Jorge Alexandre Neves
Jorge Alexandre Barbosa Neves professor Titular de Sociologia da UFMG, Ph.D. pela Universidade de Wisconsin-Madison, nos EUA. Professor Visitante da Universidade do Texas-Austin, também nos EUA, e da Universidad del Norte, na Colômbia.
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A “colombianização” do Brasil, por Jorge Alexandre Neves

Não é só na taxa de pobreza que o Brasil está caminhando na direção de se parecer com a Colômbia. Na economia, caminhamos para um modelo de “ultra-neo-liberalismo” semelhante ao que tem sido praticado lá

A “colombianização” do Brasil

por Jorge Alexandre Barbosa Neves

Segundo dados do Banco Mundial (1), a taxa de pobreza na Colômbia é três vezes maior do que a brasileira (cerca de 27% na Colômbia e 9% no Brasil). Mas, ao contrário da Colômbia, onde essa taxa está basicamente estagnada, no Brasil ela vem crescendo de forma acelerada. O mesmo tem acontecido com a taxa de desigualdade, fazendo o Brasil voltar a ser o país mais desigual da América Latina e um dos mais desiguais do mundo.

Não é só na taxa de pobreza que o Brasil está caminhando na direção de se parecer com a Colômbia. Na economia, caminhamos para um modelo de “ultra-neo-liberalismo” semelhante ao que tem sido praticado na Colômbia há muito tempo. Na política internacional, uma submissão e um atrelamento aos EUA como nunca houve no Brasil e que é uma marca da Colômbia.

Mas, talvez o lado mais chocante do deslocamento brasileiro para o “padrão Colômbia” de sociedade, política e economia seja o das descobertas recentes do vínculo da família Bolsonaro com as milícias. Salvo melhor juízo, isso é absolutamente inédito no Brasil. Nunca tivemos a família de um ocupante da Presidência da República vinculada a uma máfia como se observa hoje no Brasil. Não estou sendo leviano de vincular o assassinato de Marielle à família Bolsonaro. Estou me baseando apenas no que se tem certeza ou foi revelado por vias oficiais: a) Flávio Bolsonaro promoveu, quando era deputado estadual no RJ, homenagens a membros das milícias na Assembleia Legislativa; b) Flávio Bolsonaro empregou a esposa e a mãe de um miliciano foragido no seu gabinete na Assembleia Legislativa; c) Fabrício Queiroz, assessor e motorista de Flávio Bolsonaro, tem vínculos comprovados com as milícias e; d) Carlos Bolsonaro namorou a filha do miliciano apontado como executor do assassinato de Marielle. As evidências das ligações entre a família Bolsonaro e as milícias são suficientes e abundantes.

No caso da Colômbia, vem de longa data o conhecimento dos vínculos da família Uribe com os paramilitares (2), o equivalente aos milicianos brasileiros, porém que agem há muito tempo em uma escala de violência e letalidade muito maior (3). O irmão mais novo do ex-presidente Álvaro Uribe – Santiago Uribe – inclusive foi preso em 2017 por suas ligações com os paramilitares (4).

De um país que caminhava para se transformar numa das maiores democracias do mundo, com desenvolvimento social e equidade, mudamos de trilho para uma trajetória que nos leva em marcha forçada para uma nova realidade de violência, pobreza e desigualdade. Ainda há volta?

Jorge Alexandre Barbosa Neves – Ph.D, University of Wisconsin – Madison, 1997. Pesquisador Visitante University of Texas – Austin. Professor Associado do Departamento de Sociologia – UFMG
  1. Que podem ser acessados aqui: https://data.worldbank.org/indicator/SI.POV.NAHC.
  2. Ver: https://www.nytimes.com/es/2018/07/08/colombia-santiago-alvaro-uribe-doce-apostoles/.
  3. Em um país de 50 milhões de habitantes tem-se a maior população mundial de refugiados, de cerca de 7,7 milhões de pessoas (ver: https://www.eltiempo.com/justicia/conflicto-y-narcotrafico/colombia-volvio-ser-el-pais-con-mas-desplazados-internos-en-el-mundo-segun-la-acnur-232658). A esmagadora maioria desses refugiados (internos, ou seja, que vivem na periferia das grandes cidades do país) é formada por camponeses expulsos de suas propriedades por paramilitares que grilaram suas terras. Os paramilitares também foram responsáveis pelo assassinato de centenas de militantes políticos e sociais nos últimos três anos (https://www.elespectador.com/opinion/el-asesinato-de-los-lideres-sociales-columna-798755). Esses assassinatos – ocorridos em uma escala ainda impensável no caso das milícias brasileiras – se aceleraram depois que Gustavo Petro conseguiu ir ao segundo turno das eleições presidenciais de 2018. Pela primeira vez um candidato de esquerda conseguiu chegar ao segundo turno da eleição presidencial na Colômbia. Essa ameaça precisava ser aniquilada logo.
  4. Ver: https://cnnespanol.cnn.com/2017/06/12/confirman-acusacion-contra-hermano-del-expresidente-de-colombia-alvaro-uribe/

 

Jorge Alexandre Neves

Jorge Alexandre Barbosa Neves professor Titular de Sociologia da UFMG, Ph.D. pela Universidade de Wisconsin-Madison, nos EUA. Professor Visitante da Universidade do Texas-Austin, também nos EUA, e da Universidad del Norte, na Colômbia.

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