A esquerda no Brasil nunca teve um projeto para trabalhadores autônomos, por Susiana Drapeau

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Foto: Agência Brasil
 
Por Susiana Drapeau
 
Na Carta Campinas
 
A greve dos caminhoneiros em sintonia com o locaute de empresas de transporte neste maio de 2018 expôs a distância que existe entre a esquerda brasileira e os trabalhadores autônomos. A verdade é que esquerda brasileira negligenciou os autônomos e nunca teve um projeto consistente para essa classe social.
 
Apegada às conquistas da CLT e da simbologia da carteira assinada, a esquerda brasileira sempre pensou em projeto político que garantisse os direitos dos empregados (mas tinham que ser empregado) e, claro, dos desempregados e excluído. Ou seja, aqueles que deveriam ser empregados e incluídos. Os autônomos ficaram esquecidos. Talvez porque em um país de tanta miséria e desigualdade, os autônomos estariam em um situação privilegiada, mas a questão é mais complexa.
 
Longe dos trabalhadores autônomos, a esquerda perdeu espaço para os extremista de direita, como se viu na greve dos caminhoneiros. Mas isso é histórico, basta lembrar a relação de paixão que os taxistas de São Paulo tinham em relação a Paulo Maluf e a relação de Maluf com os golpistas de 1964. Maluf fez parte do golpe civil-militar contra Jango.
 
No pós-64, a esquerda também perdeu espaço para os evangélicos da teologia da prosperidade. Dê uma olhadinha nas emissoras evangélicas que dominaram o espectro brasileiros e você vai entender. Se para o autoritarismo antidemocrático a ordem é a solução, para os evangélicos a fé individualista vai te fazer prosperar economicamente.
 
No golpe de 2016, os evangélicos se uniram aos ultraconservadores do Brasil, propagaram o discurso de ódio, da prosperidade financeira incompatível com direitos,  do terror comunista de um mundo com direitos sociais, do machismo e outros demônios que resultaram no golpe associado às petroleiras internacionais.
 
Mas essa dificuldade com os autônomos também está no cerne da tradição marxista, na divisão entre trabalho e capital. Isso é muito complexo e muitas vezes tratado de forma simplista porque é assim que pensamos normalmente.
 
O trabalhador autônomo não é capital, é um trabalhador que busca sobrevivência. Pode ficar rico e se tornar patrão, empregar vários funcionários, pode sim, mas isso não acontece necessariamente, nem diariamente. A maioria dos trabalhadores autônomos serão isso mesmo, trabalhadores autônomos até o fim da vida, nada mais que isso. Somente este ano, a Receita Federal cancelou 1,3 milhão de CNPJs de por falta de pagamento dos R$ 50,00 mensais. dos microempreendedores autônomos. O microempreendedor está mais para auto escravo do que para pequeno burguês. Ele precisa de garantias e proteção social.
 
Essas contradições e riscos afastaram a esquerda dessas categorias. A esquerda brasileira nunca criou um projeto para abarcar o trabalhador autônomo, nunca definiu essa categoria como prioridade, salvo dentro de um programa maior para o país. Alguns até os atacam e chamam de pequenos burgueses. Sempre houve um certo estranhamento na concepção da esquerda com o autônomo.
 
Mas a grande utopia da esquerda deveria ser justamente o trabalhador autônomo, não o trabalhador que bate o ponto, cumpri ordens, horários e tarefas. O trabalhador autônomo deveria ser o projeto realmente revolucionário da esquerda, conquistar garantias sólidas para essa categoria, permitir que todo o trabalhador pudesse ser autônomo por meio de estruturas econômicas como associações, cooperativas, economia solidária etc. Há uma real ou utópica liberdade no trabalho autônomo que poucos esquerdistas podem reconhecer.
 
A tradição marxista tem muita dificuldade com essa questão. Não se encaixa muito bem na tradição marxista, apesar de toda a riqueza filosófica, histórica e sociológica, a contradição existente atualmente entre o trabalhador autônomo (que seja um pequeno empresário) e as super, mega, hiper corporações financistas e de megacorporações globais.  É essa dialética que precisa ser entendida por concepções ideológicas que buscam uma sociedade mais justa, igualitária e livre.
 
