Do Obras de Arte
O Barroco no Brasil
por Rosângela Vig
“O alegre do dia entristecido;
O silêncio da noite perturbado;
O esplendor do sol todo eclipsado;
E o luzente da luz desmentido.”
(MATOS in MASSAUD, 2000, p.50)
Em meio ao dizer e ao desdizer, as palavras de Gregório de Matos (1623-1696) perpetuaram as impressões de seu tempo. Sua irreverência e seu espírito, muitas vezes contundente, acabaram por levá-lo ao exílio, em Angola. Mas talvez, ao maior poeta do Barroco brasileiro, nascido na Bahia do século XVII, coube a tarefa de refletir acerca das incertezas de sua época. Sua poesia religiosa descortinou desejos de sublimação espiritual e pedidos de perdão; revolveu emoções; e, acima de tudo, traduziu os ajuizamentos de um período dividido entre o misticismo medieval e o ceticismo renascentista.
Harmoniosamente, em meio a antíteses e a paradoxos, suas reflexões indagam; desconfortam; suscitam as inquietações da alma, do pensamento e as dúvidas entre a razão e a fé. No Brasil, em meio a uma consciência literária ainda em formação, a Literatura barroca teve início oficialmente, em 1601, com a publicação do poema épico Prosopopeia de Bento Teixeira. Mas o Barroco chegou primeiro pelas mãos dos jesuítas, comprometidos inicialmente com o ensino da moral e da religião, à população. Aqui, num Brasil colonial, o estilo tomou forças entre os séculos XVIII e XIX, quando já havia sido abandonado na Europa. Segundo estudiosos, foram identificadas quatro fases no Barroco brasileiro, definidas pela apresentação, pela riqueza de detalhes e pelo uso das cores e dos ornamentos. Na última delas, os ornamentos já denotavam indícios do Rococó, com flores, laços e conchas.
Fig. 1 – Pelourinho, Salvador, Bahia. Foto: KamilloK.
A presença da Arte barroca foi mais notada nos grandes centros urbanos, onde se edificaram igrejas, onde imagens foram entalhadas e pintadas, com o sentido principal de reafirmação do Cristianismo. A complexa ornamentação estética e a grandiosidade de detalhes vinham com o propósito de ilustrar o ensinamento de valores à população, por meio da compreensão da religiosidade. Como consequência, empenhados no sentido de serem guias da fé cristã, os jesuítas acabaram por difundir a estética europeia. Diretamente influenciado pelo Barroco português, o estilo, por aqui, tomou diferentes feições, nas várias regiões por onde se disseminou.
Fig. 2 – Centro Histórico, vista do Lar Franciscano, Salvador, Bahia. Foto: Site Guia Geográfico – Jonildo.
No Brasil de diferentes Barrocos, em regiões como Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro e Minas Gerais, enriquecidas pelo ouro e pela cana de açúcar, como exemplares do estilo, ficaram as igrejas com sofisticadas esculturas e talhas douradas, feitas pelas mãos de grandes artistas. Por outro lado, em locais como São Paulo, com menor riqueza, foram deixadas obras mais simples, feitas por artistas menos conhecidos.
Fig. 3 – Igreja da Ordem Terceira de São Francisco, Fig. 4 – Igreja de São Francisco, Salvador, Salvador, Bahia. Foto: Sandra Santana. Bahia. Foto: Sandra Santana.
Muitos paulistas, organizados em expedições chamadas de bandeiras, dirigiram-se para as cidades de Minas Gerais, em busca de pedras preciosas e de ouro, estagnando, com isso, o desenvolvimento da região, o que justifica a simplicidade das peças, dos materiais utilizados e até mesmo a quantidade de construções barrocas. Desse período, em São Paulo, destacam-se o convento de Nossa Senhora da Luz, local onde fica atualmente o Museu de Arte Sacra.
Entre as regiões que mais prosperaram com o açúcar, está Pernambuco. Das riquezas da Arte barroca, sua capital, Recife, guarda a igreja de São Pedro dos Clérigos. A obra foi iniciada em 1728 e terminou somente em 1782.
Fig. 5 – Igreja de São Francisco, Salvador, Bahia. Fig. 6 – Igreja de São Francisco, Salvador, Foto: Sandra Santana. Bahia, interior. Foto: Sandra Santana.
