A Folha amarelou, por Carolina Maria Ruy e José Carlos Ruy

Amarelar tem o sentido popular de temer e recuar ante uma ação temerária. Ou amarelou para disfarçar suas intenções verdadeiras.

A Folha amarelou

por Carolina Maria Ruy e José Carlos Ruy

A Folha de S. Paulo está em campanha por uma democracia própria dela – limitada. É o que indica a edição de 28 de junho, que traz um caderno com o tema “O que foi a ditadura” ignorando as greves do ABC, de 1978 a 1980, que implodiram o projeto da ditadura do general Ernesto Geisel, de abertura lenta, gradual e segura.

Com aquele caderno, a Folha iniciou sua campanha “Amarelo pela democracia”, copiando a cor usada na campanha das Diretas Já de 1983-1984.

Nos dias atuais, a Folha de S. Paulo confirma igual opção pelo amarelo, usado em 1983-1984. No artigo “Publicidade usa cor amarela para expressar alegria”, publicado no dia 3 de julho, insinua o amarelo como a cor da campanha pela democracia, a pretexto de ser a cor associada A esse sentimento e usada – pasmem! – pela rede McDonald’s em sua marca publicitária. Poderia lembrar também que é a cor do pato da Fiesp, na campanha “não vou pagar o pato”, claramente patronal.

A Folha amarelou, pode-se entender. Amarelar tem o sentido popular de temer e recuar ante uma ação temerária. Ou amarelou para disfarçar suas intenções verdadeiras. Adota o amarelo que foi a cor da Casa de Lorena, de origem de D. Leopoldina, a primeira imperatriz do Brasil, e desde a Independência figura na bandeira nacional.

Amarelo que é também a cor preferida por partidos liberais como o Em Marcha! francês do presidente francês Emmanuel Macron ou, entre outros, o alemão Partido Democrático Liberal, de centro direita – que preferem o calmo amarelo. Na luta política, a Folha amarelou!

Tímida autocrítica

O jornal, em sua campanha faz uma tímida autocrítica por ter apoiado a ditadura militar. Num texto publicado no lançamento da campanha, dia 28 de junho, diz, na capa do jornal impresso:

“A censura calava a imprensa, que apoiou o novo regime num primeiro momento, caso desta Folha que errou. Este jornal viu-se rapidamente engalfinhado pelo novo sistema de poder perdendo a capacidade de reagir antes mesmo de percebê-lo. Só na década seguinte achou meios de empreender um combate, mesmo que velado e sutil, à ditadura”.

Em outro texto, assinado por Marcos Augusto Gonçalves, naquela mesma edição, diz: “Depois de ter manifestado apoio ao golpe de 1964, ao lado dos principais veículos de comunicação do país, de amplos setores das classes médias e de lideranças empresariais, o jornal emergira dos anos sombrios e silenciosos do general Garrastazu Médici inclinado a apostar nos acenos de Geisel e do general Golbery do Couto e Silva com vistas a uma lenta e gradual distensão do regime militar. Convidado pelo então chefe da Casa Civil para um encontro no Rio, antes da posse de Geisel, o publisher da Folha, Octávio Frias de Oliveira, ouviu pessoalmente do general estrategista que estaria em pauta um processo de reabertura e que a Folha teria um papel a desempenhar na diversificação da cena da imprensa paulista. Frias viu na sinalização de Golbery uma oportunidade para o jornal, que tinha suas finanças em ordem e um leitorado respeitável, mas não se media em prestígio com o concorrente local, o diário O Estado de S. Paulo”.

Na edição de domingo, dia 5 de julho, a ombudsman Flavia Lima, foi mais dura e mais honesta. No texto “A Folha e as sobras da ditadura” ela diz que a terceira versão do Manual da Redação da Folha de 1992, trazia a recomendação de não usar a expressão ditadura militar “para designar o movimento militar” ocorrido no Brasil entre 1964 e 1985. “Em manual, a mudança só veio na versão seguinte, de 2001. Os jornalistas da Folha entraram o século 21 informados de que, “em textos noticiosos, pode-se [e aqui é importante frisar a possibilidade] usar a expressão ditadura militar para designar o regime que vigorou no Brasil de 1964 a 1985”. Foi só na versão de 2018 que se assumiu de modo claro que “a expressão ditadura militar designa o regime que vigorou no Brasil de 1964 a 1985″”, diz o texto – em 2018!

Ela lembrou também do episódio vexatório em que a Folha chamou o regime militar de “ditabranda” e que em editorial sobre os 50 anos do golpe, Folha repudiou o regime militar, mas fez o seguinte adendo: “Isso não significa que todas as críticas à ditadura tenham fundamento,” lembrando o desenvolvimento econômico ocorrido sob o regime dos generais.

Qual democracia?

Mas a questão que queremos levantar aqui, embora seja agravada por este histórico, não é sobre o apoio do jornal à ditadura militar. O que queremos levantar é que, mesmo tentando passar a limpo aquele passado, sua atual defesa da democracia ainda é questionável.

O jornal deixa de lado a luta dos trabalhadores e exalta as multinacionais, manipulando a história para defender uma visão liberal (no sentido do livre mercado, “neoliberal”)  e não uma visão progressista, com base no peso e avanço das instituições democráticas.

Comparar o amarelo da democracia com o amarelo do McDonald’s é ridicularizar a luta política e tratar o leitor como incapaz.

Uma campanha desse tipo desvia o foco dos da ampliação da democracia e sugere que basta dizer-se defensor da democracia. Traz para o debate elementos de diversionismo e de alienação e esvazia o caráter político do debate.

Carolina Maria Ruy é jornalista e coordenadora do Centro de Memória Sindical

José Carlos Ruy é jornalista, escritor, estudioso de história e do pensamento marxista. 

 

Redação

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  1. A Folha faz parte da turma do mercado, logo, antidemocrática. É porta-voz do mercado e de seu interventor no Brasil, Paulo Guedes. Quem ainda não notou é cego. Ou ingênuo. Ou alienado, mesmo.

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