A censura a entrevista de Lula, por Florestan Fernandes e Carla Jimenez

Ministros do Supremo adotam decisões questionáveis que afetam a imprensa, como no caso da 'Crusoé', e também na falta de liberação da entrevista com Lula para o EL PAÍS

Por Florestan Fernandes e Carla Jimenez, no El Pais

Jornalismo sem censura é liberdade de imprensa ampla e irrestrita

Em tempos de retrocessos é um alívio ter novos militantes na defesa pública da garantia da liberdade de expressão. O episódio de censura à revista Crusoé, imposta pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, trouxe vários deles a público nos últimos dias. Até mesmo o presidente Jair Bolsonaro e o vice, general Hamilton Mourão, levantaram a bandeira de defesa da liberdade de expressão depois da revista ser censurada. Mais explícito que Bolsonaro, o vice Mourão, ao defender a reportagem da revista Crusoé nesta quinta, descreveu o episódio como “um ato de censura”. Há poucos dias, ele lembrou que é justamente o STF o órgão que deveria ser o guardião das liberdades de imprensa e de expressão, mas que estaria fazendo o papel de censor. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e os candidatos à sucessão de Raquel Dodge na Procuradoria Geral da República também cerraram filas contra o Supremo, e em defesa da Crusoé, assim como outro ministro da Corte, Marco Aurélio Mello. Este último chamou de “mordaça” a decisão do STF de tirar a reportagem do ar.

Nos últimos anos, poucas vezes esquerda e direita se uniram para lembrar que o Brasil ainda está numa democracia, e que a imprensa é a chama que a mantém acesa, como afirmou Bolsonaro nesta mesma quinta-feira. Marcar essa posição é fundamental para consolidar o valor da liberdade e do direito cidadão num país jovem e ainda muito hesitante sobre o que é certo e errado. E este é o momento certo de lembrar que outra decisão inexplicável também impede o exercício do jornalismo do EL PAÍS. Há meses repousa na mesa do presidente da Corte um pedido de entrevista com o ex-presidente Lula na sede da PF em Curitiba. Por duas vezes, em setembro e outubro do ano passado, esse direito foi conferido em despacho do ministro do STF Ricardo Lewandowski. E, por duas vezes, foi negado pelos também ministros do STF Luiz Fux e Antonio Dias Toffoli. Os dois alegaram, na época, que a entrevista de Lula poderia confundir o processo eleitoral, levando eleitores pouco atentos a acreditar que Lula seria candidato.

No episódio mais recente da revista Crusoé, o presidente da Corte, Dias Toffoli, disse em entrevista a alguns órgãos de imprensa que a leitura de que houve censura no caso da Crusoé é “uma narrativa inverídica”. Mas não há outro nome para o cerceamento da revista, pois não é um juiz de primeira instância, mas o Supremo, guardião da Constituição, que abriu um precedente perigoso em tempos em que a chamada à lucidez se torna imperativa. Muito barulho por quê? O texto que foi objeto de censura menciona um trecho dos esclarecimentos do empresário Marcelo Odebrecht, prestados à Polícia Federal, de uma conversa interceptada em troca de e-mails, em 2007, entre Odebrecht e executivos da empreiteira sobre uma pessoa de codinome “O amigo do amigo do meu pai”. Instado a esclarecer quem seria essa pessoa, Odebrecht explicou no começo do mês à Polícia Federal que a alcunha era atribuída ao, na época, advogado-geral da União, Dias Toffoli. A revista faz a ressalva de que o depoimento em nada compromete Toffoli, embora sugerisse que ele dê explicações. Alexandre de Moraes, contudo, determinou a retirada da reportagem da página da revista, no âmbito do inquérito aberto pela própria corte contra fake news. A atitude drástica do ministro, que ingressou no Supremo em 2017, gerou a grita generalizada que está na pauta diária da imprensa.