Sem essa compreensão, o caminhoneiro, o vendedor de cachorro-quente e a confeiteira autônoma se sentem mais próximos dos ideais de Donald Trump do que de seus clientes e amigos.  Ao sonegar R$ 100,00 de imposto para sobreviver, o autônomo se sente solidário ao problema que o Itaú teve com o Carf. É preciso projetos que não só tirem os autônomos da informalidade social, mas também os tirem da informalidade fiscal. Reajustar o Imposto de Renda e permitir contratação de contas bancárias como pessoas jurídicas , crédito e muitas outras questões.
 
É difícil também para a tradição marxista, se não impossível, compreender as contradições na identidade de classe entre o funcionário que recebe 20 mil, 30 mil, 50 mil ou mesmo 100 mil reais (como alguns funcionários do Estado brasileiro) e o trabalhador que ganha salário mínimo. É um abismo que precisa ser reconceituado. Nas sociedades contemporâneas, talvez haja um fosso dialético entre trabalho e trabalho ultra rentável ou entre capital e autônomo que precisa ser compreendido e explorado.
 
O ex-presidente Lula compreendeu um pouco isso ao dar aval e implantar em seu governo a Lei do Microempreendedor Individual (MEI). A lei  permitiu que milhares de pessoas pudessem ter garantias sociais que não tinham, como contribuição na previdência, auxílio-doença, auxílio gestante, aposentadoria por invalidez, salário-maternidade e pensão por morte.
 
Se a esquerda tivesse um projeto mais bem definido, poderia ter impedido que a legislação ficasse conhecida apenas como MEI. Deveria se chamar Lei do Microempreendedor Individual e Trabalhador Autônomo para dar uma identidade mais correta e não ilusória para essa categoria que não para de crescer no Brasil, com cerca de 7 milhões de pessoas atualmente.
 
Talvez a ampliação dos direitos do MEI possam também melhorar a vida dos trabalhadores do setor privado e público. A questão não é negar a contradição entre capital e trabalho, mas talvez reconceituá-la a luz de um tempo de super acumulação financeira.
Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

14 Comentários

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  1. Trabalhador autônomo acha que é patrão

    O problema é este, eles não se consideram trabalhadores, não no sentido marxista do termo; o sonho do autônomo é ser opressor, ele chama sindicalista de vagabundo e sindicalizado de comunista baderneiro.Então fica dificil uma aproximação por parte de movimentos ou lideranças de esquerda, pois são rechaçados e naturalmente reagem rechaçando tambem!

    1. ou não seria os autônomos jamais se vêem como de esquerda?

      A perspectiva política dos autonomos é uma só: sobrevivência. Assim como os micro empreendedores, os autônomos nunca se viram como uma mão de obra no sentido marxista da relação capital-trabalho de ser. Trata-se de interregno, um limbo entre um e outro, na medida em que, se não se definem como empregados, não possui a mesma estabilidade que esses. Vivem para assegurar qualquer tipo de sobreviência, sem sobrar tempo para maiores reflexões. 

      Os autônomos simplesmente não dão bola para a esquerda porque:

      1) se encontram em permamente estado de tensão, seara onde, em geral, os discursos extremados de diretita aproveitam para dar suporte de válvula de escape;

      2) como não empregados de ninguém, atendem-se com a estatura de patrões, mesmo que seja de si mesmos. Mas mesmo assim, patrões.

       

      1. Pois é, nem sempre a relação

        Pois é, nem sempre a relação de poder, de ascendência e exploração precisa ser regulada por leis como a CLT. É bem comum que autônomos sejam submetidos mais cruelmente aos mandos daquele para quem o atônomo trabalha, até mais do que o trabalhador que conta com aparato estatal para defendê-lo.

        Proletário é aquele que para sobreviver tem que se submeter a ordem alheia e esse estabelecimento de poder não necessita de carteira de trabalho. Autônomo é a prova disso.

