Mercado de arte é usado no mundo inteiro para lavagem de dinheiro

Desembargador federal, Fausto Martin De Sanctis, lançará livro “Lavagem de Dinheiro por meio de Obras de Arte”

Jornal GGN – O mercado de obras de arte é altamente procurado no mundo para lavagem de dinheiro. Em entrevista à DW Brasil, o desembargador federal brasileiro Fausto Martin De Sancti, que pesquisou o tema durante seis meses nos Estados Unidos, observa que as práticas éticas do mercado de artes precisam ser discutidas não só no Brasil, lembrando que existe “um furo de regulamentação e regulação mundial”, nesse setor. Segundo o desembargador, hoje é mais difícil transportar dinheiro em espécie do que uma obra de arte, ele acrescenta que não existe preparação das autoridades alfandegárias para lidar com esse tipo de produto. “Num tubo pode ser colocada uma obra que vale 8 milhões ou 10 milhões de dólares e ninguém se dá conta”, diz. 

DW

Falta de controle torna mercado de arte atraente para criminosos, diz especialista

Deutsche Welle, Clarissa Neher

Criminosos de todo o mundo se voltam para o mercado de obras de arte na hora de lavar dinheiro, garante estudioso. Principais motivos são falta de controle e má preparação das autoridades.

Durante a Operação Lava Jato, a Polícia Federal (PF) apreendeu centenas de obras de artes suspeitas de terem sido usadas para lavar dinheiro. Nesta quinta-feira (19/03), 139 peças recolhidas na décima fase da investigação foram destinadas ao Museu Oscar Niemeyer (MON), em Curitiba. Só na casa do ex-diretor da Petrobras Renato Duque, a PF encontrou 131 obras.

Desde o início da operação, o museu curitibano recebeu 203 obras apreendidas. O acervo conta com quadros de artistas internacionalmente conhecidos, como Joan Miró, Salvador Dalí, Amílcar de Castro, Di Cavalcanti, Romero Brito, Aldemir Martins e Miguel Rio Branco. A coleção da Lava Jato ficará sob custódia provisória do MON até o fim da investigação e o julgamento dos acusados de envolvimento no esquema de corrupção na Petrobras.

O uso do mercado de artes em esquemas de lavagem de dinheiro, no entanto, não é algo novo nem exclusivo do Brasil. Durante seis meses, o desembargador federal brasileiro Fausto Martin De Sanctis pesquisou nos Estados Unidos como o mercado de arte é usado mundialmente para lavar dinheiro. A pesquisa resultou em um livro, lançado em 2013 nos Estados Unidos e posteriormente na Europa.

A obra, com o título provisório Lavagem de Dinheiro por meio de Obras de Arte, foi atualizada e traduzida para o português e será lançada em breve no Brasil pela editora Del Rey. Em entrevista à DW Brasil, De Sanctis falou sobre as relações entre a lavagem de dinheiro e o mercado mundial de obras de arte.

DW Brasil: O que torna o mercado de artes um espaço atraente para a lavagem de dinheiro?

Fausto Martin De Sanctis: O mercado da arte sempre foi relativamente livre. Ele é uma arena real e, ao mesmo tempo, clandestina. Poder-se-ia dizer que constitui um ecossistema à parte, porque sempre existiu, com muita tolerância, o uso de documentação falsa ou, muitas vezes, a documentação de posse sequer existe.

Então é um mercado em que a ética de suas práticas deve ser discutida. Ele acabou se tornando atraente para a criminalidade organizada, pois é muito mais fácil lavar [dinheiro] diante da ausência de controle por parte das agências governamentais.

Essa ausência de controle se deve a que fatores?

Há um furo de regulamentação e regulação mundial desse mercado. Assim, delinquentes de crimes econômicos, corrupção, fraudes financeiras e, mais recentemente, tráfico de drogas usam esse mercado diante dessa falta de controle e da facilidade de transporte da obra de arte, sem que ninguém questione esse comportamento.

Hoje é mais difícil transportar dinheiro em espécie do que a obra de arte. Num tubo pode ser colocada uma obra que vale 8 milhões ou 10 milhões de dólares e ninguém se dá conta. Não há, no mundo inteiro, preparação por parte das autoridades alfandegárias e por parte das autoridades da receita federal.

Por outro lado, as grandes casas de leilão internacional vendem obras e admitem pagamento em espécie. E, quando ocorre o pagamento em espécie, pouco é questionado sobre quem são os compradores dessas obras.

Onde são adquiridas as obras compradas para a lavagem de dinheiro?

