Urariano Mota
Escritor, jornalista. Autor de "A mais longa duração da juventude", "O filho renegado de Deus" e "Soledad no Recife". Também publicou o "Dicionário Amoroso do Recife".
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A Covardia Ativa e Fux, por Urariano Mota

A Covardia Ativa e Fux, por Urariano Mota

O Dicionário Aulete registra para cobardia (o mesmo que covardia):

“s. f. || fraqueza de ânimo, pusilanimidade, medo, timidez, acanhamento”.

O Dicionário Houaiss, mais extenso, define:  

“comportamento que denota ausência de coragem; atitude, gesto que se caracteriza pelo temor, pelo acanhamento, pela falta de ousadia
2 violência contra o mais fraco

sinônimos

cobardia, cobardice, covardice; ver tb. sinonímia de timidez e antonímia de coragem”

O ministro Luiz Fux do STF, ao suspender a investigação das irregularidades de Flávio Bolsonaro, ampliou e muito o sentido que os dicionários dão à palavra covardia. Notem que pelo Aulete o covarde é o tímido, o acanhado, o medroso, o pusilâmine, o fraco de ânimo, vale dizer, o fraco de vontade ante um desafio. Ou seja, pelo Aulete, em sua definição museológica, Fux não foi covarde. Pelo contrário, foi desinibido, cheio de ânimo e vontade a favor de Bolsonaro. Como seria covarde pelo Aulete?

Pelo Houaiss, tampouco. Aqui, mais uma vez, Fux (Fiat Lux?) mostrou atitude, ousadia, e não usou de violência contra o mais fraco motorista, que na verdade é representante legal do filho do Chefão na presidência. Então, como ser covarde pelo Houaiss, que o definiria como até corajoso? Para sua atitude, faltam novas definições.     

A esta altura, temos que pôr um sentido social e político para a palavra Covardia, que os dicionários poderão registrar depois da mais recente decisão de Luiz Fux. Diferente daquelas pessoas  omissas que viravam o rosto, fingiam nada saber ou conhecer dos fornos crematórios sob o regime nazista, e faziam de conta que nem sentiam o fedor de carne queimada na vizinhança, Fux é um homem transformado sob os Bolsonaros. Dele não se dirá que se ocultou sob o anonimato, que fingiu não ver. Pelo contrário, ele viu, soube, sabe, conhece e proclama que mudou o também o sentido de foro privilegiado. Para um simples privilegiado das circunstâncias deste Brasil, ele não vira o rosto, ele o mostra à lux das câmeras, como se gritasse o feito heróico. Parece dizer, “aqui, ninguém é mais novo covarde que eu”.

Diferente ainda dos covardes que engrossam a multidão que espanca um marginal, que põe fogo em um acusado, que chuta cachorro morto, que mete socos, pontapés e barras de ferro em um homem dominado, não, disso ele é incapaz. Seria indecoroso da sua parte, até porque a qualidade dos seus ternos obriga a uma outra falta de coragem. Ele é ministro do STF, ele se põe e se pôs no centro do noticiário ao decidir contra a apuração de manifesta “ilicitude”, um eufemismo para corrupção. A sua decisão define um novo tipo e palavra. Assim como no Brasil de hoje temos a ignorância mais desavergonhada, que não mais se oculta sob pudor e inferioridade diante da cultura e da ciência, que esbraveja e zurra que a terra é plana, que a mudança de clima é invenção de marxistas, ou que a teoria de  Darwin é uma hipótese sem provas, assim também Luiz Fux inaugura uma nova definição para covardia.

Ele está pleno, supremo da Covardia Ativa. Ele é o novo covarde. Parodiando Orlando Silva, quando ao ser chamado de poliglota, depois de apresentações na Argentina, respondeu: “Sim, poliglota, mas dos ativos”, podemos dizer que Fux marcou para sempre o Princípio da Covardia Ativa: aquela que sem pudor se mostra aos olhos de todo o mundo. Imune à vergonha, orgulhosa de si.  

Que tempos, que novos dicionários.

*Vermelho http://www.vermelho.org.br/coluna.php?id_coluna_texto=9756&id_coluna=93

 

Urariano Mota

Escritor, jornalista. Autor de "A mais longa duração da juventude", "O filho renegado de Deus" e "Soledad no Recife". Também publicou o "Dicionário Amoroso do Recife".

6 Comentários

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  1. O Brasil vai espanar…

    Destino: Fundo do poço.

    Com esse judiciário, com essas forças armadas, com esses políticos…

    É impossível escapar do fundo poço…

    Moralidade zero!

    Em minha opinião houve fraude nestas eleições!

    Não dá para confiar em nada!

    Nenhuma instituição desde a retirada da Dilma poderá ser confiável se avalizou esse “equívoco” monumental com suporte do STF!

    E no fundo disso tudo, na causa, na origem tem uma rede globo…

    Essa elite é burra!

    A rosca do motor do Brasil vai espanar…

  2. Quem Tem Tem Medo

    “Tú, cobarde, meu filho não és” — “I Juca Pirama”, Gonçalves Dias

    Nassif: você acha que esse ministro arriscaria sua moradia, se não suspendesse o bregesso? Foi o proprio chefe da casa, que está supervisionado pelos VerdeSaúva, quem alertou do fato.

  3. É o tipo de coisa que mostra

    É o tipo de coisa que mostra que não está havendo falta de razão, ou desrazão, ou mesmo irracionalidade. Está havendo uma dissolução progressiva do Estado por meio destas práticas e atos pequenos, mas que, no todo, levam àquilo. O que pode ocorrer é ficar pasmo, mas na prática, é essa atitude que levanta que algo está diferente. 

    Uma coisa parece certa, quem está no poder tem cometido atos ilegais e/ ou injustos (incrível como um ato injusto pode ser legal…). É o poder como mando, mas, aos poucos, perde sua delimitação estrita.  

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