Armando Coelho Neto
Armando Rodrigues Coelho Neto é jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo.
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A doméstica de Guedes é a classe média candidata a opressora, por Armando Coelho Neto

Ao se referir às domésticas, Guedes apenas assumiu o preconceito contra pobres em geral. Agora, aos apoiadores do golpe de 2016 só falta assumir que houve golpe mesmo.

A doméstica de Guedes é a classe média candidata a opressora

por Armando Rodrigues Coelho Neto

Há uns três anos, eu estava com uma amiga em Fortaleza, a qual procurava um pequeno apartamento para comprar. Num dos imóveis visitados, o corretor mostrou o que seria o quarto de empregada doméstica. Com ar irônico, ele disse: “Esse quarto pode ser reversível. Afinal de contas, empregadas domésticas, hoje, você sabe, né? Estão cheias de direitos e não querem mais dormir no trabalho”. Sem cumplicidade para o que dizia, desconversou dizendo que se tirasse a parede a sala ficaria maior e o banheiro poderia se transformar em lavabo. Tão simples quanto acabar com a biblioteca do Palácio do Planalto para Dona Micheque vadiar.

“Empregada doméstica indo para a Disneylândia, uma festa danada”. (Paulo Guedes, ministro da Economia)

Em que pese o esforço de inclusão do Partido dos Trabalhadores, empregadas domésticas, como regra, não viajavam para Disney, exceto como babá. Nem com o dólar a R$ 1,80, nem com gás e gasolina a preços (objetiva e ou nominalmente) mais baixos, aquela categoria tinha ou teria, em tese, como custear uma viagem para o famoso parque, em Miami. Portanto, foi sem dúvida mais um “pronto falei” do chupim Paulo Guedes, o sanguessuga do povo que dois dias antes chamara servidores públicos de parasitas.

Ao se referir às domésticas, Guedes apenas assumiu o preconceito contra pobres em geral. Agora, aos apoiadores do golpe de 2016 só falta assumir que houve golpe mesmo. Eles continuam a tratar o impeachment como tal e as eleições presidenciais passadas como limpas (com a impagável cumplicidade das instituições controladas pelas elites).

Nenhum daqueles episódios sobreviveria a uma sindicância mal feita, quanto mais a uma avaliação mais profunda. Como dito antes neste GGN, nos primórdios dos protestos de 2013, a rigor não se via pobre na rua, mas sim gente que não gostava de pobre. Depois, os atos se reconfiguraram com apoio da mídia golpista, por meio do incentivo ódio, quando sim, pobres enganados e induzidos foram às ruas.

O povo odiado pelo golpe foi usado para o golpe e isso não é um trocadilho. Nunca é demasiado lembrar que pesquisa Data Folha divulgada em março de 2013, Dilma Rousseff tinha 65% de aprovação popular, inclusive de empresários. O índice de confiança era de 84% e as agências de avaliação estrangeiras conferiam ao Brasil altos índices de confiabilidade. Os protestos de junho 2013 foram, portanto, uma instrumentalização do golpe contra o povo. Isso prova a artificialidade daquilo sobre o que se pretende fabricar explicações oblíquas, sejam políticas, econômicas, de gestão (na base do como seria se assim não fosse).

A proposito da fala de Guedes, assisti entrevista do sociólogo Jessé de Souza para o economista Eduardo Moreira. Ele diz que o racismo de cor e de classe contra o povo estão fundidos, e que o próprio falso moralismo tão presente na classe média embute preconceito. Além disso, tem como ingrediente novo colocar povo contra povo – o povo certinho que apoia o governo e vai à igreja e o pobre que de alguma forma resiste que é criminalizado.

https://www.youtube.com/watch?time_continue=1&v=stS1C_R7iZA&feature=emb_logo

O ódio ao povo destilado pelo Chupim, diz Jessé, expressa o desprezo da classe dominante e seus acólitos pelo povo, especialmente os mais pobres. A elite golpista já não usa metáforas e tornou explícito esse sentimento. Há um ranço escravocrata que vai além do econômico e avança pelo prazer sádico de humilhar o pobre, o mais frágil. Segundo ele, não se permite sequer ao pobre, o direito de sonhar. Justamente o contrário, digo eu, do pensamento de Lula que, numa despedida em Recife, se declarou “um construtor de sonhos”.

Ao se referir às domésticas, Guedes apenas verbalizou o desprezo das elites. Em 2012, a jornalista Danuza Leão disse que ser rico perdeu o sentido. “Ir à Nova York já teve sua graça, mas, agora, o porteiro do prédio também pode ir, então qual a graça?”.