    2. Ledo engano. Posso falar pela
      Ledo engano. Posso falar pela área de TI onde trabalhei por 12 anos e cinema por mais um tanto. Eu mais um punhado de camaradas somos autônomos e de esquerda. Na área onde trabalho hoje no audiovisual a grande maioria se não podemos chamá-los de revolucionários são de esquerda ou centro esquerda. Só que não trabalhamos em fábricas e empenhamos megafones, né? Faremos o que se não existe outra possibilidade de trabalho de carteira assinada? Pedimos auxílio a família? Somos todos PJ e trabalhamos em projetos que duram de uma semana a 5 meses, sem horário de trabalho fixo e sem segurança nenhuma. Isso não faz quem é autonomo, dono de uma pequena oficina ou caminhoneiro automaticamente um reacionário. Se formos por aí, vamos mal, companheiro.

  2. De acordo

    Sou Advogado autônomo. Não tenho um grande escritório. Não lido com grandes empresas e nem com criminosos de sucesso. Tenho que fazer clínica geral e sou destituído de direitos . Parei de pagar a previdência social porque teria que recolher 20% do valor do salário de contribuição, o que, hoje , daria R$ 190,80. A Lei da MEI não me abriga, pis minha categoria não é abrangida pela sua vigência. Seria muito bom , para mim, a extensão da abrangencia da MEI.

  3. A pseudo reforma da direita

    A pseudo reforma da direita apenas precarizou as relações de trabalho contra o trabalhador, porque uma reforma mesmo levaria em conta a diminuição das horas de trabalho sem a perda de direitos o que são contra.

  4. http://www.ihu.unisinos.br/579431-a-raiz-da-greve-dos-caminhonei

    http://www.ihu.unisinos.br/579431-a-raiz-da-greve-dos-caminhoneiros-e-a-regulacao-do-trabalho

    É preciso refletir como essa esquerda deixou qur a precarização do trabalho assalariado se transformasse nesse trabalho “autônomo”, nomenclatura essa que serve bem aos propósitos do Capital.

    Recomendo a leitura do artigo de Victor Filgueiras e José Dário Krein.

    A raiz da greve dos caminhoneiros e a regulação do trabalho

    Revista ihu on-line

    29 Maio 2018

     

    Quase todas as análises sobre o movimento dos caminhoneiros, assim como ocorre em outros casos em que o assalariamento não é explícito, assimilam acriticamente a condição de ‘autônomos’ dos trabalhadores, sem perceber que a própria designação é um elemento central da gestão do trabalho pelas empresas, escrevem em Vitor Araújo Filgueiras, professor de Economia da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e José Dari Krein, professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).

    Eis o artigo.

    Os preços dos combustíveistêm sido o foco dos debates relacionados ao movimento que praticamente paralisou o transporte de mercadorias no Brasil desde a semana passada. Isso não surpreende, pois, de fato, esses preços (particularmente do diesel) foram o estopim da disputa que estamos assistindo.

    Desde então, muito tem se falado na Petrobrás e na gestão da empresa, o que é certamente algo bastante relevante, não apenas pela sua influência nos preços dos combustíveis,bem como por conta do papel que a maior empresa do país tem em seu desenvolvimento.Também têm aparecido muitas referências à dependência da economia brasileira em relação ao transporte rodoviário como a variável chave para explicar o imenso impacto das paralisações nas rodovias.

    Mas há algo essencial que não tem aparecidonas discussões: como a forma de regulação do trabalho no transporte rodoviário de cargas é uma raiz da crise. O modo como muitas empresas organizam os trabalhadores que transportam as mercadorias é muito interessante para os seus negócios sob diferentes aspectos, dentre eles, a tendência a externalizar os conflitos distributivos inerentes à produção baseada no trabalho assalariado.

    Ao invés de contratar trabalhadores formalmente como empregados, empresas que distribuem suas mercadorias ou aquelas especializadas em transporte de carga contratam centenas de milhares de motoristas como se fossem autônomos (via pessoa física ou jurídica). Essa estratégia não é exclusividade do setor, nem se restringe ao Brasil. Pelo contrário, é um expediente que tem se expandido em várias atividades e em diversas partes do mundo. No nosso país, com a crise do emprego nos últimos anos, essa forma de contratação tem crescido no conjunto do mercado de trabalho [1].

    Não se pode confundir o verdadeiro trabalhador autônomo, aquele não submetido ao arbítrio alheio, com a estratégia de contratação na qual as empresas não admitem sua condição de empregadoras. Motorista autônomo, de fato, é aquele que presta serviços para diferentes clientes, sem depender, nem estar subordinado, a nenhum deles. Por exemplo, autônomo é aquele motorista para o qual você liga uma vez para fazer o carreto de sua geladeira. Existem muitos trabalhadores com esse perfil, mas eles não são a maioria, nem os protagonistas do transporte de cargas no Brasil.