Há de se perguntar se as decisões do Supremo têm sido calcadas na essência do direito ou se não são uma reação a um grupo que o próprio Toffoli identifica agora, no episódio da Crusoé, como favorável a interferir no debate político, quando está para ser remarcado o julgamento da prisão em segunda instância. Assim, haveria um movimento orquestrado para algo que ele chamou de “obstrução de administração da Justiça”. Evitar que Lula se manifeste na imprensa também entra nessa leitura? Há muito de subjetivo nas decisões, que abrem brechas para o papel do Supremo. Se nos tempos da eleição, uma entrevista poderia favorecer o Partido dos Trabalhadores, então a Corte teria trabalhado ali de modo a favorecer o então candidato Bolsonaro? A resposta certamente é não, pois se não for assim, o Supremo então atuaria sob uma tutela oculta que agora se volta contra ele.

A eleição passou, a chapa Bolsonaro/Mourão, bem ou mal, governa o país e Toffoli continua sentado em cima de uma decisão que garante o direito de jornalistas exercerem livremente sua profissão. Informalmente, Toffoli disse “vamos ver” quando foi questionado em um evento sobre a liberação da entrevista. O processo do EL PAÍS transitou em julgado, e já não existe mais liminar questionando a decisão. Agora é uma questão de garantir os direitos constitucionais, liberando a entrevista, que completa, neste mês, sete meses de espera.

Por que se nega o direito de o jornal El PAÍS Brasil entrevistar o ex-presidente Lula? Afinal, quais justificativas estariam por trás dessa atitude, que não se pode interpretar de outra forma, se não censura? Os defensores da liberdade de imprensa podem colocar isso na mesa. Quando houve a proibição da entrevista ai ex-presidente viu-se ali um risco no processo eleitoral. Mas essa mesma resignação para a recusa da entrevista abriu as portas para outras atitudes de cerceamento do trabalho jornalístico. Quem ergue a bandeira de defesa do jornalismo o faz de maneira irrestrita. Vale para a liberação da reportagem da Crusoé e para a entrevista de Lula no EL PAÍS. Ambas estão amparadas na Constituição. Autorizar as duas vai ser um gesto importante para garantir que o Supremo não é refém de nenhuma milícia virtual, mas escravo da democracia.

Redação

5 Comentários

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  1. Sentiram a água bater na bunda! Bando de hipócritas!!! Foram pegos na vergonhosa manobra de censura, q não é de hoje. Quantas pessoas já tiveram sua honra assassinadas, a Constituição pisoteada, sem q o STF, se manifestasse! Lula é preso político e o Pres. do STF, simplesmente ignora tal julgamento!

  2. Nassif: à parte essa de “censura” o que acontece é que a quase totalidade do Çupremu está refém, sob o manto da chantagem. Antes, de grupos estrangeiros, especialistas em FakeNews. Depois, pelos VerdeSauvas, que impunham condenações a quem quer contrariasse os desígnios traçados pela Querência de CruzAlta.

    Sabemos que não tem santo por ali. Alguns até comprometidos com facções sociais das mais vergonhosas e políticos desclassificados. Despachos “cangurus” não é mérito dela, mas uma prática corrente pela quase totalidade do Judiciário, desde o chamado “Juizo de Piso”.

    Este episódio, envolvendo Kojac, é mais um lance. Tudo conduz para que, por trás do ato do careca, esteja a certeza de que a extremadireita VerdeSauva pretende chantagear a Corte, na questão do SapoBarbudo. Um dos donos da CorporaçãoArmada, antes de vestir o pijama, fez (impunemente) manifestação nesse sentido. O outro, que mandava na bagaça a partir do Jaburu, agiu na moita com semelhante intensidade.

    A própria manifestação agora do daBala e do IndioFardado, que nunca viram com simpatia a imprensa, mostra o aproveitamento da crise para espinafrar os acuados ministros. Como se dissessem —-“isto é só uma pequena mostra. Se soltarem o MelianteOperárioNordestino aí vão ver o que é bom pra tosse”.

    Os donos do quintal é que devem estar rindo à bandeiras despregadas. Os súditos (especialmente os armados) deitando e rolando, e os safados das demais instituições (são tantos que não dá pra fulanizar) se lambuzando nas maracutaias do diesel, do présal, da venda de terras aos gringos, do desmatamento, da Base de Alcântara (a mesma que implodiram antes), da privatização da Petrobras e dos Correios, da entrega do subsolo para exploração mineral, das centrífugas de enriquecimento de urânio, do setor de eletrificação. Dizem que até da expansão do plantio de Maconha e do refino do pó (pra conter a concorrência colombiana) os caras têm planos.