Digo, pois, que a fala do Chupim apenas reforça as teses de que não foi nem a economia nem a corrupção que derrubou Dilma Rousseff, nem levou Lula à cadeia. Tudo é fruto do ódio pela da presença de pobres e negros nas universidades, nos açougues, aeroportos, trocando jegue por motoca, comprando lajota, fazendo puxadinho e sonhando com mais e mais. “O povo quer mais”, disse Lula a uma televisão estrangeira, quando perguntado sobre os protestos de 2013.

Numa excelente intervenção, Eduardo Moreira lembra a fixação da palavra pobre por parte do Chupim, sempre associada ao que é ruim ao que não dá certo. “O desmatamento é culpa do pobre, o problema é que o pobre não poupa, o problema é que o pobre foi pra Disney”.

Sim. A rigor, Guedes ainda que movido a preconceito, sabe que domésticas não iam à Disney. Pobre passou a ir ver a mãe nos rincões do Brasil afora, outros tantos vieram pra “Sumpaulo” ou foram ver o Cristo Redentor de costas (como na canção Subúrbio, de Chico Buarque).

A doméstica do chupim Guedes é, no fundo, o porteiro de Danuza e trazem a mesma raiz de preconceito. A doméstica de Guedes é a classe média que majoritariamente votou no Bozo, que fez dele capataz dela e do povão. Ela que passou a ir a Disney e se imaginou rica, sonhando em ser também mais opressora, candidata a capataz. Abraçou o moralismo barato e assistiu passiva a conversão de um juiz cafajeste em herói nacional, que junto com Guedes e Bozo, e a depender deles, essa classe média não voltará mesmo à Disney. É Foz do Iguaçu e olhe lá!  O Brasil? É a doméstica de Trump que queria ser país.

Armando Rodrigues Coelho Neto – jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo.

Armando Coelho Neto

Armando Rodrigues Coelho Neto é jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo.

14 Comentários

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  1. Que esse movimento da FUP e a adesão dos caminhoneiros autônomos inspire a classe trabalhadora e adiram a greve,é o mínimo a se esperar dos “pacifistas” ;a coragem cívica de derrubar essa quadrilha de terno,toga e farda que assaltam e humilham a Nação.
    Pensem nos seus filhos,lutem pelos que virão,passividade e covardia será por eles cobrada no futuro.
    CHEGA DE CAGAÇO,SOMOS GENTE,NÃO SOMOS RATOS!

  2. Acho que vai virar meu mantra: TÀ, agora como eu digo tudo isso pro povo via rede social ?
    O problema dos intelectuais da esquerda é que eies tem conteúdo, mas FALTA-LHES forma pra se comunicarem, pra passarem seus conhecimentos, analises e conclusões pro povão.
    Desculpe ..mas falar tudo isso pra mim não resolve nada. ..quero ver colocar isso no whatsapp !!?
    enquanto isso ..UMA BANANA “prÔseis” (viu ? viu como o BOZO faz ?)

    1. Caro comentarista angustiado. Disse um notável pensador comunista que a construção da ideologia não depende da qualidade da argumentação contida na mensagem que se transmite, mas, outrossim, a construção da ideologia depende do poder que se possui para divulgar e multiplicar as ideias que os grupos detentores desse poder pretendem transformar em hegemonia. Se não lhe contaram ainda, esse é o segredo da dominação capitalista. Investem pesadamente na dominação dos meios de construção de narrativas e, assim, dominam a construção da ideologia. Não tem como e não adianta nada reduzir a complexidade da mensagem para que ela possa atingir as massas se não se detém o poder de multiplicar a sua propagação. Como enfrentar esse paradoxo? Um primeiro passo seria parar de bradar contra os sintomas do MAL e passar a reconhecê-lo como tal e, por conseguinte, identificá-lo como o inimigo a ser combatido e destruído. De que nos vale vociferar contra o comportamento de manada da classe média, historicamente manipulada e conduzida pelo ferramental midiático? Isso apenas gera o sentimento e a percepção do nós contra eles, que sustenta e reforça a hegemonia capitalista. Consiste em atacar o efeito e ignorar a causa, o MAL que gera esse efeito. O CAPITALISMO.

  3. De Economia não entendo nada; de Política pouco, mal dá para o gasto. Então, pergunto aos universitários, não, esses estão desacreditados no mundo real, pergunto aos pobres periféricos: melhor hoje, com Bolsonaro e Guedes, ou ontem, no pior momento, com Dilma e Levy ? Comparação possível visto que todos presenciaram um fato acontecido e estamos presenciando outro acontecendo. Aos universitários, que gostam de pensar profundamente, construir hipóteses, por exemplo, se um PIB cai menos neste mês do que no mês passado é porque ele está subindo, agora vai, pergunto, algo intrinsecamente cerebral, que nunca aconteceu e nem acontecerá: O que seria melhor, um governo com Dilma e Guedes ou com Bolsonaro e Levy ?

