A histórica briga de Lula contra TINA, por Márcio Venciguerra

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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A histórica briga de Lula contra TINA

Escolhido presidente honorário da juventude do Partido Trabalhista inglês, o líder brasileiro passou a ser preso político por comprovar que outro mundo é possível

por Márcio Venciguerra

Nesta semana, a seção de jovens do Partido Trabalhista inglês nomeou Luiz Inácio Lula da Silva como seu presidente honorário. Não se trata de uma honraria personalista, como podem pensar alguns ao ver a nota do Young Labour, que o coloca na boa companhia de Marcos Ana e Nelson Mandela. “Lula é uma figura imponente do movimento trabalhador mundial e um ataque a ele é um ataque a todos os socialistas e democratas em todo o planeta”, diz a nota dos jovens trabalhistas ingleses. “Ele deve ser libertado”.

A escolha de Lula pela juventude trabalhista é mais um sinal de repúdio à terceira via, de uma Inglaterra que finalmente começa a retroceder nas privatizações de serviços públicos da Era Neoliberal (dos primeiro ministros Thatcher, Blair, Brown et caterva).

Trata-se também de adesão ao movimento brasileiro que, na virada do século, dava ao planeta a única bravata socialista a se opor à TINA – a palavra de ordem do consenso de Washington, abreviação de uma frase atribuída a Margareth Thatcher: “There Is No Alternative” (Não há alternativa).

Tem alternativa sim, Washington, já que “Outro Mundo é Possível”.

Logo após ser eleito pela primeira vez, em 2003, o presidente Lula foi ao Fórum Social Mundial, para comemorar a faixa com os seus amigos que reforçavam esse bordão anti-TINA.  

Em seguida, Lula deixou o verão gaúcho, para ir visitar os militantes da internacional capitalista, encastelados no inverno suíço. Pragmático, sem perder a ternura, justificou a ida ao Fórum Econômico Mundial ao se assumir como o maior caixeiro viajante do Brasil. Atividade econômica seria necessária para distribuir renda e acabar com fome.

E, é claro, Lula aproveitou para provar o quanto era capaz de dialogar. Ele se vangloriou, à época, de ser “o único ser humano” capaz de ir às principais reuniões das duas maiores utopias em conflito. E, ainda por cima, ser recebido como estrela nas duas.

Não ficou só na conversa. Nos anos seguintes, o Brasil deu o mau exemplo de matar a fome e mostrar ao mundo como isso é possível. Zerou a miséria, mesmo quando o Hemisfério Norte chorava pitangas da crise financeira e imobiliária, com o programa Brasil Carinhoso.

Lembrar-se desse tempo não é bom só para incutir algum otimismo. É fundamental também para entender o jogo hoje, quando quase ninguém mais acredita piamente em TINA.

O tsunami de 2008 tirou a razão dos mercados, mas não seu poder. Os bancos aumentaram a dívida pública dos países ricos e os mergulhou nas políticas de austeridade. Ao invés da regulamentação do financismo, houve um arrocho global sobre a classe trabalhadora. Continuam pedindo sangue, suor e lágrimas.

Por isso, a marolinha brasileira tem de ser transformada numa tempestade perfeita, para esquecer que outro mundo é sim, possível. Especialmente porque a alternativa não requeria sequer sangue. Apenas suor e suco gástrico (para digerir as tais três refeições diárias).

TINA vencia em 2003  – Na virada do século, TINA era tão convincente que alguns até fecharam seus partidos comunistas e abriram o PPS. Outros esqueceram o que escreveram e endireitaram seu partido social tucanocrata.

O “Outro Mundo Possível”, proposto em Porto Alegre, era também impossível do ponto de vista dos trabalhistas e socialistas europeus, engajados em fazer o Euro. Ou dos democratas norte-americanos, empenhados em fortalecer o império e sua máquina de guerra – situação que culminaria com um prêmio Nobel da Paz (Barack Obama) mandando matar gente on line, via satélite e a golpes drone, escondido nos porões da Casa Branca (quer dizer, sejamos justos, num bunker high tech com ar condicionado, poltrona e café expresso).

Na Inglaterra, então, a terceira via era digna de pena. Tony Blair colocara gurus da Andersen Consulting (aqueles caras que fizeram vistas grossas ao escândalo da Enron, gigante fraudulenta do setor elétrico) no lugar do pessoal da Sociedade Fabiana.

Fundada, entre outros, por Bernard Shaw, Bertrand Russell e HG Wells, a entidade de intelectuais deveria repetir a carreira de um famoso mediador político da Roma Antiga (Fabiano), para fazer frente à oligarquia sistematicamente. Em menos de um século, essa estratégia acabou substituída no espectro político inglês pelo pessoal do mercado de palestras e lideranças políticas anti-sindicais e pró-banqueiros entre os trabalhistas.

Para dobrar esses marxistas mais flexíveis e dar autoridade aos neoliberais de cátedra, a TINA foi recheada com algum lero acadêmico pelo Francis Fukuyama, que passou o recado numa linguagem que quase só os marxistas entenderam direito: a história havia acabado. Não significava que as coisas iriam parar de acontecer, mas que o historicismo hegeliano, a sucessão de modos de produção, terminara com o estabelecimento do Estado liberal capitalista e não com o comunismo descrito por Marx. Francis chegou ao ponto de escrever um livro dizendo que isso só não seria assim se a biotecnologia mudasse a humanidade (O Futuro Pós Humano).

