A (mágica) Orquestra Mundana Refugi em Ubatuba, por Mariana Nassif

A Orquestra vem carregada de política, seja nos discursos durante o show, seja ao abrir espaço para que as diversas culturas que compõem aquele cenário mágico se apresentem

A (mágica) Orquestra Mundana Refugi em Ubatuba

por Mariana Nassif

Dois dias antes, estava eu ansiosa e apressada para chegar em tempo ao Teatro Municipal de Ubatuba, onde houvera, naquela noite, a apresentação da Orquestra Mundana Refugi – conseguimos os ingressos e apreciamos uma das apresentações mais marcantes sensorial e musicalmente e, vim a saber mais tarde, a impressão foi geral: do público aos artistas, todos soubemos que estávamos presentes em um espaço de tempo precioso, ali, naquelas poucas e intensas horas de troca. Valeu, Fabi e Pati, adupé!

Na noite do domingo passado, programadas estávamos, eu e as amigas, para uma espécie de ritual de passagem (mais um deste último ano, que vibe, pessoal…) que envolvia uma casa na montanha, bebidas e lanche, além da festividade acerca da mudança de meu estado civil, claramente uma piada interna de extremo humor e acidez, visto que aos quase 40 chega a ser ridículo amenizar as questões que envolvem juntar os trapos com alguém. É barra, sim, tem bagagem pra caralho, sim e ainda assim, sim, aceito. Não é toda hora que um buquê de bruxa desvia e cai nas suas mãos, oremos, pois.

Uma pausa. Acho que antes de continuar a leitura, vocês merecem desfrutar uma das sonoridades deliciosas da Orquestra:

Eis que era um dia de sol e acabamos alterando os planos e ficamos na varanda mais acolhedora de Ubatuba, até que a tempestade chegou. Ventos fortes e mar mexido, quem é que disse que Iansã não daria o ar da graça? Celebrantes que estávamos, continuamos como se aquilo fosse brisa – proseando e bebendo como se nada houvesse. Soubemos, mais tarde, que aquela foi uma das tempestades mais severas e tristes dos últimos tempos.

Um dos assuntos que não saíram da pauta foi o espetáculo de dois dias antes. Estávamos impactadas, felizes, comemorando a possibilidade de termos contemplado aquele momento e, então, particularmente, eu andava carente de um impulso leve e forte como este, um show de emoções e reencontros, resgates que se fizeram necessários enquanto me esforçava pra sair do lamaçal que se formou ao meu redor enquanto eu desaguava, bem, pra dar conta de recrutar tamanha energia, inventei de entrevistar o Carlinhos Antunes e voltar com maturidade e alegria pra este espaço. Precisava compartilhar a esperança que ali foi plantada – são tempos difíceis e a arte, olha, a arte salva.

Quem tem amiga boa tem tudo e em menos de quinze minutos após a decisão, Carlinhos estava sentado à mesa, falando livremente e em tom ácido sobre política, refugiados, musicalidade e projetos que têm prazo pra findar, incluindo o casamento. A Orquestra Mundana Refugi reúne 22 pessoas, entre artistas brasileiros e refugiados, e se apresenta há dois anos nesta formação. A validade desta operação aparentemente será de cinco anos, segundo as previsões daquele que deu andamento ao propósito de oportunar crescimento musical para artistas em desenvolvimento.

Carlinhos refuta o papel de acolhimento que toma conta de nós quando nos deparamos com refugiados, pela enorme sensibilidade do status: se atenta em desenvolver a musicalidade e o profissionalismo destas pessoas e tem alto nível de exigência artística frente às entregas. Insisto em questionar o papel paterno, de cuidar dessa gente sofrida, e ele reage com força, se dizendo atento à pessoa, entretanto mais focado no artista. “Enorme parte destas pessoas não ganhava a vida com artista em seu país de origem”, disse ele. Realmente, desenvolver esta capacidade é uma meta também bastante sofisticada. Promover liberdade por meio do ofício, Carlinhos, é algo que só um mestre sabe fazer. Axé!

É evidente, ainda, que a Orquestra Mundana Refugi vem carregada de política, seja nos discursos durante o show – que aqui em Ubatuba foram amenos, “reconhecemos uma plateia quando ela é nossa e, então, de certa forma não nos sentimos tão impelidos em provocar pensamento, tão entrosados que estamos” – seja ao abrir espaço para que as diversas culturas que compõem aquele cenário mágico se apresentem para os olhos e ouvidos emocionados do público. “O Brasil está cada vez mais difícil para o artista. É uma audácia alguém se organizar desta forma e querer viver de música”. Desabafa o desânimo frente ao Brasil de agora e, ao mesmo tempo, acredita na reviravolta, mesmo que complexa e demorada. Haja esperança, até mesmo e inclusive nestes projetos que têm prazo definido para acabar.

Preciso contar que a noite do espetáculo envolveu pequenas e deliciosas surpresas também: um leitor deste blog me chamou e disse que lia meus artigos, “volte a escrever”, envaideci e fez par ao desejo de retomar a vida com força e, ainda, quando comentava com um rapaz que conheço daqui e que é amigo de minhas primas de Poços de Caldas sobre a vontade de abraçar aquele povo todo, eis que sim, abraço a iraniana que entrava no ônibus logo atrás da gente. Poder e magia, ativar! Lembrou sobre como é, sabe, aquele suspiro de “ai, a vida”?! Força pra seguir, seguimos.

Este encontro aconteceu sob olhares e interferências inteligentes e afetuosas, como a da Maria, de seis anos e meio, que está produzindo vestidos desenhados com dedicatórias com suas primeiras letras. Maria foi uma das crianças que também se encantou com a Orquestra e degustou pacientemente cada ressoar musical, sensorial e necessário que se fizeram presentes enquanto eles tocavam. Reviver estas sensações naquele terceiro momento-encontro e ainda durante a semana com as postagens dos amigos que traziam de volta ondas de alegria e, agora, ao escrever este texto, faz pulsar uma sensação parecida com a de casar e viver tão junto de alguém depois de longos anos redefinindo bordas, uma vontade de que não tenha prazo para findar e que sim, mesmo que por enquanto, vez ou outra, num dia de sol que vira tempestade e então, porque a vida é boa e a gente acaba fazendo escolhas pra enfeitar o passeio por aqui, termine assim, numa noite de domingo cercada de gente amada, pensante e musical, surpreendentemente de presente num dia que ainda não teve fim.

Mariana A. Nassif

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