Aldo Fornazieri
Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.
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A covardia do Congresso Nacional, por Aldo Fornazieri

Nenhum governo foi tão pouco enfrentado pelo Congresso Nacional como o governo Bolsonaro. A omissão do Congresso Nacional, além  de conivente, é criminosa.

Agência Brasil

A covardia do Congresso Nacional

por Aldo Fornazieri

Nenhum governo cometeu tantos crimes contra a Constituição como o governo Bolsonaro. Nenhum governo orientou tanto suas ações para uma política de morte como o governo Bolsonaro. Nenhum governo degradou tanto a dignidade da nação e do povo como o governo Bolsonaro. Nenhum governo destruiu tanto a imagem do Brasil no mundo como o governo Bolsonaro. No entanto, nenhum governo foi tão pouco enfrentado pelo Congresso Nacional como o governo Bolsonaro. A omissão do Congresso Nacional, além  de conivente, é criminosa.

O Brasil vive sob duas excepcionalidades. A excepcionalidade da pandemia e a excepcionalidade de um governo de extrema direita que age contra o país e seu povo. Tempos e acontecimentos excepcionais exigem medidas e atitudes excepcionais para enfrenta-los. No entanto, o Congresso Nacional está agindo aquém e abaixo do normal. Em dois anos deste governo destrutivo, sequer uma CPI foi instalada. Sequer uma CPI da Saúde para investigar a criminosa política do governo nesta área foi instalada.

É certo que o PSOL tem uma bancada combativa que propôs várias ações. É certo que o PT, o PDT, o PCdoB, a Rede e o PSB, além de setores de outros partidos, têm deputados combativos. Mas nada foi feito de excepcional para enfrentar esse governo e estancar o agravamento das tragédias do povo.

Não é aceitável que o Congresso, a Câmara e o Senado, estejam há tanto tempo sem se reunir presencialmente. Não é aceitável que os deputados e senadores não estejam em Brasília para por limites ao governo. Não é aceitável que os partidos, os deputados e senadores não tenham enviado comissões para Manaus e outras cidades para averiguar a situação de morte do povo, cobrar medidas e impor providências. No mínimo, os parlamentares dos partidos de oposição deveriam ter se amotinado contra a covardia e conivência de Rodrigo Maia e Alcolumbre, com sua ida a Brasília para a retomada presencial dos trabalhos do Congresso à revelia das presidências.

Quase todos os partidos de oposição, excetuando o PSOL, definiram apoio à candidatura de Baleia Rossi para a presidência da Câmara dos Deputados. Mas não tiveram a dignidade de negociar a instalação de uma CPI da Saúde e de uma comissão para examinar os pedidos de processos de impeachment contra Bolsonaro. No Senado, apoiam o governista Rodrigo Pacheco sem contrapratidas. A forma como a oposição atua contribui para normalizar as políticas criminosas de Bolsonaro e naturalizar a inaceitável condução criminosa da política da Saúde em relação à pandemia.

O Congresso Nacional, deputados e senadores, preferiam ficar no conforto de seus lares e terceirizar a tarefa de enfrentar Bolsonaro ao STF. Se hoje existe alguma trava ao autoritarismo e ao golpismo de Bolsonaro, isto se deve a Alexandre de Moraes e ao STF. Se existem algumas travas em relação à política criminosa no enfrentamento da pandemia, também se deve ao STF. O Congresso Nacional não está cumprindo seu dever constitucional de fiscalizar, acompanhar, controlar e investigar de forma efetiva as atitudes do governo.

Não há saída no enfrentamento das duas excepcionalidades se os partidos de oposição não mudarem de atitude. Precisam sair do comodismo, propor um caminho, assumir suas responsabilidades dirigentes e agir ativamente, levando a sociedade civil e os movimentos populares para mobilizações.

Para mudar atitudes, não basta ter ideias justas e linha política correta. Em si, elas são impotentes se não forem ativas. Na raiz da ação política existe uma virtude básica, primária e fundante que é a coragem. A coragem, ao contrário do que dizem alguns doutos da esquerda, não é uma categoria masculina. Ela é uma atitude de mulheres e homens e não depende de orientação sexual. Sem coragem e sem o exemplo da liderança, não há luta.

Os partidos não conseguirão mobilizar ninguém se os seus deputados e senadores permanecerem no conforto dos lares e sequer se dignarem fazer pressão em Brasília. Senadores, deputados e dirigentes dos partidos de oposição precisam estar onde o povo está sofrendo, enfrentando dificuldades para sobreviver.

Se os dirigentes, senadores e deputados não derem exemplos de luta ativa, desestimularão a militância, os movimentos sociais, as lutas e mobilizações. Os partidos precisam ser os canais de mediação para estimular e convocar as mobilizações para romper a ordem da morte, das tragédias e do desgoverno que está instalada no país. É preciso atitude e coragem para desarrumar essa ordem perversa.