    Quem dita a dinâmica do setor são empresas, sejam elas donas das cargas ou firmas especializadas no próprio transporte. Elas contratam e gerem centenas de milhares de trabalhadores para realizar as atividades de distribuição. Para isso, uma parte dos motoristas é admitida como empregado, enquanto outra fatia, provavelmente a maior, é contratada como se não fosse assalariada, a despeito da sua subordinação aos ditames empresarias. No início de 2017, de acordo com a Confederação Nacional dos Transportes (CNT), estavam inscritos 1.664 milhões de veículos para transporte de cargas no país, sendo 1.088 milhões de propriedade de empresas e 553 mil vinculados a motoristasclassificados como autônomos [2].

    Enquanto isso, segundo a RAIS, as empresas de transporte de carga mantinham não mais do que 868 mil trabalhadores como empregados formais, aí incluídos não apenas motoristas, mas todas as demais funções.

    As nomenclaturas podem confundir (carreteiro/agregado – Transportador Autônomo de Carga (TAC) – Eventual/(TAC) – Agregado, Empresa de Transporte Rodoviário de Cargas – ETC), mas a contratação de motoristas sem a admissão do vínculo de emprego tem a mesma lógica: é uma estratégia de gestão do trabalho. É comum motoristas supostamente autônomos (muitas vezes contratados como pessoas jurídicas) trabalharem sempre para a mesma empresa e com exclusividade, em horário e com preços de frete unilateralmente impostos pela contratante. O pagamento desses motoristas depende exclusivamente do número de fretes realizados, e seu trabalho é meticulosamente monitorado por satélite/GPS. As empresas também dirigem as atividades impondo prazos exíguos e multas para atrasos. Em suma, há uma série de evidências da completa falta de autonomia desses “autônomos”.

    É possível ter uma ideia da dimensão da gestão do trabalho via contratação de motoristas sem formalização do vínculo de emprego por meio de dados das Fiscalizações do Ministério do Trabalho. Para ilustrar, em 2012, auditorias em apenas 9 empresas de transporte de carga identificaram que 92.654 motoristas de caminhão trabalharam como empregados sem carteira assinada, sendo irregularmente contratados como “autônomos” pessoas físicas ou vinculados a 20.458 pessoas jurídicas terceirizadas.

    Ao contratar motoristas sem admitir sua condição de empregadoras, as empresas não cumprem nenhum direito trabalhista. Assim, tornam a vida desses trabalhadores completamente inseguras, sem sequer uma renda mínima (um salário básico) para sobreviver. O frete, que, de fato, constitui o salário desses trabalhadores, costuma não obedecer qualquer parâmetro mínimo. Também não há descanso remunerado, férias, etc. O motorista se sente completamente dependente da execução de cada serviço,e por isso tende a trabalhar mais e descansar menos.

    Apenas nas Fiscalizações do Ministério do Trabalhocitadas foram identificadas 472.606 jornadas de trabalho superiores a 10 horas por dia. Segundo o órgão, a maioria dos acidentes envolvendo caminhões está relacionado ao cansaço por jornadas excessivas. Não parece ser coincidência que, em pesquisa da própria CNT [3], de 2016, só 23,3% dos motoristas entrevistados ditos autônomos afirmaram estar satisfeitos e cumprindo as normas de descanso e 65% disseram não cumprir a lei, enquanto entre os motoristas empregados, 67% estavam satisfeitos e 51,7% afirmaram cumprir os descansos previstos na lei. Apenas 21% dos autônomos disseram que flexibilidade de horário é um ponto positivo do trabalho.

    A questão, do ponto de vista da gestão do trabalho, é que o trabalhador contratado como autônomo tende a ser ainda mais subordinado à empresa, pois sua relação é completamente precária e cada frete pode ser o último.

    Mas não para por aí. À negação dos direitos trabalhistas se soma a transferência dos custos dos insumos (combustível, pneus, manutenção, etc.) aos trabalhadores ditos autônomos. Desse modo, além de não ter renda certa, os motoristas têm que cobrir os custos inerentes à atividade, radicalizando sua insegurança. As empresas gastam menos, correm menos risco e têm um trabalhador ainda mais dócil laborando em seu benefício.

