Francisco Bosco será o novo presidente da Funarte

Jornal GGN – O escritor carioca Francisco Bosco, filho de João e Ângela Bosco, foi nomeado presidente da Fundação Nacional de Arte (Funarte). Ainda não há previsão para a data de posse, mas ele já concedeu uma entrevista para o portal Divirta-se, do Uai, e falou sobre os desafios que o aguardam no cargo.

Enviado por Nilva de Souza

Francisco Bosco fala dos desafios que enfrentará como presidente da Funarte

Por Ailton Magioli

Do Divirta-se Uai

Nomeado é poeta, filósofo, escritor, ensaísta e professor, com doutorado em teoria da literatura

Nomeado semana passada para a presidência da Fundação Nacional de Arte (Funarte), mas ainda sem data de posse, o escritor carioca Francisco Bosco, de 38 anos, tem muitos desafios pela frente. A começar da tentativa de reverter o atual quadro de decadência do órgão, vinculado ao Ministério da Cultura (MinC), promovendo uma política nacional das artes a partir das áreas de artes visuais, circo, dança, música e teatro. Em uma das primeiras entrevistas desde a indicação ao cargo pelo ministro Juca Ferreira, o filho do cantor João Bosco e da artista plástica Ângela Bosco afirma que um dos objetivos de sua administração será a reinvenção da Funarte a partir da busca de novas políticas públicas, sem ignorar experiências bem-sucedidas. “Faremos uma análise cuidadosa e estaremos abertos à colaboração.”  Sem experiência em gestão, pública ou privada, ele acredita que o convite para assumir o órgão partiu da identificação de uma crise de ideias no setor. “Políticas públicas não são feitas apenas com ideias – mas também não são feitas sem elas”, acrescenta. Para Francisco Bosco, é por meio de uma compreensão igualitária, plural e descentralizadora que se poderá combater o monopólio do eixo Rio-São Paulo na cultura. Leia os principais trechos da entrevista.

Você chega à Funarte com uma responsabilidade grande. Afinal, como acaba de declarar o ministro Juca Ferreira, o órgão é a “prioridade absoluta” do Ministério da Cultura (MinC). O que acha da decisão do ministro?

Entendo que o ministro dedicou sua primeira gestão à efetivação de uma ideia de cultura fortemente vinculada à de democracia. Empenhou-se em tentar retificar a distorção fundamental da Lei Rouanet, aumentando a margem decisória do poder público, no lugar das empresas privadas; em atualizar a legislação dos direitos autorais, sem anular direitos do autor e potencializando a circulação de obras e fazeres; e em identificar e estruturar os Pontos de Cultura. São medidas de democratização da cultura, a começar por seu método de criação, sempre aberto à colaboração pública. O ministro entende que é hora de cuidar mais especificamente das artes.

Por que a Funarte perdeu tanta força e visibilidade nos últimos anos?

Essa é uma análise histórica que desejo fazer a partir de agora, como parte da tentativa de reinvenção dainstituição. É preciso identificar as políticas públicas bem-sucedidas, examinar os feitos e diretrizes de sua época áurea (fim dos anos 1970, começo de 1980) e procurar compreender as razões da decadência. Tenho conversado com gestores antigos e recentes da Funarte para compreender melhor a instituição. Faremos uma análise cuidadosa, e estaremos abertos à colaboração pública para pensar novas políticas.

Até que ponto a Funarte pode contribuir para o crescimento e ampliação da produção cultural brasileira, seguindo as orientações do Partido do Trabalhadores (PT), no poder há 12 anos?

Sem dúvida, a Funarte atuará em um sentido democratizante e descentralizador. Isso é uma diretriz fundamental das gestões do ministro, com quem me sinto alinhado. E, claro, de uma perspectiva política de esquerda, como a do PT. De minha parte, tenho que ter especial atenção às críticas feitas à concentração dos recursos destinados ao eixo Rio-São Paulo. Até pelo fato de eu mesmo morar no Rio de Janeiro.

Há por acaso o desejo da sua parte e do ministro Juca Ferreira em retomar projetos vitoriosos, como Pixinguinha (música) e Mambembe (teatro), ou a ideia é criar novos programas?

As duas coisas. Quero remeter a Instituição ao período de sua grandeza, recuperando alguns processos. Não é oportuno explicitar pontos concretos nesse momento, mas já tenho ideias nesse sentido.

Como letrista, filho de um cantor e compositor, imagina-se que a música irá receber atenção e apoio em sua administração. O que pode ser feito neste momento para o setor também em crise?

A situação da música é especial, porque ela não é propriamente uma linguagem em crise. A música não perdeu nada de sua penetração social, nem está em crise histórica, no sentido de ser uma linguagem que entrou em descompasso com o contemporâneo, como se pode dizer de outras linguagens. Ao mesmo tempo, as novas tecnologias digitais, bem como mudanças sociais e culturais profundas no Brasil, deslocaram os sentidos e abriram uma crise que é em parte econômica – tem muita gente fazendo e todo mundo ouvindo música, mas poucos conseguindo se manter por meio dela –, em parte socio-cultural – o paradigma dos anos 1950, 60 e 70 não corresponde mais aos fatos. É preciso fazer um diagnóstico cuidadoso, identificar as necessidades, examinar as políticas públicas recentes, como a Feira Música Brasil, concebida e realizada na gestão de Cacá Machado como diretor de Música da Funarte, e propor os caminhos mais adequados.