Elas podem ser compradas diretamente com o proprietário ou em casas de leilões internacionais. Um aspecto importante desse setor é que ele é marcado pela confidencialidade, ou seja, quem vende não quer mostrar seu nome, não quer aparecer como vendedor, porque, na versão melhor desse fato, a pessoa que está vendendo uma obra de arte está indo para a bancarrota.

Assim, seria uma vergonha se mostrar com vendedor de arte, o que não necessariamente é verdade. O mercado faz questão de preservar a confidencialidade com esse argumento. Só que a confidencialidade não pode existir para as autoridades públicas. Se houver suspeita, os nomes do vendedor e do comprador precisam ser comunicados.

Obras roubadas também são compradas no esquema de lavagem de dinheiro?

Existe de tudo. Roubo de obra de arte é frequente. Eu tive casos grandes de tráfico, por exemplo, nos quais peças estavam sendo negociadas para fins diversos, inclusive de fuga, ou seja, obras de artes estavam sendo negociadas e o setor não estava fazendo nada. Quando há o combate à lavagem de dinheiro e se permite esse furo, então não há um combate à altura do crime organizado.

Então, no esquema de lavagem de dinheiro, a pessoa compra a obra para lavar o dinheiro e, depois, caso precise do dinheiro, ela revende a peça…

Exatamente. Na lavagem de dinheiro há três fases. Na primeira, a pessoa coloca o dinheiro num local que não seja ligado a ela. Depois ela afasta esse valor ainda mais para quebrar a cadeia de evidências. A terceira fase é a reintegração, ou seja, o montante que estava em algum lugar escondido volta para o mercado com a aparência de licitude. Eu falo também numa quarta fase, a reciclagem, quando a pessoa começa a apagar todos os indícios de lavagem de dinheiro.

Existe um motivo que leve uma pessoa a escolher o mercado da arte, e não outro meio, para a lavagem de dinheiro?

Quem recebe dinheiro ilegal adquire a obra de arte para não chamar atenção, pois poucos conhecem arte de verdade, ainda mais arte moderna. Uma obra de arte muitas vezes não acarreta sinais exteriores de riqueza. A pessoa pode ter um monte de obras de arte em casa e ninguém percebe que ela é milionária ou bilionária, dependendo do valor das obras.

Como é provado que as obras apreendidas em alguma operação são oriundas de lavagem de dinheiro?

No crime de lavagem de dinheiro, a pessoa desejar ocultar das autoridades o dinheiro obtido ilicitamente. Então, cabe ao Ministério Público provar que a pessoa adquiriu determinada obra de arte com o objetivo de não chamar a atenção das autoridades públicas para o dinheiro obtido ilicitamente. Lavagem de dinheiro é indício, basta a comprovação de indícios, ou seja, o conjunto de indícios é que vai dar a certeza ou não da existência do crime.

Com relação ao Brasil, existe alguma legislação que determina o destino final de obras de arte oriundas de crimes de lavagem?

A legislação não fala exatamente sobre o destino a ser dado ao bem obra de arte quando apreendido. O Brasil é signatário da convenção da Unesco de 1970 sobre proteção à arte no mundo, que deixa claro que os estados têm dever de preservar obras de arte para gerações futuras. Assim, obras de arte apreendidas, a meu ver, têm que ser destinadas a entidades culturais para acesso público.

Então, na verdade, a decisão do destino final fica na mão do juiz que está julgando o caso?

É. Mas a minha tese é que a legislação internacional conjugada com a legislação brasileira sobre arte determina que essas obras sejam destinadas a entidades culturais. A minha interpretação jurídica disso é que não pode ser dada outra destinação a não ser entidades culturais, não é possível a venda das obras para ressarcir quem quer que seja.

Redação

8 Comentários

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  1. Pacto ou convenção para o valor das coisas

    O valor é relativo. Uma madame poderá carregar milhões no pescoço, mas, algum observador menos “monetarizado”, verá apenas na sua frente uma senhora com uma pedra pendurada. Uma menina pode andar com milhares de reais na bolsa, não dentro da bolsa, mas na bolsa em sim, bolsa que para alguns não diz nada. Um jeans na santista vale 30 reais, mas, com marca famosa, ele sobe para 300 reais.

    Voltando ao post, eu acho que, para que o “mercado” de arte exista, houve primeiro (muitos anos atrás) um pacto ou convenção, entre a tchurma que compra e vende, em comércios estabelecidos. Assim como banqueiros de países diferentes, que, muitos anos atrás, aceitavam um documento como “valendo” dinheiro, o comercio da arte precisa também de algum grupo organizado e espalhado pelo mundo, que permita nivelar o valor do material (neste caso “arte”) comercializado pelo mundo.

