Inabilitado para a diplomacia e motivo de apreensão, por Arnaldo Cardoso

É com pesar e vergonha que temos assistido a ausência, ou exclusão, do Brasil de todos os recentes encontros internacionais

Por Arnaldo Cardoso

Em um ambiente global marcado pela convergência de diversas crises com efeitos variados sobre as nações, nos últimos meses tem se observado uma sucessão de encontros de alto nível entre representantes de governos e organizações internacionais, explicitando um apelo pela diplomacia, ainda que, ou justamente pelo fato, do conflito estar à espreita.

Entre os vários sentidos da palavra diplomacia encontra-se “Arte de preservar os direitos e interesses do Estado em uma negociação com governos estrangeiros”, “Ciência que trata das relações e dos interesses internacionais entre Estados” e comumente são associadas qualidades como “finura no trato”, “astúcia nas negociações”, entre outras.

Se a realização dos referidos encontros tem a iniciativa predominante de nações com maior poder, é preciso lembrar que a história das relações internacionais ensina que especialmente para países com reduzidos recursos convencionais de poder, como é o caso do Brasil, a capacidade de negociação para a defesa de seus valores e interesses se configura como seu principal ativo e meio para sua inserção internacional qualificada.

É com pesar e vergonha que temos assistido a ausência, ou exclusão, do Brasil de todos os recentes encontros internacionais dedicados à discussão e proposição das possíveis medidas para o equacionamento de problemas como segurança sanitária, produção e distribuição de vacinas, fome mundial, agravamento das desigualdades, mudanças climáticas, fluxos migratórios, ameaças à democracia, crescimento de grupos extremistas e guerras.

Nas duas últimas semanas a crise humanitária no Afeganistão mobilizou uma pluralidade de países para a retirada de civis de Cabul, tendo no acordo assinado por 97 países uma demonstração dessa cooperação emergencial. O governo brasileiro não integrou esse esforço e não assinou o acordo.

:: AJUDE O GGN A CONTINUAR PRODUZINDO JORNALISMO INDEPENDENTE. ASSINE AQUI ::

Em outra arena, o recente encontro do G20 financeiro, em Veneza, tratou de questões climáticas, energia e recuperação econômica. A Diretora Geral do Fundo Monetário Internacional, Kristalina Georgieva, disse «Os países do G20 têm uma grande responsabilidade em dar os próximos passos necessários para abordar a descarbonização nas nossas economias e tomar decisões difíceis do ponto de vista económico. Somos responsáveis ​​por mais de 80% das emissões globais, por isso é nossa responsabilidade tomar medidas e fazê-lo agora”.

No mesmo encontro, o ministro italiano da Economia, Daniele Franco, asseverou  “O G20 deve ser a força motriz para a mudança climática” e complementou “Hoje temos que enfrentar questões difíceis e importantes para reorientar nossas economias para um futuro de baixo carbono: o planeta exige isso de nós e as apostas são muito altas hoje”.

O Brasil que teve participação marcante na criação do G20, no contexto da crise financeira global de 2008, agora diante das discussões para preparação do mundo para o pós-pandemia não enviou seu Ministro da Economia.

Em encontro anterior no Reino Unido, em junho, os ministros de Finanças dos sete principais países industrializados anunciaram um acordo histórico para reformar o sistema fiscal global, sendo uma das ações a criação de um imposto mundial para grandes empresas de “ao menos 15%”, visando forçar as multinacionais, sobretudo as gigantes de tecnologia, a contribuírem mais para os cofres estatais dos países mais atingidos pela pandemia.

Também no encontro foram discutidas metas climáticas e a necessidade de uma maior coordenação para medir o impacto ambiental das atividades industriais no mundo.

Nessas discussões o Brasil figura como problema a ser enfrentado, marcadamente pela condução que tem dado para a sua política ambiental, criticada em todo o mundo além da visão anacrônica e rudimentar que sobre o liberalismo econômico e diz orientar suas decisões.

Acerca da fome, o país que já liderou uma campanha mundial pela sua erradicação e que teve na direção da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) um brasileiro, Francisco Graziano, que empreendeu uma profunda reforma da organização visando a redução da burocracia e agilidade da cooperação internacional, hoje volta a ter números alarmantes de miséria e fome entre os seus cidadãos, regredindo duas décadas nesses indicadores.

E é nesse cenário de tão graves problemas internos e externos que o Presidente da República do Brasil conclama seus apoiadores a comprarem fuzis, enquanto a maior parte da sociedade pede por melhor política de oferta de grãos produzidos abundantemente no país, como a soja, o arroz, o feijão, o milho, entre outros. Ao invés de trabalhar para dar respostas aos grandes problemas do país dedica seu tempo a provocar crises políticas e lançar teorias conspiratórias como a estapafúrdia suspeita sobre as urnas eletrônicas.

Frente aos esquemas de corrupção revelados ao país pela CPI da Covid no Senado, envolvendo uma miríade de falsários civis e fardados, o governo federal se cala.

Diante de pesquisas que apontam para a derrota nas urnas no próximo ano, o deplorável presidente brasileiro ensaia a repetição do script que em janeiro passado expôs a democracia norte-americana ao vexame mundial da invasão do capitólio por uma horda de fanáticos apoiadores do então ocupante da Casa Branca, Donald Trump.

O que está sendo ensaiado para o próximo 7 de setembro no Brasil será um sinalizador do que poderá se repetir nos meses que ainda nos restam de calvário até a próxima eleição presidencial, sabendo que talvez tenhamos de ver a cena final dessa tragicomédia sendo encenada na Praça dos Três Poderes.

Embora não haja reparação possível para todos os danos provocados pelo nefasto governo de Jair Bolsonaro, que a memória popular e as páginas da história registrem para essa e as próximas gerações, o custo exorbitante da irresponsabilidade daqueles que contribuíram através da propaganda, da conivência, da cumplicidade, da omissão e pelo voto, para a materialização desse pesadelo.

É sabido que além de derrotar o deplorável político e seu staff, o país ainda terá pela frente um longo trabalho para tratar o bolsonarismo, essa ideologia fermentada por uma necropolítica, retroalimentada pelos porões, pelos esgotos, pelas perversões dos autoritários de toda ordem, pelo ressentimento e também pela ingênua ignorância e desalento de muitos.

Ainda teremos que nos perguntar por muito tempo como produzimos e/ou deixamos isso acontecer mas, que as respostas nos ajudem a enfrentar com coragem tudo o que temos para corrigir.

Arnaldo Cardoso, sociólogo e cientista político pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professor e pesquisador nas áreas de Economia Brasileira, Relações Internacionais e Sociologia.

Este texto não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

RECOMENDADO:

Redação

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador