Paulo Kliass
Paulo Kliass é doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal.
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2020: O ano que nunca termina, por Paulo Kliass

Na condição de Presidente da República, caberia a ele tomar as iniciativas para minorar os efeitos do desastre. No entanto, para espanto geral, ele fez exatamente o contrário do que deveria.

2020: O ano que nunca termina

por Paulo Kliass

Apesar da mudança de calendário e do ingresso em janeiro, a sensação de boa parte da população parece confirmar aquilo que vínhamos alertando há muito tempo. Pelo andar da carruagem, 2020 não vai acabar tão cedo aqui no Brasil. E não adianta Bolsonaro buscar refúgio em seu contorcionismo retórico e tentar, mais uma vez, transferir a responsabilidade pelo aprofundamento da crise para a oposição, para a imprensa, para os governadores ou para os prefeitos. Na condição de Presidente da República, caberia a ele tomar as iniciativas para minorar os efeitos do desastre. No entanto, para espanto geral, ele fez exatamente o contrário do que deveria.

Mas apesar de ser o chefe maior, ele não está sozinho na empreitada do cataclisma. É importante não esquecermos de que esse também é o governo de Paulo Guedes e do General Pazuello. E que ambos continuam a bater continência todos os dias para o capitão que ocupa o Palácio do Planalto. É bem verdade que a tragédia na área da economia teve início logo no primeiro dia de janeiro de 2019, com a continuidade da política até então desenvolvida por Henrique Meirelles. Mas o “old chicago boy” se esmerou em aprofundar o arsenal das maldades, mirando cada vez mais na destruição do Estado e no desmonte das políticas públicas.

O surgimento da crise da covid 19 trouxe para o centro do palco a temática da saúde como política pública essencial na sociedade brasileira. E aqui houve uma confluência perversa de diversos fatores. Em primeiro lugar, Bolsonaro revelou-se em toda a sua plenitude com o negacionismo científico e o descrédito que promoveu a cada dia nas instituições médicas e de saúde pública no Brasil e no mundo. Em segundo lugar, Paulo Guedes manteve-se firme e forte com sua obsessão neoliberal e fiscaloide, reduzindo de forma drástica as verbas orçamentárias para esse setor tão importante, o Ministério da Saúde. Em terceiro lugar, o General da logística, Eduardo Pazuello, foi efetivado na condição de ministro, depois de Bolsonaro ter exonerado 2 médicos que haviam ocupado o cargo antes do oficial de alta patente, ainda na ativa do Exército.

Bolsonaro, Guedes & Pazuello: trio da morte.

Ao longo de 2020, assistimos ao crescimento inicial e assustador dos índices da pandemia. Apesar de o governo federal não ter adotado nenhuma das recomendações dos especialistas da área e da própria Organização Mundial de Saúde (OMS), algumas medidas de isolamento e confinamento foram implementadas nos Estados e nos Municípios pelos dirigentes locais. Esses fatores e a própria dinâmica epidemiológica contribuíram para dar uma falsa impressão de retrocesso no avanço da contaminação. O governo fez questão de ignorar os exemplos vindos de outros países, onde a chegada de uma segunda onda era mais do que evidente. Os resultados estão aí espalhadas por todo o território nacional, nesse ano que teima em não terminar nunca.

Bolsonaro deu continuidade ao seu menosprezo pela gravidade da pandemia e pela capacidade do desenvolvimento científico e tecnológico dar conta de minorar os seus efeitos. A “gripezinha” inicial foi ganhando volume ao longo do ano. Batemos as 100 mil mortes em agosto e agora superamos os 210 mil óbitos. O presidente não aceitou em nenhum momento a importância do isolamento social e das restrições de movimentação de pessoas para evitar a propagação do vírus. Manteve ao longo do ano todo suas aparições públicas cotidianas, sem máscara e estimulando a concentração dos apoiadores nos eventos organizados por sua equipe. Viramos dezembro e a prática criminosa continua a mesma.

Bolsonaro sempre fez pouco dos avanços no desenvolvimento das vacinas e boicotou desde o início qualquer iniciativa mais séria por parte das equipes e instituições brasileiras nesse domínio. Depois de muito esforço, a Fiocruz conseguiu estabelecer uma parceria para participar da equipe da vacina de Oxford. O governo de São Paulo caminhou por rota própria e o Instituto Butantã fechou uma cooperação com a equipe da vacina desenvolvida pela farmacêutica chinesa Sinovac. Mas nem a comoção mundial que se criou em torno da expectativa pela aplicação mais rápida dos imunizantes parece ter contagiado o capitão. Ele permaneceu desdenhando das vacinas em suas declarações e não cedeu um milímetro sequer em sua propaganda a favor do tal do “tratamento precoce” à base de medicamentos condenados pelas entidades médicas, a exemplo da hidroxicloroquina e da ivermectina. Passamos de dezembro, as vacinas acabaram tendo seu uso emergencial aprovado pela Anvisa contra sua vontade, mas mesmo assim Bolsonaro segue desacreditando a eficácia das mesmas.

