A ameaça fascista no Brasil, por Rodrigo Patto Sá Motta

"O bolsonarismo apresenta-se como um movimento com claras tendências autoritárias e extremistas, que, se não forem contidas, poderão jogar o Brasil em uma ditadura de extrema direita"

Por Rodrigo Patto Sá Motta

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A opinião de direita há anos vem martelando sobre a presença (ou o retorno) de uma ‘ameaça comunista’ no Brasil, um discurso que distorce a realidade com objetivo de aumentar a rejeição às políticas orientadas para mudanças sociais, mesmo as mais moderadas. Esse recurso contribuiu para o impeachment de 2016 e foi decisivo nas eleições de 2018.

Mas é irônico – e revelador – que na História do Brasil tivemos duas ditaduras de direita, criadas sob a justificativa da necessidade de combater a esquerda. Enquanto isso, e ao contrário, quando a esquerda chegou ao poder, nos anos 2000, ela governou de forma democrática e respeitando as instituições.

Em meio ao recente crescimento dos movimentos de direita (no Brasil e no mundo), temos visto o aparecimento de grupos e lideranças com posturas radicais e violentas, algumas delas nitidamente inspiradas pelo fascismo. Alguns desses grupos e líderes revelam sua identidade fascista, outros agem de maneira mais discreta.

É difícil abordar o tema de maneira racional em meio às batalhas ideológicas polarizadas atuais. Mas a reflexão analítica é parte do ofício de professor universitário e pesquisador, então vamos enfrentar o desafio. O fenômeno fascista conta com grande volume de estudos, produzidos tanto por historiadores como cientistas sociais, que vêm debatendo sobre as características básicas dos movimentos fascistas clássicos dos anos 1920-40.

Podemos apontar algumas características essenciais do fascismo histórico: nacionalismo radical, xenofóbico e com tendências racistas; antiesquerdismo e anticomunismo viscerais; culto à violência como forma de lidar com conflitos e diferenças sociais, por isso o gosto por uniformes, militarismo e guerra; o elogio ao instinto e à emoção, considerados superiores à razão abstrata; antiliberalismo, o que significava rejeitar os valores da sociedade liberal-democrática, tais como individualismo, pluralismo e redução do papel do Estado — ao que os fascistas opunham um Estado integral ou totalitário. Além disso, os fascistas sempre contavam com um líder carismático e considerado infalível e se organizavam em partidos militarizados.

Se observamos os grupos de direita atuais, vemos a presença de algumas dessas características, mas raramente a presença de todas ao mesmo tempo. Em alguns casos, trata-se mais da expressão de sentimentos e atitudes próximas ao fascismo do que de movimentos organizados.

As características mais presentes são o antiesquerdismo visceral, o nacionalismo autoritário e a disposição para enfrentar os inimigos por meios violentos, ao lado de desprezo por minorias e pela liberdade de expressão (em todos os sentidos).

A exacerbação dos movimentos de direita radical, fascistas, ou às vezes semifascistas, é uma tendência muito perigosa, pois estão apoiados no atual governo federal, podendo levá-lo a sentir-se legitimado para atentar contra as instituições republicanas para instaurar uma ditadura ou alguma outra forma de regime autoritário híbrido.

Quanto ao bolsonarismo, ele parece uma mescla de várias tendências da direita radical, unindo desde neofascistas até nacionalistas autoritários típicos da tradição brasileira, nostálgicos da ditadura. Há um elemento complicador para classificar o bolsonarismo como um movimento puramente fascista, que é sua adesão ao liberalismo econômico (ainda que ela seja um tanto oportunista). Isso poderá ficar claro mais adiante, a depender da evolução do processo, mas no momento é difícil fazer afirmações definitivas.

De qualquer forma, todos os fascistas se identificam com o bolsonarismo, e este, independentemente de qual seja o conceito mais adequado para defini-lo, apresenta-se como um movimento com claras tendências autoritárias e extremistas, que, se não forem contidas, poderão jogar o Brasil em uma ditadura de extrema direita (pela terceira vez na nossa História).

Rodrigo Patto Sá Motta é professor titular de História da UFMG.

Redação

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