro de Ipanema. Em uma das crônicas, os Três Porquinhos são filhos do dono da churrascaria Porcão, muito tradicional no Rio de Janeiro”, conta.
Havia ainda o início da abertura política, na reta final da ditadura militar. “A personagem da Vovozinha é da cor vermelha pois na juventude se disfarçou de velhinha para dar cobertura aos subversivos do PCB. A Chapeuzinho é hippie, já teve vários namorados e o atual usa dreadlocks”, comenta. Os traços dos desenhos são pontiagudos, as cores muito fortes, o preenchimento é borrado, e os personagens aparecem ter deformidades e defeitos.
Em Gonsales, essa desconstrução também é muito visível. “O Lobo se finge de entregador de pizza para tentar comer os Três Porquinhos, mas desiste ao perceber que a pizza é de lombinho”, diz. Quanto ao traço, os personagens são dentuços, desengonçados, narigudos, gordos. A pesquisadora chegou a entrevistar o cartunista. “Essas características fazem parte do processo criacional dele. E o uso dos contos de fadas ocorreu porque, segundo ele, todos conhecem e, por isso, fica fácil fazer humor.”
Ao comparar os dois autores, a pesquisadora analisou os espaços físicos nos quais cada um publicou seus textos (a página do jornal e da revista, se havia independência editorial e outros textos, etc) e também os elementos de aproximação, aqueles que, ao serem visualizados, remetem aos contos de fada.
Na história da Chapeuzinho Vermelho, é a vestimenta, a cesta, e a floresta; na Branca de Neve, é a pele branca em contraste com o cabelo preto e o laço vermelho no cabelo, a figura da maçã, a bruxa, o castelo, a cama, e o espelho; nos Três Porquinhos, é a floresta, a casa, e a imagem deles sempre juntos.
Disney
Os contos foram ilustrados ao longo do tempo e, entre os ilustradores, o destaque fica com Gustave Doré. “Ele foi responsável por ilustrar também os livros de La Fontaine”, diz a pesquisadora. “Em Doré, rainha e princesa vestiam golas e decotes mais altos. A imagem atual veio das produções da Disney. Originalmente, nem os sete anões nem os três porquinhos tinham nome. Foi a Disney que deu nome a eles”, informa.
A tese de doutorado Diálogo entre diferentes temporalidades refratadas em textos verbo-visuais de periódicos brasileiros contemporâneos foi defendida em 12 de novembro de 2015 na FFLCH, sob a orientação da professora Maria Inês Batista Campos.
Imagens cedidas pela pesquisadora
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Tese de Doutorado?
O Brasil está tão à toa que pode dar-se o luxo de fazer doutorado nestes assuntos.
Enquanto museus famosos preservam arte e cultura; enquanto oficinas de restauração ajudam a preservar patrimônio arquitetônico; enquanto o tombamento de construções procura preservar parte da história, temos aqui uma verdadeira deformação de obras antigas e tradicionais, que inúmeras gerações acompanharam, sonharam e até se fantasiaram – até em teatrinhos de escola.
A turma modernosa preserva obras materiais, mas deformam, tendenciosa e seletivamente, conceitos e tradições que possam sinalizar a natureza humana como foi concebida, tudo em nome da “modernidade” e da liberdade para ensinar à meninada a explorar opções e alternativas de gênero, e responder aquela pergunta que paira no ar, que discute-se intensamente neste blog, e que intriga aos modernosos, mais importante que a bomba da Coreia ou a quebra da Grécia: Será que o pato é macho? (outro bom tema para Doutorado)
“Os contos de fada estão presentes na sociedade há muitos séculos, mas de acordo com a forma como circulam na sociedade, eles recebem um novo significado a partir do repertório cultural próprio de cada época”
Ou seja, a Autora deste texto acusa obras tradicionais de terem sido desfiguradas por valores da época (período da industrialização) e propõe a adaptação desta obra aos conceitos politicamente corretos (segundo eles) do mundo atual. Lembrando que isso acontece também com as histórias de quadrinhos (campo mais explorado pela turma arco-íris). Dias atrás se falou da Bela Adormecida, acordada já não mais pelo beijo de um príncipe, mas da rainha. Aqui, o Lobo é amante da vovó e etc.
