A mídia é refém da caricatura que fez do PT e de Lula, por Ricardo Amaral

Uma das maiores limitações da mídia brasileira é acreditar no que publica, além de não ler a divergência e se enredar nas próprias realidades virtuais

Foto: Reprodução

A mídia é refém da caricatura que fez do PT e de Lula

Por Ricardo Amaral *

 

Uma das maiores limitações da mídia brasileira é acreditar no que publica; uma imprensa que não lê a divergência, para não mencionar os fatos, e se enreda nas realidades virtuais que vai criando. É o caso dos artigos de Ascânio Seleme, no Globo de 11 de julho, sobre “perdoar” um PT que a maior parte da mídia criou para ser odiado, e de sábado (18), em que um outro PT é criado para receber o perdão que nunca pediu. Os PTs ali retratados são criações fictícias como enredos de novela, com a diferença de que estes são mais próximos da vida real.

O primeiro artigo parte de uma constatação rara em nossa imprensa, a de que o país em crise profunda não vai se reencontrar excluindo um terço da população, a parcela identificada com Lula e seu partido. Mas não extrai desse fato a consequência que estaria ao alcance da própria Globo: levantar a censura imposta ao PT e a Lula pelo maior grupo de comunicação do país. Seria o gesto imprescindível para restabelecer o debate democrático, mais eficaz que a arrogante oferta de perdão a quem sofreu a maior campanha de destruição de imagem já feita contra um partido e seu líder.

O PT e o Lula excluídos da Globo e do debate foram forjados nas 13 horas de notícias negativas somadas no Jornal Nacional entre janeiro e agosto de 2016; o julgamento midiático que antecedeu a denúncia do powerpoint em setembro. O “tríplex do Lula” nasceu numa notícia falsa e jamais corrigida do Globo, em dezembro de 2010, e transformada na última hora em “prova” da denúncia frívola (“Tesão demais essa matéria de O Globo. Vou dar um beijo em quem de vocês achou isso”, registrou Deltan Dallagnol nos arquivos da Vazajato). Foi pela Globo que Sergio Moro fez a diferença, vazando o grampo ilegal da presidenta Dilma em 16 de março de 2016

Diferentemente do que diz o artigo deste sábado, o PT não foge do assunto Petrobrás: denuncia a manipulação dos processos e o acobertamento da corrupção tucana, confessada desde Pedro Barusco, o pai das delações. Nem diz que o mensalão foi inventado pela mídia: denuncia a pressão que ela exerceu sobre um STF que julgou “com a faca no pescoço”. Tampouco o PT defende o “controle popular” da mídia, mas a regulamentação dos artigos 220 a 240 da Constituição, que não interessam à Globo e seus associados regionais porque estabelecem diversidade, pluralidade, respeito às identidades étnicas e regionais nas concessões de TV. Coisa de outro mundo.

De fato, o PT da Globo e da maioria da imprensa é uma longa criação, para a qual contribuem fragmentos da realidade, mitos, preconceitos e, obviamente, os erros cometidos em 40 anos de uma trajetória que jamais foi objeto de debate equilibrado na mídia. E não seria agora, porque essa narrativa histórica, com perdão pela palavra gasta, justificaria outra, terrivelmente atual, de que a rejeição ao PT seria responsável pela ascensão de Bolsonaro. Como se a mídia não fosse acionista fundadora da indústria do antipetismo que a tantos propósitos tem servido, inclusive o de explicar sua responsabilidade no golpe de 2016 e no processo eleitoral de 2018.

A imprensa daria um grande passo se criticasse o PT pelo que o partido realmente é, não o que ela gostaria que fosse. Da mesma forma que Sergio Moro e a Lava Jato tornaram-se prisioneiros da farsa judicial que criaram para condenar Lula (e eleger Bolsonaro), a maior parte da mídia é refém da caricatura do PT que ela desenhou e não consegue apagar nem mesmo para permitir o inadiável reencontro do país com a normalidade. E por isso tem de desenhar, volta e meia, um PT que não seria nem o real nem sua caricatura, nem sua direção nem sua militância, mas um partido domesticado e livre dessa ideia radical de acabar com a desigualdade no Brasil.

Só que não existem dois PTs, como não existem duas Globos. No PT convivem e podem divergir Lula, Gleisi Hoffmann, Fernando Haddad, Eduardo Suplicy, Rui Costa e Benedita da Silva, mas, diferentemente da Globo, onde também convivem divergências, o PT não tem dono. A Globo tem. E é ele (ou eles) quem define o que é o que é não é notícia, como fazia Roberto Marinho, quem pode e quem não pode falar no JN. É quem não admite o PT no jogo político. Um país com milhões de excluídos precisa, sim, de uma esquerda forte, mas precisa também de uma mídia plural e democrática, coisa que a Globo não é, nem mesmo como caricatura.

 

*Ricardo Amaral é jornalista assessor do PT e do ex-presidente Lula, foi repórter e colunista de O Globo, do Valor e da Revista Época

Redação

12 Comentários

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  1. O problema de nossa pretensa elite é,e sempre foi,seu caráter corrupto e de compadrio. De posse dessas informações,e os falcões do norte são mestres nesse tipo de espionagem,aliado a completa falta de caráter e de nacionalismo dessa gente,ficou fácil a realização de movimentos contrários ao país e contra quem o defendia através das mais baratas das chantagens.
    Como nossa pretensa elite é reduzida,ficou muito fácil administrar a derrubada de um governo popular e iniciar o desmonte total do país.
    Nossa queda,que iniciou-se com ação externa,parece que somente será resolvida também com outra ação externa, e essa depende da queda do império que,ainda que irá ocorrer,não tem sua data de validade demarcada.