Não se enfrenta as excepcionalidades do momento com medidas normais. Pior: com medidas aquém do normal. As vias ordinárias não funcionam em momentos como este que o Brasil está vivendo. Os partidos de oposição têm o dever de construir vias extraordinárias para a ação. As medidas ordinárias do desgoverno, do autoritarismo e da morte precisam ser enfrentadas com medidas extraordinárias propostas e comandadas pelos líderes políticos da oposição.

Não é com esta ordem legal de Rodrigo Maia, de Alcolumbre, de Baleia Rossi, de Arthur Lira, de Rodrigo Pacheco, de Simone Tebet que as oposições conseguirão deter a destruição do Brasil e a tragédia do povo. Para que se encontre um caminho é preciso dissipar a ilusão da união com as linhas auxiliares desse governo e com as elites que o apoiam. Ou esses aqui nomeados não representam os banqueiros, o agronegócio e o grande capital, apoiadores de Bolsonaro? O que tem essa elite predatória a dizer sobre as mortes por falta de oxigênio? Nada! Porque essa elite é cúmplice desses crimes.

Sob uma absurda e equivocada análise de conjunta, a maior parte das nossas oposições semeiam essa ilusão da união e abandonam o conflito social e as mobilizações. As oposições precisam abandonar o partido da ilusão e assumir o partido do povo. Assumir o partido do povo significa enfrentar essa política da morte, do abandono, da desassistência, do desemprego, da fome, da desigualdade, da opressão e da falta de liberdade concreta com ações autônomas, mobilizações e organização popular.

É preciso negar essa negatividade. Dessa negatividade fazem parte Maia, Rossi, Lira, Pacheco e tantos outros, que são escudo das elites e linha auxiliar de Bolsonaro. Nesses momentos de excepcionalidade é preciso agir com desmedida, apresentando-se com fisionomia própria, programa próprio, atitude própria, autonomia na ação. Não fazer isso é degradar-se na ilusão da união que acoberta o massacre do povo.

Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política (Fespsp).

Aldo Fornazieri

Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.

8 Comentários

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  1. O equilíbrio delicado que sustentava a Constituição Cidadã, cujo texto final nunca foi do agrado da oligarquia rural brasileira, dependia da presidência ser exercida por um defensor do sistema constitucional que conseguisse obter o apoio de uma maioria parlamentar. Traumatizada por causa da censura, a imprensa pró-democracia desempenhava um papel importante na manutenção desse equilíbrio. No momento em que a imprensa decidiu derrubar Dilma Rousseff, a oligarquia rural parlamentar conseguiu restaurar o autoritarismo. O resultado foi o desmoronamento de todas as conquistas sociais e humanitárias da Constituição Cidadã. Bolsonaro é um legítimo representante dessa facção oligárquica que domina o Congresso Nacional e que está estupendamente satisfeita com a fragilização das normas técnicas para aprovação de agrotóxicos, a proibição do combate ao trabalho escravo, o extermínio de índios e a possibilidade de invasão de terras indígenas e quilombolas. Ela adorou a destruição da floresta amazônica e do pantanal. E aplaudiu a liberação do acesso ás armas de fogo, cujo uso no sertão sempre foi uma garantia da preservação do poder total desfrutado pelos coronéis rurais. Essa canalha é capaz de enterrar o Brasil, mas ela não vai derrubar Bolsonaro. O caminho para a deposição do tirano terá que ser outro: a condenação dele pelo crime de genocídio.

  2. Queria o que do pessoal do “grande acordo nacional com supremo com tudo” para “estancar a sangria”??? Como vão resolver alguma coisa se são parte do problema?

    Na Bolivia e no Chile, mesmo com pandemia, o povo foi a rua. Sem povo na rua, nada vai mudar

  3. Professor Aldo, eu não acho que seja covardia. Primeiro, é a conivência do Maia que sentou, literalmente, encima de 60 pedidos de EMPEACHMENT. É faltou também empresários com dinheiro para “comprar” o EMPEACHMENT tipo JBS. É ainda faltou um “dustribuidor” deste dinheiro, tipo Cunha.

  4. E atenção!
    Covardia é covardia e sempre passam a boiada por cima de covardes.
    Realmente nenhuma CPI minimamente ligada às atitudes genocidas desde desgoverno infame. Saude? F***-SE. Nepotismo? F***-SE. Cheques nas contas famigliares? Qual é? Apenas retorno sobre investimentos. Então; F***-SE tb.
    Em pauta projetos para auxiliar a população? Porra nenhuma,!
    E as dezenas de solicitação de impeachment? O chefe destes acovardados, em processo de saída, espalha que ” o fututro de bozo estará nas mãos do proximo lider da Câmara. Mas chefe; os postulantes, como V.Exc, nao foram apoiadores do golpe que descambou na infâmia atual?