Incompetência ou intencionalidade?

Na área da economia, Paulo Guedes continuou seguindo à risca seu protocolo liberaloide. Ao ignorar a gravidade da crise provocada pela pandemia, manteve o discurso de austeridade fiscal a qualquer custo e convenceu seu chefe a não manter o auxílio emergencial no valor aprovado pelo Congresso Nacional em abril. Assim, o governo cortou os R$ 600 mensais pela metade e passou a pagar apenas R$ 300 aos beneficiários a partir de setembro, com data de validade apenas até 31 de dezembro. O mês virou a grande maioria da população ficou sem absolutamente para viver. O dezembro superior a 14 milhões de pessoas continua recorde e a inflação sobre a cesta de consumo da população de baixa renda continua sendo muito mais alta do que a média dos índices gerais de preços. Na verdade, entramos em janeiro sem que o ano tivesse terminado.

O festival de trapalhadas patrocinado pelo General no comando da saúde seria apenas cômico se não fosse trágico. O desempenho daquele oficial de alta patente “especialista” em logística na crise de Manaus não autorizaria sua permanência à frente da pasta nem por um minuto a mais. A falta de oxigênio e outros insumos essenciais foi ignorada, enquanto o ministro fazia propaganda de cloroquina e culpava os médicos locais pelas mortes. No âmbito da vacina, ao verificar que havia perdido a estúpida queda de braço com o governador de São Paulo, Pazuello tentou alguma saída honrosa para seu chefe. Mas nem a importação de imunizantes da Índia o governo conseguiu assegurar, talvez por conta de seu total despreparo para lidar com o caso e também pela política de “pária internacional” desenvolvida pelo chanceler Ernesto Araújo e por seu chefe.

Esperança: vacina e impeachment.

Fechamos o calendário de 2020, viramos a folhinha, mas o ano terrível teima em não acabar. Presidente e ministros insistem em invocar sua realidade paralela. Entre declarações do tipo “fizemos o que foi possível”, “vacina não é de nenhum governador” e “a economia vai reagir logo mais”, a sociedade se vê totalmente à mercê da irresponsabilidade criminosa e da inação de seus dirigentes. As mortes seguem crescendo de forma geométrica e o que mais assusta é uma espécie banalização do mórbido, uma naturalização conformista com a perda de vidas humanas. Tudo se passa como se houvesse uma resignação perante a fala do Presidente, que dizia “sou Messias, mas não faço milagres”. Uma loucura!

Uma possibilidade efetiva de mudança reside no início da vacinação em massa, desde que haja vacina em condições de ser aplicada em toda a população. Mas também há esperança no aumento da insatisfação generalizada com a continuidade da presença de Bolsonaro à frente do Palácio do Planalto. Até mesmo personalidades, órgãos de comunicação e partidos do campo conservador aderem de forma crescente ao movimento a favor de um impeachment do Presidente da República.

É preciso que esse sentimento difuso de indignação contra o perpetrador do genocídio se transforme em movimentos articulados e decisivos para que o impedimento de Bolsonaro se concretize. Razões para tanto não faltam. As gavetas do Presidente da Câmara dos Deputados estão abarrotadas de requerimentos do gênero. Crimes de responsabilidade praticados por ele abundam nos pareceres de juristas renomados. Crescem as manifestações por todo o território nacional na linha de #foraBolsonaro e #impeachmentjá. Essa seria a melhor forma de começarmos, de fato, 2021 como o ano da mudança.

Paulo Kliass é doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal.

Paulo Kliass

Paulo Kliass é doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal.

2 Comentários

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  1. Razões para o impeachment não faltam. A questão é que abundam pessoas que concordam com o cerne de sua política econômica. Como exemplo maior, basta citarmos Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, que, vendo as coisas se encaminhando para onde estamos, nada fez. Preferiu dormitar sobre os pedidos de impedimento contra o irresponsável presidente da República. Das instituições nada se pode esperar, pelo que temos visto. STF e Congresso são partícipes do genocídio em curso.

  2. Nao houve espanto geral, nao. Todo mundo que votou em Bolsonaro acha bonito o que ele disse e fez. “Eu nao vim para construir, eu vim para destruir.

    Repito: ninguém foi enganado.

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