A crise de identidade dos liberais, por Gustavo Conde

A economista Elena Landau dá uma entrevista muito esclarecedora hoje, ao jornal Folha de S. Paulo.

A crise de identidade dos liberais

por Gustavo Conde

A economista Elena Landau dá uma entrevista muito esclarecedora hoje, ao jornal Folha de S. Paulo.

Landau foi uma das responsáveis pelas privatizações nos governos Itamar e FHC.

Ou seja, tem sérios serviços prestados ao desmantelamento do Estado, ao entreguismo e à incompetência crônica dos tucanos.

Deixou sua marca.

Metade da entrevista ela se vitimiza. A outra metade ela se distancia de Paulo Guedes.

Diz que saiu do PSDB por causa do Aécio Neves. Chora porque a violência de seus críticos aumentou depois do golpe contra o PT (que ela não nomeia, óbvio).

Não falou do impeachment porque a Folha não perguntou (e a Folha lá faz perguntas difíceis para tucanos ou ex-tucanos?).

Mas a despeito das perguntas condescendentes, Elena Landau acabou por tocar na grande ferida semântica de nosso tempo sem saber. Ela diz que o liberalismo nunca foi conservador e não pode ser conservador, que o liberalismo “clássico” é progressista, que não “existe” ser liberal na economia e reacionário nos costumes.

Eu perguntaria: e quem decide isso, cara pálida? Você? O teu dicionário também foi privatizado?

Risos, por favor.

O divertido mesmo é ver a encalacrada que esse neoliberalismo entrou e agora tenta sair. Eles pariram Bolsonaro com seu antipetismo (antidemocracia mascarada de antipetismo) e agora não sabem como sair das armadilhas do discurso.

É uma prisão semântica, querida Elena. Dói, mas é a vida.

O movimento, no entanto é muito forte para salvar os liberais da alcunha de desalmados. Armínio Fraga tenta, Luciano Huck tenta, ex-tucanos perplexos com a criança que gestaram tentam.

Mas a semântica leva tempo para ser modificada, caros. Precisa de muito arroz com feijão, não é só dando entrevista para a Folha que os sentidos voltarão a ser bem comportados e dóceis.

No mesmo dia em que é divulgada mais uma pesquisa Datafolha mostrando que a população quer mais educação e prevenção no combate à criminalidade em vez de endurecimento policial (72% contra percepções pulverizadas, nas casas de 30% e 40%) e que cada vez mais fica clara a proximidade entre os anseios da população e os programas do PT, a necessidade de se instalar uma terceira via no imaginário elitista dos leitores da Folha é mister.

Querem porque querem ressuscitar o PSDB ou, pelo menos, o que restou de seu frágil ideário “progressista”, com o perdão do abuso semântico (é no sentido figurado).

Claro que, se insistirem muito, podem acabar conseguindo. A imprensa tenta construir um clima de “retomada econômica” desde o dia 12 de maio de 2016, dia em que o golpista Michel Temer usurpou oficialmente a presidência da República.

Foi neste exato momento que as expectativas de futuro começaram a ser recalibradas pelo massacre de fakenews bombardeado nos jornais convencionais.

O “bem bolado” entre institutos de pesquisa e jornalismo de cativeiro foi um dos poucos projetos que deram certo nesses anos de golpe, fraude e porrada: a imprensa criava – e cria – a expectativa de que o futuro será cor-de-rosa, só com notícias positivas e promessas de melhoria (a famigerada “retomada”) e os institutos de pesquisa vão lá e perguntam exatamente isso aos cidadãos: “qual sua expectativa para a economia?”

Seria cômico se não fosse tragicômico.

Para resumir: o grande desafio da nossa elite, da nossa imprensa venal e dos liberais arrependidos é combater a realidade.

E a realidade é que o tempo sempre acaba confirmando que a população trabalhadora do país quer o mesmo que o PT quer: inclusão, educação, saúde, investimento, tolerância, democracia, salário, emprego, transparência e estabilidade econômica.

Como lutar contra isso? O certo seria lutar criando um partido político, estabelecendo um discurso e oferecendo alternativas melhores ao eleitorado.

Mas pensar dá trabalho. É mais simples destruir.

O dilema é que quem só sabe destruir, “só sabe destruir”, para ser tautológico. Em outras palavras: quem só sabe destruir, mais cedo ou mais tarde acaba se destruindo (e caindo).

Vem dessa constatação o comportamento sempre democrático de Lula e do PT. Lula e PT não querem ir para o pau, para a porrada. Eles sabem que a aposta certa é a aposta na democracia e no bom senso pragmático do eleitorado, por mais difícil de acreditar que nossas percepções reativas e traumatizadas de turno possam ter consigo.

Enfim, tenta-se agora, mais uma vez – como sói acontecer em nossa história recente de 40 anos para cá – evitar o PT (leia-se, evitar a soberania popular).

E como sói acontecer também nesses últimos 40 anos, pode-se tentar evitar, mas, cedo ou tarde, o PT e o povo soberano furam essa bolha de proteção já bastante surrada das nossas elites.

O que deve doer mesmo em Elenas Landaus, Armínios Fragas e Lucianos Hucks é que o PT já demonstrou na prática o que pode fazer com a economia brasileira. Já provou por 13 anos que sabe gerar renda, emprego, crescimento, inclusão, educação e respeitabilidade internacional.

Lutar contra a realidade é difícil, mas lutar contra a história e a realidade juntas é um pouquinho mais.

Eu ri quando li a entrevista da Elena Landau. Tenho simpatia pelos perdedores que insistem em não admitir a derrota.

Vou contar um segredo (não contem para ninguém): ganhar de quem não sabe perder é mais gostoso.

Redação

1 Comentário
  1. Creatina e cinica. O partido Republicano nos EUA é o exemplo perfeito do que ela diz que não existe. Eles são o que há de mais liberal na economia ao mesmo tempo que reúnem a nata do reacionarismo e fundamentalismo religioso americano.

Comentários fechados.

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