Um prodígio brasileiro, por Ruy Castro

Um prodígio brasileiro

Por Ruy Castro

Da Folha de S. Paulo

RIO DE JANEIRO – Sem fanfarras, tivemos neste dia 1º o centenário de um dos artistas gráficos mais completos do Brasil: Alceu Penna, o ilustrador que, de 1938 a 1966, publicou as famosas páginas duplas, “As Garotas do Alceu”, em “O Cruzeiro”.

Durante aqueles 28 anos, Alceu, semana após semana, inventou a moderna mulher brasileira: jovem, elegante, saudável, atlética, informada, independente, maliciosa, quase petulante (e, se essa mulher nem sempre correspondia a tal descrição, a culpa era dela, por não ter se inspirado em Alceu). Brasileiras de todas as cidades alcançadas por “O Cruzeiro” –que, nos anos 1950, eram todas– vestiam-se como suas garotas e tentavam copiar sua postura e “atitude”.

Tecnicamente, Alceu era um prodígio. Os colegas o admiravam pela maestria com que, em traços ágeis e firmes, insinuava tonalidades, volumes, texturas. E olhe que era daltônico: via o vermelho no verde e vice-versa. Com tudo isso, nunca houve um costureiro brasileiro que não fosse seu devedor.

Alceu, no apogeu, estava nas passarelas, nos cassinos, no teatro, na TV, na indústria têxtil, nas capas de livros e discos. Criou modelos de alta costura, vestidos de noiva, fantasias de Carnaval, moda de praia, lingerie, figurinos de musicais –sempre na casa dos milhares e, inúmeras vezes, de graça. Morreu pobre, mas isso foi o de menos: um derrame em 1975 condenou-o a passar os últimos cinco anos de sua vida sem desenhar.

As mulheres de Alceu eram, sem exceção, lindas ou interessantes –porque assim ele as enxergava. O extraordinário é que, segundo seu biógrafo Gonçalo Junior, no magnífico “Alceu Penna e as Garotas do Brasil” (Amarilys, 2011), nunca se soube de uma ocorrência amorosa em sua vida –com qualquer sexo. Alceu pode ter morrido virgem de mulheres, mas, à sua maneira, digo eu, fecundou-as todas.

Redação

1 Comentário

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  1. Eu ainda me lembro de algumas

    Eu ainda me lembro de algumas revistas O Cruzeiro, no porão de minha casa. Como já adorava ler, sempre que podia e principalmente nas férias, ia lá folheá-las. E me lembro um pouco dessas garotas do Alceu e que tentava copiá-las nos meus cadernos. Me lembro ainda de umas reportagens s/ a “Fera da Penha”, que me deixavam  horrorizada. Tinha tb a revista Manchete e algumas Cinelândias e revistas do rádio. Eu devorava tudo, minha distração predileta sempre foi ler.

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