A impressão de moeda não causa inflação (necessariamente), por Paulo Gala

Para economistas de corte mais keynesiano, a moeda tem efeitos reais na economia, ou seja, é capaz de afetar nível de produção, emprego e renda. Para economistas da linha neoclássica a moeda tende a ser neutra, especialmente no longo prazo.

A impressão de moeda não causa inflação (necessariamente)

por Paulo Gala

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Uma das grandes controvérsias entre economistas até hoje diz respeito à chamada questão da neutralidade da moeda. Para economistas de corte mais keynesiano, a moeda tem efeitos reais na economia, ou seja, é capaz de afetar nível de produção, emprego e renda. Para economistas da linha neoclássica a moeda tende a ser neutra, especialmente no longo prazo. Quer dizer, injeções de moeda no sistema apenas causam inflação, não alterando o curso das variáveis reais. Esse, alias, foi o grande ponto da revolução keynesiana. No seu primeiro livro, Treatise on Money, Keynes acreditava ainda na visão quantitativista da moeda MV=PQ, onde M é a quantidade de moeda, V é a sua velocidade de circulação, P nível de preços e Q nível de produção.

Segundo essa visão, V tende a ser constante, logo aumentos de M causam aumentos de P, para um mesmo Q. Um dos grandes passos intelectuais de Keynes foi romper com essa visão, ao perceber que V poderia ser muito volátil, ou seja, a velocidade de circulação da moeda poderia variar muito devido a mudanças nas preferências da demanda por liquidez. Na Teoria Geral, Keynes desenvolve a idéia de preferência pela liquidez. Procura demonstrar os motivos para se demandar moeda e liquidez em determinadas situações econômicas. E aqui entra seu conceito de incerteza. Na presença de uma ignorância muito forte em relação ao futuro, um ativo ultra líquido (moeda) é capaz de oferecer proteção aos portfólios dos investidores. Ou como diz Keynes: ‘our desire to hold money as a store of wealth is a barometer of the degree of our distrust of our calculations and conventionsconcerning the future … The possession of actual money lulls our disquietude; and the premium which we require to make us part with money is the measure of the degree of our disquietude’.

Nesse sentido a moeda entra na economia de modo não neutro pois se constitui num dos principais ativos do jogo capitalista. A quebra da estabilidade de V  na equação quantitativa da moeda faz com que os efeitos da moeda em preços, produto e inflação passem a ser muito mais imprevisíveis. Vejamos a seqüência de gráficos abaixo da economia americana que ilustram bem essa questão. O primeiro gráfico mostra a explosão do balanço do FED. Com o estouro da crise de 2008, o Banco Central americano triplicou a base monetária, que saiu de U$800bi para mais de U$2tri. Onde foi parar essa dinheirama? Em termos keynesianos, a demanda por liquidez explodiu dado o enorme aumento de incerteza, logo todos agentes econômicos (bancos, famílias, empresas) reconverteram seus portfólios para posições mais liquidas, aumentando sua demanda por moeda. Podemos ver isso nos dois gráficos abaixo que mostram um grande aumento de M1 (moeda + depósitos a vista) e reservas de bancos. A moeda foi parar no caixa das famílias, bancos e empresas.

Surgiu então um empoçamento de liquidez generalizado. Os bancos não emprestam e as famílias e empresas mantém seus recursos em caixa. Toda a injeção do FED não se converte em crédito e impulso econômico. Podemos ver isso também a partir da evolução dos agregados M2 que abrigam depósitos a prazo e podem indicar a dinâmica do crédito.

A velocidade de circulação da moeda V e os multiplicadores monetários despencam como também podemos ver nos gráficos abaixo. Onde isso tudo nos leva? A primeira questão mais evidente é que os efeitos da expansão monetária em termos de emprego, renda, crédito, etc… tem sido muito baixos. O dinheiro esta todo empoçado, sem conseguir acelerar a economia. Os riscos inflacionários por enquanto são baixíssimos e aqui voltamos à discussão sobre a neutralidade da moeda. Para economistas neoclássicos, a transmissão de moeda para preços tende a ser automática sem mediação do sistema econômico, daí o temor inflacionário. Para keynesianos, existe todo um circuito de mediação de moeda para crédito, para atividade econômica, para emprego, para, enfim, chegar aos preços. Logo, dessa perspectiva, estamos ainda longe de um processo inflacionário ameaçador provocado pelo expansionismo monetário do FED. Com desemprego em 9%, crescimento medíocre e crédito estagnado é difícil vislumbrar preços aumentando fora de controle. Fiquemos atentos aos dados de agregados monetários da economia americana. Por enquanto a mensagem é de que a economia continua doente. Os estímulos devem permanecer por ainda algum tempo.

Redação

3 Comentários

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  1. Li somente o texto, não me detive na análise dos gráficos.
    Dito isso, pergunto se não faltou, no texto, algum comentário ou consideração sobre a possibilidade de que uma parte da liquidez oferecida ao mercado americano ter ido para fora dos EEUU.
    Parece-me que isso, se tiver ocorrido, atenuaria os efeitos internos nos EEUU. Ou não?

    1. Os $4 trilhões em liquidez criados pelo FED se transformaram em $70 trilhões em débito. Grande parte gerado por corporações fora dos EUA com débitos denominamos em dólares! Daí a origem da escassez de dólares no mercado global!

  2. Ótimo artigo. Sugiro uma comparação da crise de 2008 e de 1929, o que explica muito da visão de Keynes naquele momento e de certo deu origem a muito de seu pensamento. O Quantitative easing não inundou o mercado de dólares que entraram em circulação. Ao contrário, parece que entraram com V=0. Foi isso?

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