A cultura que faz estupradores virarem heróis, por Ricardo Mezavila

Sandra Pfäffi, a menina suíça, foi visitar a delegação do Grêmio que excursionava. Ela queria ganhar uma camisa do clube, foi até o hotel e bateu na porta do quarto 204.

A cultura que faz estupradores virarem heróis, por Ricardo Mezavila

Mais de quinhentas pessoas no aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, esperavam a chegada do avião que trazia quatro jogadores do Grêmio Football Porto Alegrense, quando os jogadores desembarcaram foram recebidos com gritos de: Puta! Puta! Puta!

Torcedores do Internacional também estavam no aeroporto e misturaram suas bandeiras com as do rival. Isso foi em 1987, os jogadores vinham da Suiça onde ficaram detidos por acusação de estupro a uma menina de quatorze anos.

Sandra Pfäffi, a menina suíça, foi visitar a delegação do Grêmio que excursionava. Ela queria ganhar uma camisa do clube, foi até o hotel e bateu na porta do quarto 204. Do outro lado da porta estavam os jogadores Eduardo e Fernando, que abriram a porta e a convidaram a entrar.

No quarto ao lado estavam outros dois jogadores, Henrique e Alexi, o técnico Cuca, à época com 24 anos. Eles perceberam movimentação estranha no quarto 204 e foram conferir.

Foram 30 minutos de violência contra Sandra, que saiu dali e foi à polícia. Henrique e Eduardo foram presos no mesmo dia. No dia seguinte, Fernando e Cuca foram reconhecidos através do espelho falso, onde estava toda a delegação do clube.

Depois de vinte e oito dias presos, os jogadores foram liberados com pagamento de fiança e indenização à menina. O inquérito seguiu com os jogadores no Brasil e foram condenados pela justiça da Suiça. Não cumpriram pena, mas se retornarem ao país serão presos.

Jornais e TVs fizeram enquete sobre a situação dos jogadores e, de vinte pessoas entrevistadas por uma emissora, apenas uma condenou a violência. O machismo estrutural criou algumas pérolas justificando o crime, como a senhora que acusou os pais de Sandra: “Se fosse minha filha, não estaria sozinha no hotel”; Um homem disse que “os rapazes foram ingênuos em se envolverem com uma menor, pensaram que estavam no Brasil”.

Algumas décadas depois outro jogador brasileiro, Robinho, acusado em primeira instância por estupro coletivo na Itália foi contratado pelo Santos, treinado por Cuca, mas que devido à repercussão negativa, incluindo retirada de patrocínio, não teve o contrato consumado.

A reação de Robinho reforça a campanha negativa de sua contratação. O jogador disse que não se arrepende e que “infelizmente existe o movimento feminista de mulheres que nem são mulheres”, tendo recebido apoio do comentarista Caio Ribeiro e a reprovação de Casagrande.

Os estupradores que viraram heróis”, foi a manchete do jornal gaúcho Mulherio, em 1988, um ano depois do estupro na Suiça. Será que a cultura do estupro vai colocar Robinho nessa galeria?

Ricardo Mezavila, escritor, pós-graduado em ciência política, com atuação nos movimentos sociais do Rio de Janeiro.

 

 

 

Redação

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