    A Corte sabe que por trás desse barulho esta a mão criminosa dos VerdeSauvas. A mando de seus patrões do norte do continente, a quem têm servido com a dedicação dos lacaios. E como dizia Drummond —“Inútil reter a ignóbil mão suja posta sobre a mesa. Depressa, cortá-la, fazê-la em pedaços e jogá-la ao mar!”

  3. Ainda há pouco o Brasil estava sufocado sob o manto da censura. Agora a censura é que está sendo vítima.a de censura. Mas que a pornografia agressiva, e não o humor do Gentilli, continue censurada, para o bem do convivio social respeitoso.

  4. Os Jateiros não abofelaram a bufunfa bilionária mas se vingaram, plantando o Toffoli na delação da Odebrecht e vazando a parte que lhe interessa para evitar que o STF declare inconstitucional a prisão penal de pessoas presumidamente inocentes.

  5. Se alguém põe um bode na sala de estar, logo todos se conformarão e se resignarão com o desconforto da situação e passarão a reclamar apenas se ele vai até a cozinha ou aos dormitórios. Porque o lugar dele é na sala!

    “Por que se nega o direito de o jornal El PAÍS Brasil entrevistar o ex-presidente Lula?”

    É, afinal, pelo mesmo motivo que , em 2005, o, então PGR, Antônio Fernando de Souza, acusou-o de ser o chefe de uma suposta quadrilha (o Ali Babá) que supostamente desviava dinheiro público do Estado para a compra de votos de parlamentares no Congresso Nacional, para que votassem a favor das propostas do Governo Federal. E ninguém achou estranho. Pelo mesmo motivo o STF recebeu essa denúncia sabidamente mentirosa e fraudulenta e ninguém reclamou. Pelo mesmo motivo o STF produziu, em 2012, sentenças condenatórias encomendadas para justificar a prisão de dezenas de inocentes, com base em interpretações distorcidas de uma teoria chamada “Domínio do Fato”, em meio a uma narrativa onde não havia nem fatos e nem tampouco o domínio, sequer demonstrados, muito menos, comprovados. Desta feita, apenas o jurista Claus Roxin criticou o uso indevido de sua teoria. A bem da verdade, é preciso reconhecer que o jornalista Paulo Henrique Amorim também criticou tal abominação, dizendo que o STF teria colocado um “turbante de Carmem Miranda” na teoria do jurista alemão.
    https://www.conjur.com.br/2014-set-01/claus-roxin-critica-aplicacao-atual-teoria-dominio-fato
    Pelo mesmo motivo foi instalada em 2014 uma operação policial criminosa, endossada e autorizada pelo STF, que passou a ser conhecida como Farsa a Jato e, em decorrência, quebraram-se todos os pilares da economia e das instituições do país. E todo mundo aplaudiu, aparentemente acreditando que desse desastre renasceria um novo e grande país. A refundação do país, como dizia o iluminista Barroso. Pelo mesmo motivo foi construído o GOLPE de 2016, assentado em um grande acordo nacional, “com STF, com tudo”. Algumas pessoas já começavam a sentir um certo desconforto. Pelo mesmo motivo o STF prosseguiu em sua jornada à margem da LEI (quem agia à margem da LEI, até alguns atrás, era considerado um MARGINAL), dando cobertura às ações criminosas da Farsa a Jato, com o firme propósito de fraudar deliberadamente o resultado das eleições presidenciais de 2018. Para tanto, seria necessário avançar ainda mais na aventura criminosa, para afastar o principal concorrente daquelas eleições e, então, o STF passou a reescrever os mandamentos mais basilares da Constituição Federal, para que fosse possível prender esse candidato, com base em uma acusação produzida pela GLOBO, que afirmava que ele fizera uma visita a um apartamento no Guaruja, de propriedade da OAS. Ao arrepio de todo o ordenamento legal nacional e internacional, o Lula foi preso e submetido a restrições aos seus direitos mais elementares, entre eles, o de receber visitas na cela onde está enclausurado e até de se expressar livremente.
    Agora o bode sente-se perfeitamente confortável na sala e caminha pela casa toda, causando desconforto que já se torna insuportável.
    Moral da história: Nunca tolere que alguém coloque um bode na sala de estar da sua casa.

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