No período do Brasil-colônia, o açúcar também enriqueceu a Bahia, que, no século XVII, foi considerada a região mais rica do Brasil. Sua capital, Salvador, chegou a ser também a capital do país. Ali, na ladeira do Pelourinho, em meio aos sobrados do século XIX, fica o mais conhecido e um dos mais importantes conjuntos arquitetônico de Salvador: a igreja da Ordem Terceira de São Francisco (Fig. 3), a igreja de São Francisco (Fig. 4) e o Convento de São Francisco. Na praça central, à frente do edifício, o cruzeiro (Fig. 4), típico das construções franciscanas, abre espaço para o conjunto. Na fachada da igreja da Ordem Terceira (Fig. 3), foram esculpidos em pedra, as flores, os anjos, os santos e os elementos mitológicos, em meio a uma exuberância de linhas e de arabescos. Na igreja de São Francisco, a exuberância não é diferente. A beleza da fachada também apresenta as particularidades características do Barroco, mas a rica decoração de seu interior (Figuras 6, 7, 8, 9 e 10), justifica o título de uma das dez igrejas mais belas do Brasil. Na fartura de detalhes e no preciosismo de todas suas superfícies, incluindo-se o teto, as colunas e as paredes, há entalhes dourados em que se incluem anjos, pássaros, em meio a flores, a frisos e a arcos. No altar-mor, a imagem que ilustra a aparição do Cristo estigmatizado para São Francisco, foi esculpida em 1930, pelo artista baiano Pedro Ferreira (1896-1970) 1, que seguiu rigorosamente os padrões e as técnicas do Barroco. O azulejo também é elemento decorativo e harmoniza perfeitamente com o conjunto, apresentando episódios da vida de São Francisco, passagens da Bíblia, paisagens e cenas bucólicas. Os azulejos também decoram o corredor que liga à sacristia e o acesso para o convento (Figuras 12 e 13) e muitas das cenas retratadas são de conteúdo moralizador.
Fig. 7 – Igreja de São Francisco, Salvador, Bahia, Fig. 8 – Igreja de São Francisco, Salvador, Bahia, detalhes da entrada, abaixo do coro. Foto: Sandra Santana. detalhes do interior. Foto: Sandra Santana.
“Com o passar dos anos compreendi que um trabalho feito com o coração palpitante, com o peito opresso (provocando dores nas costas) com uma tensão de todo o corpo, não pode bastar. Esta pode simplesmente esgotar o artista, mas não sua tarefa. O cavalo leva seu cavaleiro, com vigor e rapidez. Mas é o cavaleiro que conduz o cavalo. O talento conduz o artista a altos picos, com vigor e rapidez. Mas é o artista que domina seu talento. Eis o que constitui o elemento consciente do trabalho – chamem-no como quiserem. O artista deve conhecer seus dons a fundo e, como homem de negócios prudente, não deve deixar uma mínima parcela deles inutilizada ou esquecida; ao contrário, seu dever é explorar, aperfeiçoar cada uma dessas parcelas até o limite do possível.”
Fig. 17 – São Jorge Fig. 18 – Rei Mago de Presépio, Fig. 19 – Pastor de Presépio Obras de Aleijadinho, Museu do Aleijadinho, Ouro Preto. Fotos: Aldo Araújo
A Arte semeia encantos e faz colher maravilhas, porque o artista, pelos tempos, soube explorar a fundo suas habilidades, soube expor sua faculdade criativa, dominando os objetos que seu tempo lhe oferecia. E foi esse o espírito criativo brasileiro que já se revelava, no Brasil colonial. O talento do artista permitiu o domínio da forma e possibilitou que revelasse a originalidade de seu traço. Isso é o que torna a Arte ainda mais bela.
“Estranhas maravilhas
De algum gênio mortal jamais tentadas!
Ideias animadas
Na mais nova, mais rara fantasia!”
(COSTA, 2014, p.143)
1 Escultor Pedro Ferreira:
www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-87752008000200010
2 Andrea Pozzo, Barroco:
www.obrasdarte.com/barroco-por-rosangela-vig
3 Andrea Pozzo:
www.sabercultural.com/template/especiais/IgrejaSantoInacio
4 Antônio Francisco Lisboa:
www.museualeijadinho.com.br
Aos amantes da Arte e da Cultura, o Museu Aleijadinho é o símbolo do espírito de um artista que dedicou sua vida à Arte, enaltecendo a religião e a fé.
Localizado em Ouro Preto, no estado de Minas Gerais, na Praça de Antônio Dias, o museu conta, não somente com obras do grande Mestre do Barroco nacional, mas também de outros artistas, muitas vezes anônimos, que ajudaram a construir um pedaço da História da Cultura brasileira.
Criado em 1968, pelo pároco Padre Francisco Barroso Filho, Bispo Emérito de Oliveira, o objetivo inicial era reunir e divulgar o acervo da paróquia. O nome do museu, foi em homenagem a Antônio Francisco Lisboa, construtor do Santuário de Nossa Senhora da Conceição. Fazem parte do circuito, a Matriz de Nossa Senhora da Conceição, a Igreja de São Francisco de Assis e a Igreja de Nossa Senhora das Mercês e Perdões.
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