    Ou seja, sao cordeirinhos quando se trata de discutir projetos que beneficiem a população, mas comportam-se como lobos para aprovar projetos que facilitem o genocídio e o extermínio como, por exemplo, o da “autonomia das policias”, num momento que estas apresentam alta letalidade e insubordinação. Afinal, como já foi dito, a policia pertence ao estado nao à policia.
    Pois é, cheio de fogo em capim seco, muita fumaça, e, mais que uma “boiada”, uma manada de elefantes furiosos está prestes a pisotear o pobre, o negro, o indio…etc.

  5. Professor, o Sr tem razao!

    So o STF faz algo.

    E que fique nisso! Se virem e rolem!

    Foi este mesmo Judiciario que arremessou o pais no precipicio, pois que agora reencontre o caminho, o veio perdido.

    O Congresso nunca esteve tao bem ocupado por abestados e por representantes destes mesmos senhores e setores “apoliticos”, “apartidarios”, “negacionistas”…

    O nosso problema sao o/a’s vitalicios/as e nao os demais que podemos mudar no voto la na frente…

    O desastre chamado “Brazil” ja foi consumado!

    Cobre do Judiciario, do MPF, dos Tribunais inumeros Brasil afora… esses os reais responsaveis pelo caos, e sao estes q tem q colocar as suas caras na reta agora. Sumiram da TV e das redes sociais porque?! Tao ativistas que eram contra o PT e Lula!

  6. “Na Bolívia e no Chile, mesmo com pandemia, o povo foi a rua”. Está tudo dito aí, lá existem povos políticos, corajosos, não essa população alienada e relaxada como é a população brasileira. Quando eu vejo esses panelaços ridículos no brasil (é com minúscula mesmo) me dá vontade de chorar de raiva, chega a ser patética essa frouxidão política pequeno-burguesa (penso em quantos destes que batem essas panelas ridículas fizeram campanha para o imbecil da presidência). Tão ridículas quanto estes panelaços são as análises políticas que veêm uma saída para o brasil, que passe pelo congresso ou pelo STF ou pela oposição (que simplesmente não existe politicamente no país): O próprio Sr. Luis Nassif em alguns artigos já depositou sua confiança e toda a sua confiança no STF e em Rodrigo Maia (vejam só). Quer dizer, são análises tão elitistas quanto estes panelaços, em que se misturam cinismo e imbecilidade. Enquanto isso os pobres brasileiros estão passando fome, com uma super-inflação nos supermercados, com aumentos absurdos nos aluguéis, com um desemprego terrível, mas muitos deles ainda “felizes” (e feliz no brasil invariavelmente significa acomodado) pelo auxílio emergencial, ou por ter acesso ao WhatsApp e Facebook.
    “Na Bolívia e no Chile, mesmo com pandemia, o povo foi a rua”.
    Está tudo dito aí. Cada povo tem não o que merece, mas aquilo pelo que trabalha. O povo brasileiro trabalha por pão e circo.

  7. Nassif: o Aldo precisa entender que no Mercadão, apelidado de Congresso, com raríssimas exceções, alí tudo tem preço. A coisa é tão descarada que até AliBabá, envergonhadíssimo, deixou de participar dos “Leilões” de votação, comandados por Botafogo, com a maestria do MelianteCunha. Quem pagar melhor leva o pacote de favores e benesses. Os VerdeSauvas sabem, (tanto quanto a EliteDescarada, que defendem com unhas e dentes) valem-se desses salafrários pra manobrar tanto os VangélicosDizimistas como os PobresDeDireita, ora com discursos chochos e desencontrados, ora com Fake, ora com uma partida de futebol. Até mesmo com aqueles CultoShows, onde gritam palavras de OrdemCelestes. É triste sentir que Pindorama, em tempos passados, já foi uma Nação…

  8. Bom dia
    Excelente texto do Prof. Fornazieri. Que os representantes da elite, evangélicos, etc. que habitam esse congresso tenham essa atitude de cumplicidade com o genocídio, não é surpresa para ninguém. Todavia, o comodismo dos partidos de oposição é algo vergonhoso. Apesar da pandemia, poderiam ter convocado e estar presentes em uma manifestação contra o Genocida, na frente do Congresso, em prol do impeachment e a favor da reconstrução do Brasil. Mas não. A pandemia parece que forneceu o álibi perfeito para justificar o comodismo e a paralisia dessa gente. E assim, quando o golpe vier, e o congresso for fechado quantos sairão às ruas para defender a “democracia”? Quando Flávio Migliaccio cometeu suicídio, vi uma manifestação de Lima Duarte, lembrando o amigo falecido, na qual citava Brecht; ‘os que lavam as mãos, o fazem em uma bacia cheia de sangue”. A história responsabilizará aqueles que têm a responsabilidade de liderar uma reação contra a morte promovida por esse governo.

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