    Não bastasse, ao transferir para o trabalhador o risco do negócio, incluindo os custos dos insumos, as empresas têm conseguido desviar da relação de trabalho o foco da disputa distributiva. Aceitando a condição de “autônomo” imposta pelas empresas, o motorista tem visto nos preços dos insumos uma fonte de determinação dos seus ganhos mais importante do que o preço pago pelos seus serviços. Antes da atual crise, outras mobilizações já traziam como principal demanda o preço do combustível. Segundo a supracitada pesquisa da CNT, 56,4% dos motoristas enquadrados como autônomos considerava o custo do combustível o principal problema do seu trabalho (contra apenas 24,9% dos contratados como empregados), e apenas 1% apontava o valor do frete como a reivindicação mais importante para a categoria.

    Pensemos o seguinte: por que a mobilização para reduzir o preço do diesel não atinge os motoristas de ônibus? A resposta é simples: Porque as empresas de ônibus (ainda) não negam a condição de assalariamento dos seus trabalhadores e, consequentemente, o aumento do preço é um problema fundamentalmente das empresas. Quão improvável é ver trabalhadores de siderúrgicas e montadoras de carros reivindicando a redução do preço do carvão e dos pneus, ao invés de pleitear melhores salários?

    Estamos tratando da atividade em que mais morrem empregados no Brasil todos os anos, segundo as fontes oficiais – mais de 10% dos mortos no conjunto do mercado de trabalho formal, consideradas as atividades isoladamente. Como a subnotificação dos infortúnios pode chegar a 90% entre todos os trabalhadores acidentados no Brasil [4], ela provavelmente é pior no setor de cargas, dado o desproporcional contingente de motoristas não admitidos como empregados formais.

    Vale ressaltar que a regulação pública do trabalho, seja nas leis, seja na atuação das instituições, têm contribuído para legitimar esse cenário. A contratação de trabalhadores como autônomos, pelas empresas, não é novidade no setor, mas parece ter piorado. A regulação dos TAC, ETC, etc. tende a legitimar e recrudescer essa estratégia, ainda mais estimulada com a recente reforma trabalhista. No judiciário, a disputa sobre os limites ao uso de motoristas de carga como assalariados disfarçados está suspensa desde o final de 2017, por conta de uma liminar do STFconcedida por Luís Roberto Barroso [5].

    O processo de disputa focado no preço dos insumos não é determinístico. Mesmo no assalariamento disfarçado dos motoristas contratados como autônomos, a luta poderia ser por melhores salários. A rigor, a demanda está presente na atual greve, pois a tabela com preço mínimo do frete é apenas um eufemismo para uma espécie de salário mínimo. Todavia, tal demanda está longe de ser a pauta que tem sido mais enfatizada. Os motoristas parecem mesmo assumir a retórica empresarial de que são autônomos, de modo que sofrem, morrem, mas não demandam serem menos explorados por seus empregadores.

    Quase todas as análises sobre o movimento dos caminhoneiros, assim como ocorre em outros casos em que o assalariamento não é explícito, assimilam acriticamente a condição de “autônomos” dos trabalhadores, sem perceber que a própria designação é um elemento central da gestão do trabalho pelas empresas. Enquanto isso, por ser no custo do insumo a disputa que estamos assistindo, os empresários se aproveitam da afinidade eletiva entre patrões e empregados, e apoiam (ou mesmo promovem) as paralisações.

    A regulação do trabalho é um elemento estrutural para entender os eventos recentes no Brasil. Trabalhadores são precarizados e geridos pelas empresas de tal modo que direcionam seus esforços sem perceberem ou serem capazes de enfrentar quem fundamentalmente impõe seus baixos rendimentos, grande instabilidade e péssimas condições de trabalho.

    Notas

    1-  Pesquisa CNT de perfil dos caminhoneiros 2016. – Brasília: CNT, 2016.

    2 – Anuário CNT do transporte – estatísticas consolidadas 2017. – Brasília: CNT, 2017.

    3- Pesquisa CNT de perfil dos caminhoneiros 2016. – Brasília: CNT, 2016.