    O comercio mundial não existiria se não fosse pela figura do comerciante global, que possui contatos em outras localidades, e este contacto dá valor a um simples documento em base à confiança entre estes “comerciantes”, por causa do pacto ou convenção.

    Imaginem um quadro de milhões (de milhões para alguém que sabe ou faz parte do pacto que outorga algum valor a este), dentro de um tubo. Um sujeito analfabeto, numa ilha do Caribe irá pegar o quadro e limpar a bunda. O quadro vale para quem sabe que em outro lugar do mundo alguém poderá trocar este em espécie (dólar, por exemplo, outro papel pintado que vale por convenção, desta vez aceito pela maior parte do mundo).

    Em suma, o fato de utilizar este tipo de “arte” para lavar dinheiro deve-se, principalmente, a que existe comprador e, por tanto, convenção entre grupos globais, que outorgam valor a determinadas coisas que às vezes nem valem tanto assim. Existem catálogos, entre os “marchand”, que universalizam o valor de determinadas obras. Alguns artistas são mais “valorizados”, quando são próximos ou fazem parte da essa tchurma que carimba com “valor” algumas telas horrorosas, mas com a assinatura de alguém bacana. Eles criaram uma moeda, universal, e transada entre gente da tchurma e infiéis iludidos, que acham que isso vale mesmo.

    O valor é subjetivo, assim como a arte, de modo que se alguém utiliza este tipo de alternativa para movimentar dinheiro mal havido, somente o poderá fazer por conta de um grupo de espertos que há centenas de anos convencionam e pactuam o comercio mundial. São eles o misterioso “mercado”, que algumas pessoas mencionam sem saber de onde surge esse tal.

    Quem controla o “mercado” de diamantes ou pedras preciosas? Quem diz que uma pedra azul vale milhões no pescoço de madame?

    Quem diz isso é a loja da tchurma que vendeu isso à madame e que, para manter o negócio, teimam em valorizar más e más, aguardando algum outro idiota que ache que uma pedra no pescoço vale mais que uma fazenda de milhares de hectares, com nascentes e natureza abundante, ou que uma nação inteira. A história deve mostrar que mais de algum idiota vendeu terras, ou uma ilha, ou um país, por conta de uma pedra, o uma pintura de “Van…” alguma coisa.

    O livro aqui discutido deveria procurar também culpar a esses facilitadores de corrupção, que transportam riqueza de um lugar a outro, apenas desde que existe alguém ou algum grupo que assuma dar valor a qualquer coisa que seja. Como ladrão de retrovisor de carro, que faz o delito sabendo que tem por aí um comerciante de peças desonesto que paga um determinado valor por ele.

    Não vejo valor algum em pedras coloridas nem em telas de pintor algum, nem menos ainda por antiguidades. Valor para mim tem a terra, a água, a natureza, ou seja, Brasil é rico demais e não trocaria nenhuma parte dele por uma pedra ou por uma tela de artista bacana.

    O mundo todo está sufocado por valores veniais, impostos pelo tal de “mercado”, mas que na verdade não têm esse valor todo. A riqueza de homem está na sua terra, nos seus valores, na sua companheira (o). Já o deslumbrado, acha que uma pedra da lua vale bilhões de dólares.

  2. E, o futebol….

    A bancada da bola, é só a  ponta do iceberg.

    Milhões de dólares lavados em alguns cabeças de bagre  é   a  deixa para  se investigar  mais a  fundo.

  3. Leilões

    Leilões de cavalos, por preços exorbitantes, geralmente é negócio de compadre, só   entre amigos. Na minha cidade houve uma época que  fazendeiros abastado  investia em haras, “”importavam cavalos argentinos”” para venderem as crias. Nenhum consegiui ser bem sucedido nos negócios, por que será? Hoje estou entendendo o motivo, não faziam parte da elite brasileira. Cavalo é como obra de arte, o preço é muito subjetivo.

     

  4. Arte e lavagem de dinheiro

    Aqui na minha cidade, Brumadinho, fica o INHOTIM, maravilhoso.Não sei se está ligado à lavanderias, mas é que, olhando bem, sente-se lá o perfume… de lavanda.

  5. O Juiz De Sanctis  é a prova

    O Juiz De Sanctis  é a prova viva de que quem investiga tucano não ganha prêmio de personalidade do ano dos irmãos Marinho.

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