“Os textos falavam da realidade da época: crescer, trabalhar, casar.”, conta a Autora deste texto. Olha que horror!!
Fica claro neste texto o intento de, a partir da criança, formar opinião tendenciosa acima do que os modernosos acham hoje seja uma verdade. A sociedade não evolui naturalmente, mas sempre o faz por uma tendência global, imposta e turbinada pelo capitalismo selvagem, que combate a explosão demográfica e, em compensação, para preservar o consumo, aposta na exacerbação de modismos e gêneros diferentes, atomizando o mercado, usando para isso a destruição da família. Até o Lobo mau compra pizza pela internet?
Agora, quando o assunto é consumo e rola dinheiro, deixam Disney como está (por enquanto) o velho Santa Klaus gordinho e de barba branca. Se um papai Noel “Gay” estimulasse as vendas de Natal, não tenhamos divida que farão isso, e provavelmente teremos alguma nova Tese de Doutorado.
Pós graduação vai mal
A autora ainda não aprendeu que é Lobo Mau, e não “mal”.
Difícil lembral que mau é o contrário de bom e mal é contrário de bem?
É tendência natural
É tendência natural apresentar contestação a algo estabelecido. Senão estaríamos discutindo qual a melhor pedra para se fazer fogo e que sexo só paraprociração. No mais, é “discordar” e tentar vender algum isqueiro …
P.S._ Ontem se comemorou o 388º aniversário de Charles Perrault.
Ok, viagem…
… pelas possibiliades que a função poética permite em sua proliferação de sentidos, aventurem-se com a desconstrução das histórias infantis. Já tivemos análises psicológicas, e não serão as últimas a dar cavernas distintas aos botões das mais variadas camisas.
Suponho que uma análise sobre a subversão pressupõe o entendimento sobre os eixos semânticos do conto de origem. Uma história das mentalidades ajudaria a clarificar, e até entender as mudanças da releitura e transcriação em outro tempo.
Não há como não lembrar de Lobato, que desistiu daliteratura para adultos. “Agora, só escrevo para crianças”. Suponho que muitos contos são anteriores à revolução industrial, pertencem à sabedoria popular, sabedoria enquanto compreensão do mundo, da natureza e do homem, como um mito que fala de uma verdade, contando uma mentira. E neste sentido, tem uma função pedagógica, enquanto cultivo e permanência de uma cultura atávica.
As advertências quanto aos perigos da Natureza e do tempo,estão presentes em Chapeuzinho Vermelho e os Três Porquinhos. No primeiro, o elemento selvagem, relacionado às pulsões e paixões humanas, que devora e se traveste de legado cultural. Há ensinamentos, e inexoravelmente, uma perigosa floresta a atravessar e não perder o caminho (a cultura acumulada) que religa o passado e o presente, os jovens aos mais velhos, a infância à velhice
Paralelamente, no segundo, parece ecoar a parábola da casa construida sobre a rocha, mas de qualquer forma, a cosntrução de uma individualidade sólida, previdente, prudente e protegida contra os perigos do predador, presente em outrem ou na sua própria natureza do indivíduo. Sugestiva a escolha de porcos como personagens. São como crianças que não tem conhecimento do mundo da cultura, ou como a Natureza, sem regras e limites. Guiando-se apenas pela necessidade, desconhecem a assepisia, não tem discernimento sobre escolhas, fuçam, comem qualquer coisa e toda sorte de imundície.
Seria interessante (não li a tese) saber como as releituras dos contos dialogam com estas mundividência e refletem sobre as mudanças nos paradígmas culturais de nosso tempo.
Por mais divertidos que sejam
Por mais divertidos que sejam o MIllôr e Gonsales, como generalizar isso para “uma sociedade e uma época”, doutora!?