    4 – Ver, Filgueiras, Vitor. Saúde e segurança do trabalho no Brasil. 1. ed. Brasília: Movimento, 2017. Disponível em: http://www.cesit.net.br/saude-e-seguranca-do-trabalho-no-brasil/

    5 – Se o leitor não tiver medo de se assustar com o nível a que pode chegar uma decisão judicial, vale a leitura da redação de Barroso, disponível na internet. Recomendamos, para compensar, o texto de Rodrigo Carelli: “Barroso versus o mundo: o contrato-realidade e o transportador autônomo de cargas”, disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/barroso-versus-o-mundo-o-contrato-realidade-e-o-transportador-autonomo-de-cargas-21032018.

     

     

     

  5. Erros de lá e de cá

    Já a “direita” não para de providenciar a precarização do trabalho, de atacar para tentar diminuir a importância de quem realiza o trabalho enquanto prestigia o que gerencia e atravessa o trabalho alheio.

    – “Ah, não, mas o papel da ‘direita’ é esse mesmo: atacar o trabalhador. Não dá para esperar da ‘direita’ nada diferente disso. Ademais, vamos combinar: a ‘direita’ já é muito generosa em dar vagas e em pagar salários, vá? O que faria um trabalhador sem emprego?”

    E é tabu pensar no que seria uma empresa sem trabalhador, né? Ainda mais que atuando em diversas outras frentes, que vão da educação formal, escolar, à da mídia e até à familiar, o capital tem dado um jeito de provocar desemprego, de mater mais procura que oferta.

    Não sei quem prejudica mais, se o que não defende ou o que ataca.

  6. Autônomos

    Sou profissional autônomo há 31 anos. E cheguei a uma conclusão: Se trabalharmos para gente do nosso nível financeiro a relação é bem boa, porém se trabalharmos para ricos ou novos-ricos, que são aqueles que se consideram como tal, aí é triste. Querem escravizar a gente até mais que um patrão. Gostam de mandar e estabelecer aquele preço “chantagioso” que não nos deixa margem de lucro alguma. Ameaçam. sempre com a retirada do serviço. Enfim, ser autônomo no Brasil é bom se trabalharmos para a gente mais pobre e mais humilde. Quanto à questão da esquerda, acho que só a esquerda olha pra nós, A direita gosta mesmo é de escravidão e subalternidade. Ato grandioso de Lula criar o MEI é incrementar a abrangência da Lei das ME.  E Dilma enxergou as empregadas domésticas. Então o título da matéria está trocado. Devia dizer que a Direita é que é a culpada pelo descaso.