  4. Os jornalistas que cobrem o Palácio do Planalto deveriam ser batizados de BANANAS DE PIJAMA. Cai muito bem. Já pensaram? Hoje na entrevista coletiva do presidente no Palácio do Planalto Aos BANANAS DE PIJAMA …..
    Qual sua profissão amigo: Sou Banana de Pijama cubro as notícias do Bolsonaro.
    E o carnaval vão ficar em Brasília? Lógico. Continuaremos a cobrir o presidente e suas falas. Claro que sempre haverá um tempinho para nos divertirmos um pouco. Estamos formando um Bloco intitulado BANANAS DE PIJAMA” uma beleza. Todos nós que cobrimos as notícias do planalto já estamos providenciando as fantasias.

  5. Há uma ironia intrínseca ao preconceito de classe que escapa a outros preconceitos, como o de raça.
    Se você é branco, é branco e se tem outra raça é nessa raça em que é classificado: negro, asiático, indígena. Mesmo a mestiçagem o caracteriza: pardo, por exemplo. Em maior ou menor grau, não sendo branco, caucasiano, ariano ou qualquer outro rótulo que o coloque no topo da pirâmide sofrerá algum preconceito na sociedade ocidental pela simples questão de sua origem étnica e de sua aparência física. São características inquestionáveis, absolutas.
    Já o preconceito de classe se manisfesta diferente. É traduzido, na essência, pelo valor financeiro atribuído a dada pessoa em relação a outrem. Vejam, valor financeiro, não, necessariamente, econômico. A distinção é exigida porque vale a percepção de riqueza e não a riqueza em si. Poder de compra. É o que gera a percepção de riqueza. É o que importa para ser reconhecido em dada classe e não a riqueza em si. Sem lastro econômico é efêmera e transitória, todavia, enquanto perdura sua percepção eleva a pessoa na escala social.
    Como a segmentação social baseada na riqueza – ou na aparência de riqueza – se referencia no “eu sou mais rico que você”, há a possibilidade, em uma extrapolação extrema, de serem criadas, no Brasil, 200 milhões de classes. Afinal, em hipótese, seria possível estratificar pessoas pela sua riqueza, renda, poder de compra, crédito ou qualquer outro critério econômico ou financeiro mesmo no núcleo familiar.
    O que isso explicita e onde marca a diferença dos outros tipos de preconceito é que se dá em cadeia e essa cadeia é a quinta-essência da opressão. Esse preconceito, em síntese, traduz o poder do dinheiro e o modelo opressor-oprimido. Não é à toa que Paulo Freire é odiado pela dita elite nacional. Na sua obra mais conhecida, a Pedagogia do Oprimido trata, justamente, dessa cadeia de opressão e da dualidade onde na figura do opressor encontra-se, em simultâneo, a do oprimido.
    O preconceituoso social tem como característica a necessidade da constante manutenção do seu status. Luta permanentemente para diferenciar-se dos que lhe estão “abaixo” e luta para credenciar-se perante os que lhe estão “acima” numa escala em que ele se enxerga. Na sua concepção de sociedade, quando atribui às pessoas um valor conexo ao lugar que ocupam representado pelo “quanto vale”, este é o valor essencial que atribui a si mesmo.
    Então, surge outro aspecto. Dada sua luta permanente pela diferenciação com as classes mais baixas, mirando na perspectiva da redução do gap que delas o separa, o preconceituoso sente-se em constante ameaça. Ameaçado, reage à expectativa de vir a sofrer perdas econômicas ou financeiras ou, mesmo, de ver abalada em algum grau sua capacidade de aumentar renda, patrimônio ou crédito. Por suposto, também, sente-se ameaçado e reage quando as classes abaixo estão em progressão. Agora, quando o preconceituoso social encontra-se frente à expectativa da ocorrência simultânea dessas possibilidade reage visceralmente.
    Isso talvez explique porque vemos tão acentuadas as manifestações de ódio de classe e preconceito nos últimos anos. Mas, não explica porque as pessoas não se percebem dentro dessa cadeia de opressão no papel de opressor-oprimido.

  6. Excelente matéria. Ainda não consigo aceitar o que aconteceu com o povo desse país. É extremamente desgastante, é inacreditável que sejamos na maioria um povo Tão sem auto estima, sem memória e de alma tão escravizada à burguesia.