E o teatro, até que ponto iniciativas como o Prêmio Miriam Muniz têm contribuído para revelar novos talentos nos palcos?

Entre todas as linguagens, as artes cênicas são aquelas cuja situação pior conheço. Estou colhendo subsídios, conversando com pessoas, e montarei uma equipe encarregada de pensar as suas necessidades. O que tenho ouvido é que o setor é especialmente dependente de políticas públicas, e que a forma atual dos editais da Funarte não dá conta nem de longe das demandas do setor.

E nas demais áreas? Quais delas, em sua opinião, carecem de uma atenção maior neste momento?

As artes visuais são uma espécie de bola da vez do mercado de valores históricos. Há formulações teóricas influentes nesse campo, artistas brasileiros de diferentes gerações com boa atuação internacional, um sistema sólido de circulação das obras – Bienal de São Pulo, feiras de arte, institutos de arte, museus ativos, galerias abrindo –, prêmios para jovens artistas e um mercado de aquisições. O ponto fraco talvez seja a política de aquisições de nossas instituições públicas. Veremos como poderemos colaborar mais. Tenho a intenção de recuperar a força da editora da Funarte com projetos destinados à literatura e à produção de ideias. A Funarte já teve relevância na produção editorial, e é meu desejo recuperá-la.

Qual é a sua experiência na área da gestão?

Nenhuma. Penso que o ministro identificou uma crise, não administrativa, mas de ideias. E chamou uma pessoa de ideias para tentar resolvê-la. Obviamente, não sou um nefelibata. Políticas públicas não são feitas apenas com ideias, mas também não são feitas sem elas.

O que pensa a respeito da gestão pública, nem sempre levada a sério no Brasil?

Em primeiro lugar, que ela deve ser pública. Parece uma tautologia, ou no mínimo uma platitude, mas não é. Veja o exemplo da Lei Rouanet, que atualmente deixa uma dimensão decisória enorme sobre a cultura nas mãos da iniciativa privada e seus interesses. Estabelecer o interesse público na coisa pública é a atitude fundamental. Dito isso, há uma série de complicações: o interesse público é ele mesmo heterogêneo e muitas vezes contraditório. Aí deve-se pensar o contexto e estabelecer prioridades.

Como pretende lidar com as cobranças que virão naturalmente?

O caráter não apenas público, mas coletivo, de minha função exigirá de mim atenção a críticas e demandas. Caberá ao meu discernimento identificar a natureza dessas críticas, sua pertinência ou impertinência e a possível colaboração que elas encerram. Encaro isso com naturalidade.

Que avaliação faz da atuação de grupos como o Fora do Eixo, que criticam o predomínio do eixo Rio-São Paulo na cultura brasileira, tanto em termos de produção quando de patrocínio via leis de incentivo?

Penso que esses grupos são o correlato social e cultural das políticas do ministro. Ambos são mobilizados pela compreensão histórica de que se deve realizar o princípio igualitário na cultura. Certa ideia de cultura popular, que a canção popular brasileira realizou esplendidamente entre os anos 1930 e 1970, a produção de linguagens miscigenadas, capazes de conciliar os desequilíbrios brasileiros (“raciais”, sociais, culturais), de resolver formalmente os impasses que a sociedade brasileira não conseguia resolver, essa ideia de cultura popular inspirou durante décadas artistas e intelectuais, que viram nela o vislumbre de um Brasil desejado. Após a ditadura, verificou-se que as soluções da cultura popular não contaminavam a sociedade. Os Racionais MCs, não por acaso contemporâneos do primeiro Lula, foram os primeiros a criticar abertamente, no campo da arte, essa ideia de cultura popular. Esses grupos fora do eixo partem de uma outra ideia de cultura, com ênfase na igualdade social, não na mestiçagem formal. Estão certos, é a tarefa brasileira.

PERFIL

Filho do cantor e compositor João Bosco e da artista plástica Ângela Bosco, Francisco de Castro Mucci, o Francisco Bosco, nasceu no Rio de Janeiro em 1976. Poeta, letrista, filósofo, escritor, ensaísta e professor, ele é doutor em teoria da literatura pela UFRJ, com tese sobre Roland Barthes. Já publicou os livros Banalogias, E livre seja esse infortúnio, Dorival Caymmi e Da amizade, além de Alta ajuda, o mais recente, no qual reúne 35 textos, a maioria publicada em jornais e revistas com os quais colaborou ou colabora.

Redação

1 Comentário

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  1. Enquanto isso, em Minas,

    Enquanto isso, em Minas, ninguém consegue entender o que está acontecendo na Rádio Inconfidência. Nomeação de pessoas totalmente estranhas á tradição e filosofia do veículo, que com todos os defeitos dos últimos, ainda é um canal de destaque da música brasileira. E pior, conversei hoje com uma antiga funcionária que me confirmou que o atual presidente, Tancredo Naves, está colocando os próprios FILHOS, Marcos e Cristiano, em cargos estratégicos nos bastidores da rádio! Neste momento, num governo do PT!! Acorda você também, Pimentel!!!

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