  7. “Autonomia” ou sangue de barata escravizável?
    Nassif, o PT é um partido que defende o direito do trabalhador nas negociações com o patronato, mas jamais lutou para o comunismo substituir o capitalismo. Talvez seja por isto que tenha vencido essa agremiação que tem o social do socialismo no nome (mas defende o neoliberalismo), o PSDB, bem como uma vintena a mais de agremiações partidárias que disputam as eleições, muitas delas até com o comunismo no nome. Por defender a redução das desigualdades sociais e ter feito mais por isto do que qualquer outro partido, o PT é visto como a personificação de uma esquerda nacional que não existe na prática como contraposição ao capitalismo, como acontece noutras partes do mundo, com muito mais história que nós, que há apenas 518 anos fomos descobertos e batizados com o nome do vermelho da brasa e da resina do pau Ibirapitanga dos indígenas, o pau-brasil que revolucionou a indústria têxtil européia. Sinônimo de vermelho, o Brasil colônia sempre abominou o vermelho ideológico e só os daltônicos históricos não vêem nessa abominação a razão do apoio de boa parte da população aos golpes de 64 e 2016 contra os comunistas, esses bichos papões comedores de criancinhas conforme a Igreja e a Moral e Cívica escolar nos ensinaram, muito antes do PIG e desse Judiciário verde-fascio ora no poder. Como ex-preso político por lutar contra a desigualdade social, posso garantir que nesses setenta anos de vida nunca encontrei essa tal esquerda de que tanto se fala e escreve, como é o caso desse artigo da Carta Campinas, um exemplo de desinformação que apenas contribuí para enxergarmos no trabalhismo petista a materialização de uma esquerda inexistente ou de uma organização ideológica que teria o dever de se opor à direita que nos subjuga. O PT é uma junção de sindicatos de chão de fábrica, com a função de lutar nos dissídios pela melhoria das condições de trabalho de seus sindicalizados e nunca essa organização nacional com capacidade de lutar contra o neoliberalismo, contra peso das multinacionais e do financismo e rentismo globalizado que derrubaram Dilma e mantêm Lula prisioneiro, “privatizando” o que é patrimônio público constituído às custas do sacrifício de dezenas de gerações de brasileiros -sobretudo a partir de Getúlio Vargas, criador da CLT e do trabalhismo. Ou seja, quando uma publicação com nome de grife mistura ou embaralha tudo isto, dando a impressão de que nos pautamos por um marxismo lato senso e tece loas à uma “autonomia” e empreendedorismo desprezados injustamente, fico sem saber se a revista provêm de um Mino Carta admirável ou de um João Dória desprezível, pois se levarmos a sério suas críticas teremos de adotar e defender o trabalho intermitente praticado pelas grandes empresas que monopolizam o transporte de grandes cargas e transformam o caminhoneiro autônomo em semi-escravo, conforme pode se ler abaixo, no excelente artigo da revista IHU on-line, que desmascara a auréola dessa autonomia ou empreendedorismo triunfantes, comprovando que a lei do microempreendedor individual de Lula ampara e regulamenta adequadamente os profissionais nessas circunstâncias, mas jamais poderemos abrir mão das conquistas da CLT/FGTS e aposentadoria em troca da aceitação e implementação da autonomia e intermitência da reforma trabalhista que nos foi imposta, à guisa de epitáfio para o PT e para os sonhos de um país mais igualitário para todos. Não dá para aceitar esse tipo de manipulação de leitores mais jovens, que embalados por um pano de fundo inexistente acabarão até por simpatizar-se com os Kim Categuris e outros expoentes dessa extrema direita que desde as capitanias hereditárias intentam modelar uma pobreza com complexo de riqueza entre nós, capaz de optar por sangue de barata nas veias por temor do vermelho-vida que nos irriga a existência.

  8. O artigo está totalmente
    O artigo está totalmente equivocado: o microempreendedor é um empreendedor, o aumento na quantidade de vendedores de  cachorro-quente é um sinal da retomada da economia. A autora não assiste a Globo, a sábia Miriam Leitão?Creio que é preciso mesmo entender melhor a situação desses trabalhadores e a compreensão que eles têm do próprio trabalho.Lembro vagamente (li há muito tempo) do livro de Prandi, O trabalhador por conta própria sob o capital, onde mostrava a importância que este trabalhador dava exatamente a sua autonomia, não ter patrão, poder gerenciar seu próprio trabalho. Uma concepção semelhante à que encontrei, por experiência pessoal, em alguns camponeses, de dar valor a sua autonomia como produtores. Uma concepção que não pode ser desprezada, porque se contrapõe frontalmente ao controle do capital sobre o trabalhador dentro da fábrica, o despotismo do capital, como o definia Marx. Algo que o trabalhador empregado sente na pele.

  9. Autônomo

    O governo do PT deu crescimento econômico e valorização aos serviços feitos no Brasil. Estive desempregado durante todo o período de FHC e foi graças ao PT que montei uma consultora na área de mineração, e dei emprego a vários outros colegas. Casei nesse período, contratei empregada doméstica, esta comprou AP com Minha Casa Minha Vida, os seus três filhos estudando e ou trabalhando e etc. Se engana quem imagina que o PT apenas pensa na carteira de trabalho, tema que começou a valorizar pela influência do Brizola, mas sim no desenvolvimento de uma nação justa para todos, que favoreceu a autônomos como eu e também a grandes empresários nacionais. Privilegiados são os meritocráticos de alto escalão.

  10. Apesar de algumas barbeiragens aqui e ali…

    Dilma,  com  seu escudeiro Levy,   aprovou  o corte no pagamento  do ” salário-desemprego”   para  trabalhadores formais  demitidos  que  porventura tivessem  aventurado no mundo  dos  MEI… (  Mesmo que fosse  só  no  papel) !!

    Tomei  esta  cipoada  camarada, e  tive  que  ficar  quieto !!    Sacanagem de  fogo-amigo !!!

     

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