Para quem gosta de Jornada nas Estrelas, TINA é igual ouvir a Rainha Borg anunciar a fila da assimilação pelo sistema, porque qualquer resistência seria inútil. “Resistance is futile”, dizia a Thatcher extra terrestre, de colante preto, com a pretensão de invencível. Os Borgs, como os yuppies da vitoriosa City ou Wall Street, são uns seres que perdiam os sentimentos ao se ligarem em rede pelo computador. Máquinas de massacrar no controle das mesas de operações.

Enfim, uma boa ameaça e a eficiência da moedora carne dos mercados para manter Estados no cabresto curto. Como bem explicou o especulador George Soros, o povo vota a cada quatro anos e os financistas, todos os dias. Governos se curvavam e, se alguém dissesse algo, era só lembrar da queda do muro em Berlim. Enfim, já estavam apelando até para o tal “argumento de autoridade”.

A arte de desqualificar o opositor, uma das melhores táticas listadas por Schopenhauer para ganhar uma discussão mesmo sem ter razão. É igual ao “você-não-vai-começar-com-isso-de-novo” do cônjuge  contrariado; ou aquele surrado “eu-também-já-pensei-assim”, que torna seu interlocutor de bar num fóssil vivo, por não ter mudado de ideia frente às evidências.

Só que o “fim-de-papo” de Fukuyama teve as pernas curtas evidenciadas pelos fatos da vida e não o debate ou ideologias. Os argumentistas neoliberais não combinaram com os islandeses (que criaram uma caixa de eco para riscos), com os monges gregos (que vendiam até loteamento até sobre lagos, com ajuda do garoto propaganda Julio Iglesias), com os construtores irlandeses (que ergueram prédios sem hidráulica ou fiação porque sabiam que ninguém compraria mesmo), ou com os maravilhosos de Wall Street e seus fantásticos papagaios voadores.

Que grande surpresa: “Nossa! A turma aproveitou a falta de regulação para cometer fraudes ao invés de fazer girar um mundo perfeito e redondinho”, diria eu se incauto fosse. “Será que não leram Karl Popper?”

Ao invés da democracia liberal estável, os neoliberais colocaram o mundo numa situação bem diferente. Mas os céticos do mercado previram e sabem reagir a isso. Basta ver os investimentos feitos por Kyle Bass, um dos especuladores que lucrou com a quebra bancária de 2008. Desde então, ele acumula armas, um forte no Texas cercado de terras contínuas com mananciais próprios e também metais (ouro e outros que podem ser estocados facilmente e têm valor intrínseco). À reportagem da Vanity Fair, Bass diz esperar uma guerra civil, porém, está tranquilo no seu feudo.

 

Terceira via não resistiu a 2008 – Se os gananciosos continuam bons predadores, o mesmo não se pode dizer da terceira via. A política deles esmoreceu morro abaixo. Mas são maus perdedores, como comprova o ciumento FHC e rancorosa Hilary Clinton e todos os outros que se esforçam para continuar com a cara de inteligente.

Tudo porque a terceira via não conseguiu construir a “teoria de campo unificada da vida”, sonhada por Hilary Clinton em 1993. Para ela, a nova solução só seria encontrada se fosse possível: “casar o conservadorismo e o liberalismo, o capitalismo e o estadismo, e unir praticamente tudo aquilo que somos e que fomos: os defeitos do homem e a palavra de Deus, o fim do comunismo e o começo do terceiro milênio, o crime das ruas e em Wall Street (a lista de fusões não parou aqui, mas isso já basta para perguntar que tipo de colírio esse pessoal da terceira via estava usando para ter visões, enquanto as mãos teciam a rude rotina de desregulação desenfreada).

Ao contrário dos desregulados do Atlântico Norte, aqui no Atlântico Sul se pensava em comer todos os dias. E quem sabe também botar a criançada para estudar e descobrir petróleo. Era só saber reconhecer a verdade, sem pós-modermismos totalizantes (ou tolos). Mas isso exige ultrapassar cinco dificuldades listadas por Bertolt Brecht para se dizer a verdade. Não só faltou a (1) coragem de dizê-la, mas também se esforçaram para sufocá-la; Sobre a (2) inteligência de a reconhecer, nem se fala. Quanto às outras três não estavam nem um pouco interessados em deter o ovo da serpente. (quem tiver curiosidade, leia esse libelo antifascista de 1936: As cinco dificuldades de dizer a verdade )

Bem, para concluir, vou citar o poeta: “As épocas de extrema opressão costumam ser também aquelas em que os grandes e nobres temas estão na ordem do dia”, dizia Brecht. Em tais épocas, quando o espírito de sacrifício é exaltado ruidosamente, precisa o escritor de muita coragem para tratar de temas tão mesquinhos e tão baixos como a alimentação dos trabalhadores e o seu alojamento”.

 

Lourdes Nassif

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