A Globalização e o Brasil, por Jorge Arbache

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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A Globalização e o Brasil, por Jorge Arbache

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(Coluna publicada no jornal Valor Econômico em 21 de outubro de 2015)

A economia brasileira parece estar perdendo relevância em nível global. De fato, rankings de competitividade internacional, de tamanho da economia, de densidade industrial e de complexidade econômica e indicadores de participação em cadeias globais de valor e de participação no comércio internacional, todos sugerem que a influência econômica do Brasil está diminuindo e que estamos ficando relativamente isolados.

O problema é que, na era da globalização, em que a interdependência entre as economias virou norma e só faz crescer, estar isolado tornou-se condição terrivelmente comprometedora para a promoção do crescimento sustentado.

Mas, se a participação na economia global já se mostrou tarefa difícil para nós, a tarefa provavelmente se tornará ainda mais desafiadora no futuro próximo. Isto porque a globalização está entrando numa nova etapa, esta, muito mais complexa. A nova etapa pode ser caracterizada por pelo menos cinco tendências.

Uma primeira está associada à mudança do caráter dos acordos amplos de comércio e investimentos, que deixarão de ser multilaterais para serem fundamentalmente plurilaterais. O recém-concluído Acordo de Parceria Transpacífica (TPP) já prenuncia essas alterações – para muito além de buscar comercializar mais bens, o foco dos acordos será o de estabelecer regras e padrões em nível global em áreas tão variadas como a de serviços, e-commerce, propriedade intelectual, uso de tecnologias digitais, meio ambiente, normas trabalhistas, empresas estatais e compras governamentais. Como adiantou o chefe da Autoridade de Comércio americana, Michael Froman, “viveremos no mundo do TPP”. Ao TPP se seguirão outros acordos amplos, como a Parceria Transatlântica de Comércio e Investimentos (TTIP), e setoriais, como o Acordo em Comércio de Serviços (TISA).

Uma segunda tendência se refere à perda da relevância dos bens industriais e agrícolas na agenda comercial. Seus lugares serão ocupados pelo comércio de serviços e pela propriedade intelectual. Quando medido em valor adicionado, os serviços já representam 54% do comércio global, sendo que a maior parte são serviços embarcados em bens. Até 2025, os serviços corresponderão a nada menos que 75% do comércio.

Uma terceira tendência indica que arbitragem de custos de produção está perdendo importância para determinar competitividade e atrair investimentos. Em seu lugar, assumirão a combinação entre produtividade sistêmica e novas tecnologias de produção: de um lado, alta densidade industrial e disponibilidade de serviços e fornecedores sofisticados, mão de obra qualificada, universidades e centros de pesquisa; de outro, robôs, internet das coisas, impressoras 3D e novas energias. Juntos, esses fatores estão criando um ambiente altamente produtivo e vibrante e que ajuda a explicar a racionalidade do retorno para os Estados Unidos de fábricas americanas antes instaladas na China.

Uma quarta tendência está associada à natureza dos investimentos. Embora fundamentais, investimentos em capitais físicos estão perdendo preponderância para investimentos em capitais intangíveis. Tratam-se de P&D, patentes, copyrights, marcas, design, participação em cadeias de valor e em redes de pesquisa, acesso a fornecedores, distribuidores e clientes, marketing, know-how organizacional, conhecimento tácito setorial e outras capacidades e competências críticas para a geração de valor.

E quinto, cadeias globais de valor perderão dominância para cadeias regionais de valor. Estas, se beneficiarão das novas tecnologias de produção, do aumento da participação dos serviços no valor final dos bens, do encurtamento dos ciclos de vida dos produtos, da tendência de customização do consumo, do aumento nos custos de coordenação de cadeias de produção e do aumento dos custos de transporte e da pegada ambiental. Escala seguirá sendo elemento importante, mas para segmentos específicos.

Essas tendências sugerem que a participação em cadeias globais de valor pelas vias da redução dos custos de produção e da oferta de incentivos para a atração de investimentos não garantirão a integração econômica de países em desenvolvimento nem upgrade tecnológico. O que importará, e cada vez mais, não será o participar, mas o como participar da economia global. E não importará ter indústria, mas sim a indústria que se tem. No século XXI, importará o que e o como fazemos as coisas, a capacidade de criar, de aprender, de fazer melhor, de agregar valor e de apresentar soluções novas e eficientes para problemas novos e antigos.

Ao Brasil, que chegou atrasado na atual etapa da globalização, será necessário, a esta altura, buscar atalhos e queimar etapas, se quiser se integrar e se beneficiar da economia global. Agendas como a do chamado “Custo Brasil” e mesmo a de promoção do ambiente de negócios são mais que necessárias, mas já não serão suficientes para, isoladamente, fazer a diferença. Será na combinação delas com uma ambiciosa agenda de conhecimento com internacionalização da economia que residirão as melhores chances do Brasil se integrar pela porta da frente na globalização. Fusão e aquisição de empresas estrangeiras de alto conteúdo inovativo e tecnológico e aquisição de start-ups promissoras são exemplos de atalhos ao conhecimento e a ativos intangíveis valiosos.

Infelizmente, as condições da economia e da governança global já não são tão flexíveis como as de antes e há, compreensivelmente, uma clara tensão para o Brasil entre aceitar a globalização como ela é e buscar alternativas para o nosso crescimento. Mas, a esta altura, é preciso se reconhecer que as estratégias de integração internacional que perseguimos por anos foram frustrantes e nos mantiveram à margem da economia global, notadamente por equívocos de avaliação e de implementação.

Os desafios da integração do país ao resto do mundo, que já eram imensos, aumentarão ainda mais, o que requer, apesar da crise doméstica em que estamos metidos, senso de urgência, incomum capacidade de elaboração e de implementação de política, muito foco no uso dos recursos escassos e coragem para se tomar decisões.

Jorge Arbache – Professor of Economics at the University of Brasilia

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

4 Comentários

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  1. bla-bla-bla cheio de ideologia rasteira

    que deve ter interessado os leitores de “Valor Econômico” (Globo + FSP), mas  terrivelmente vazio.

    Os textos do nosso AA são mil vezes mais interessantes.

    Mas tem o terrível defeito para Globo, FSP e sócios menores de ter sua origem num projeto de nação.

  2. Quero ver quem vai comer

    Quero ver quem vai comer “propriedade intelectual” daqui alguns anos, com o clima cada vez mais alterado e a produção agrícola comprometida.

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