  2. Parabéns pela excelente matéria.
    A globo achou que era fácil matar um partido que foi criado por uma classe. Esqueceu que o PT é muito maior que uma simples sigla partidaria. Agora paga o preço caro de ver até a propria elite que muitos benefícios recebeu, bater forte e criticá-la.

  3. Também assino embaixo o texto exemplar de Ricardo Amaral.

    Ricardo Amaral acerta em cheio ao descrever o grande pecado do PT desde sua fundação, ” … essa ideia radical de acabar com a desigualdade no Brasil”.

    Extirpar este pecado é a condição imposta pelos donos das Organizações Globo, para que o partido possa ser readmitido no debate democrático domesticado, sob a batuta daquela empresa.

  4. Parei no “O PT e o Lula excluídos da Globo e do debate foram forjados nas 13 horas de notícias negativas somadas no Jornal Nacional entre janeiro e agosto de 2016”

    Estava até gostando. A idéia de que a mídia criou espantalhos pra bater e perdoar é correta (a Gleisi Hoffman até que acertou em cheio nessa).

    Mas aí, dizer que a coisa foi forjada em 2016…

    O PT, PT, PT jamais foi um partido revolucionário. Porém, sempre foi tratado aa base dos mesmos preconceitos da guerra fria, ao longo de TODA transição e de TODA nova republica.

    Em resumo, o maior erro dos petistas e de seus ideólogos é achar que existe grande diferença no seio da aliança entre os neoliberais e fascistas. Como o insuspeito Mourão falou, o boçalnaro é somente “mais físico” que intelectual. Ou seja, são feitos da mesma lama, do mesmo barro antissocial, só o que muda é o tempo de cozimento.

    O resto é disputa pela “cabeça de chapa” do bloco reacionário.

    Esse é o conteúdo estratégico da aliança.

    Do ponto de vista tático a direita wue se diz “liberal” faz um gesto teatral de estender a mão, de “perdoar” “a esquerrrda”, enquanto mantém sobre a mesa (nem na gaveta está) uma açao judicial que visa proscrever de vez o Partido dos Trabalhadores.

    Os petistas que abram o olho. A ausência de qualquer sutileza no gesto deve acender todas as luzes.

  5. “Wishful thinking” global:
    Tem dois PT.
    Um que me obedece. Esse eles estão querendo construir…
    E outro independente (que não atende minha vontade de enriquecer servindo a 20% da população brasileira e aos interesses geopolíticos dos EUA e do capital financeiro internacional).

  6. O PT segue sendo o que nunca deixou de ser: o exército do Lula.
    Foi para isso que o PT foi fundado e é para isso que o partido existe: saciar o EGO colossal de seu único líder.
    Esquerda no Brasil hoje é PSOL.

  7. A mídia hegemônica brasileira é porta-voz do mercado, antidemocrático e parasita (suga nossas riquezas sem colaborar em quase nada). Lula e o PT representam o oposto. Como, no ordenamento democrático de direito, era impossível ao mercado assumir, pelo voto, o poder absoluto almejado, só restava destruir, via mídia, a imagem do maior opositor. Serviço completado, chegamos ao estágio atual. O mercado, absoluto no poder DE FATO, nomeou até um interventor, Paulo Guedes, para o que lhe interessa, a política econômica. E vai em frente, sem qualquer reação das vítimas, ainda iludidas com a caricatura tão bem lembrada no artigo.

  8. assino embaixo, mas é preciso aprofundar a questão – porque o fascibuque na pg. inicial do aplicativo esse tipo de matéria?

  9. Esqueçam a Globo! Mais do que nunca, faz-se necessário que o PT deixe de se portar como vítima e passe a agir como operador de instrumentos de comunicação de massas. Um primeiro passo seria a criação do Gabinete do Bem para encetar a luta ideológica nas redes sociais, área exclusiva de criação e recriação de bovinos.

    Uma transmissão de fakenews do miliciano planaltino é reverberado para milhões de bovinos no youtube, whatsapp e demais mídias sociais. Se observarem a quantidade de pessoas que assistem aos diversos meios de comunicação da esquerda em geral, e os do PT, em especial, é risível.

    A engenharia de comunicação de massas pode ser usada para a manipulação, o que é feito com maestria pela Globo, através dos canais de comunicação tradicionais, e pela direita fascista, através das mídias sociais. A esquerda precisa utilizar as mídias sociais para passar sua mensagem, com a versão da verdade, a milhões de brasileiros, não a poucos milhares. Só para exemplificar, o Canal da Resistência do PT, tem um público médio abaixo de 5.000 pessoas. É isso mesmo, cinco mil, não milhões. Uma transmissão do miliciano situa-se na casa de milhões e visualizações. Este é um ambiente de guerra, não de simples comunicação.

    Acorda, PT!!!!!
    #ExercitoGenocida.
    #ExercitoElegeuBandido.
    #EraMuitoMelhorComPT.

  10. O problema é que a esquerda e a direita querem acabar com a Globo. Isto supostamente nos leva a meditar sobre o velho lema do submundo : o inimigo do meu inimigo é meu amigo.Isto é verdade?

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