  7. A trampa escondida nas tabulações económicas dos indivíduos desde o ponto de vista do consumo ,é a armadilha perfeita para os alienados (maioría absoluta).Nada representa politicamente ,apenas que ele pode consumir bens e serviços de maior/menor valor do que outros.
    Na essência os sujeitos enebriados pelas posibilidades consumistas ,maiores que outras faixas,não conseguem perceber que existe um elo infinitamente mais poderoso do que qualquer tabela que o liga ao miserável ,a condição de dominados.
    É isso,o mundo se divide em dominadores e dominados (maioría abrumadora).
    Talvez o imbécil com canudo e uma vida “estável” hoje ao perder seu emprego ou ver sua vida diminuir em termos de qualidade,começe a perceber que seu destino não depende dele,mas,dos dominadores .
    Daqueles que tem o poder de definir como será sua vida ,porque ele e a maioría abrumadora da população mundial ,assim o permite.

  8. É verdade Armando, esses CHUPINS e COVARDES, procuram falar “suas verdades” através de atalhos, assim sendo se utilizam das “EMPREGADAS DOMÉSTICAS ” para expressar sua identidade, ideologia, seus desejos…
    Como foi entendido, por quase todos da Esquerda pensante e, não só, que Ele está falando dos “pobres brasileiros” de todos aqueles que estão aquém da “nobre” Elite Brasileira…segundo a ótica do mesmo.
    Penso que e certamente outros tantos brasileiros tb, que essa Elite
    não passa de abutres, escravocratas e sanguinários como o é , a ELITE dos EUA que tentam copia-la…
    Diante de tudo isso, eu penso que até aqui no BRASIL, vamos precisar de um visto Americano para circular, pois na fala dele,
    preconceituosamente só sobrou Foz de Iguaçu (Deus sabe os motivos) assim como as lindas praias Nodestinas (graças a Deus), pois tenho absoluta certeza que o NORDESTE é tão grande , digno, que esse ESCRAVOCRATA e seus asseclas NÃO o merece, daí levando todo o nosso repúdio em suas bagagens…
    A minha esperança, o meu alento e da maioria dos Brasileiros, acredito que seja exatamente o nosso #construtordesonhos , nesse atual momento do Golpe…
    Que venha 2022 !

  9. Então, um movimento tão amplo como as manifestações de 2013 foi mera instrumentalização?

    Ninguém precisa inventar teorias conspiratórias para explicar o que aconteceu. O povo apoiou o PT enquanto o PT concedeu melhorias à população, e deixou de apoiar o PT quando o PT deixou de conceder melhorias à população. O ano de 2013 foi o da virada. Lula entendeu bem e definiu bem o que estava acontecendo: o povo queria mais. E quando viu que o tacho estava vazio, chutou o balde. Essa história de manipulação da mídia é desculpa furada. Povão não lê editorial de jornal. A mídia já atacava o PT desde o mensalão e não adiantou nada.

    E a classe média virou-se contra o PT a partir do momento em que o PT passou a atacar gratuitamente esta mesma classe média politizada que vinha sendo o esteio do partido desde a sua fundação, quando trabalhador votava em ACM e Jader Barbalho. A partir do momento em que o PT conquistou o apoio do eleitorado mais pobre, achou que podia dispensar a classe média e passou a atacá-la de uma forma desnecessária e mesquinha (lembra aquele discurso da Marilena Chauí?). Erro enorme: esqueceram que o eleitorado mais pobre não é politizado, e sempre dá o voto a quem tem a chave do cofre no momento. Assim, quando o povão deixou de apoiar o PT, o PT se viu sem pai nem mãe, abandonado que fora pela classe média. E bastou comprar o apoio de meia dúzia de políticos ladrões para fazer o impeachment.

    Foi isso o que aconteceu.

    1. Vc esta sendo muito simplista na sua análise
      PRDRO MUNDIN..
      Foram vários acontecimentos contribuindo para o GOLPE…
      Inclusive VC com esse pensamento…

      Não concordo!

  10. Eita vc pirou o cabeção, PEDRO MUNDIN:

    “A partir do momento em que o PT conquistou o apoio do eleitorado mais pobre, achou que podia dispensar a classe média e passou a atacá-la de uma forma desnecessária e mesquinha …”

    1. Ué, não se lembra? O divisor de águas foi aquele discurso ridículo da Marilena Chauí, “Eu odeio a Classe Média”, que Lula escutou com uma cara constrangida. Chegava a ser contraditório: o PT se gabava de haver incluído milhões na classe média, e agora vinha maldizer sua criação. Não espanta que antigas domésticas tenham sentido vontade de passar para o lado “opressor”, só de raiva.

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