Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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A narrativa do ataque ao Porta dos Fundos: tão conveniente quanto uma false flag, por Wilson Ferreira

As "false flags" assumiram um novo aspecto ao serem incorporadas às guerras extensivas por meios não convencionais: guerras híbrida e criptografada

Por Wilson Ferreira

Frequentemente ridicularizadas como “teoria da conspiração”, na atualidade as chamadas “false flags” (“Operação Bandeira Falsa”) assumiram um novo aspecto ao serem incorporadas às guerras extensivas por meios não convencionais: guerras híbrida e criptografada. Adquirem um novo estilo, agora irregular, como “operações psicológicas” (psy ops). Os três movimentos do xadrez do ataque à produtora da trupe de humor “Porta dos Fundos” (ataque, vídeo, e rápida identificação do “terrorista”) revelam muitos elementos similares aos não-acontecimentos dos ataques “terroristas” de Paris, Nice, Berlim, Londres, Estocolmo etc. nos últimos anos: sincronismo e timing, dilema midiático e consonância, rastros deixados para a identificação do “terrorista”, iconografia do terror e ambiguidade. A polícia investigará tudo para criar a narrativa conveniente. Menos uma coisa: o rastro do dinheiro. 

Operações chamadas de bandeiras falsas (false flags) são (pseudo)eventos conduzidos por governos, corporações, indivíduos ou outras organizações para, através do impacto resultante da saturação midiática, responsabilizar um inimigo ou opositor para lucrar politicamente das consequências.

Essa hipótese é frequentemente ridicularizada como “teoria da conspiração” por ser excessivamente paranoica e provocadora de medos irracionais. Às vezes com razão. Mas muitas vezes justificada quando sabemos que há uma procedência histórica de episódios bastante discutidos por historiadores como o incêndio do Reichstag e a ascensão do nazismo na Alemanha em 1933 ou a documentada “Operação Northwoods” nos anos 1960 que pretendia reunir apoio a uma guerra dos EUA contra Cuba – os planos iam desde explodir navios da Marinha dos EUA até sequestrar aviões comerciais e derrubá-los, fingindo a morte de civis nos EUA – clique aqui.

Na atualidade, com os avanços tecnológicos que permitem ataques cibernéticos furtivos e técnicas de propaganda generalizadas, as false flags adotam um estilo irregular que se enquadram nos conceitos de “operações psicológicas” ou “psy ops”.

False flags foram incorporadas a estratégias mais extensivas de guerras por meios não convencionais – híbridas e criptografadas – através do bombardeio de informações dissonantes, contradições, desmentidos, provocações, desmentidos com o objetivo de saturar, isto é, ocupar a pauta midiática que reporta tudo pela narrativa do “governo polêmico” ou das “controvérsias”…

Desde o início, a estratégia de propaganda de Bolsonaro nunca seguiu o script de uma comunicação “civil” – relações públicas, publicidade, gestão de imagem etc. Segue o estilo de uma campanha militar de guerra, cuja logística objetiva causar desorientação, derrotar a vontade do oponente pelo medo, confusão, dissuasão.

Esse é o princípio da guerra moderna – sirenes acionadas, voos rasantes de aviões, mobilizações contínuas e constantes são mais eficazes que bombas reais – são bombas semióticas que causam pânico, desorientação pela fragmentação da percepção.

Também sabemos que o atual governo tem dois objetivos muito claros depois de um ano no poder: impor o receituário econômico neoliberal e apertar o gatilho do fechamento político do regime – fim do pacto com setores médios e pobres e da própria democracia liberal, além do governo ter plenos poderes para a contenção da insatisfação e violência das massas. Os dois objetivos estão intrinsecamente ligados e mutuamente dependentes.

Mas apesar da natureza imprevisível e propositalmente confusa da guerra criptografada, podemos encontrar uma regularidade, uma narrativa, um modus operandi – ambiguidade, coincidências, sincronismos, timing, iconografia, ou seja, há um método no caos: uma sistematicidade de movimentar os peões dos acontecimentos, liberar as informações para ocupar a pauta midiática e impactar opositores e a opinião pública, fazendo o adversário se movimentar sempre de forma reativa num tabuleiro com as casas previamente minadas.

Em postagem anterior discutíamos como o ataque à produtora da trupe de humor “Porta dos Fundos” foi mais um movimento do peão de acontecimentos cujo segundo movimento foi a divulgação de um vídeo propositalmente tosco e mal produzido (para emular os vídeos dos terroristas islâmicos cinematográficos e reais) de uma tal de “Comando de Insurgência Popular da Família Integralista Brasileira”.

Nesse segundo movimento estavam evidentes a lógica de um não-acontecimento false flag: ontologia invertida (confusão entre ficção e realidade – o vídeo era tão hilário quanto um esquete do Porta dos Fundos), efeito firehose, discurso ambíguo, macarrônico e hiperbólico: a estética cenográfica do terrorismo com um objetivo bem definido: criar a false flag Tabajara para justificar um Patriot Act Tabajara – clique aqui.

Com a virada do ano, o terceiro movimento (a rápida identificação do principal autor do ataque do nosso “Charlie Hebdo”) revela ainda mais elementos clássicos para o reconhecimento de uma false flag.

Então, vamos a eles:

(a) Sincronismo e timing

Por si mesmo, o ataque à produtora já foi um ato visando o imaginário da opinião pública: foi na noite de véspera de Natal, supostamente em reação ao especial de Natal do grupo carioca de humor (“A Primeira Tentação de Cristo”) que apresentava uma versão gay de Jesus.

Em meio à espiral especulativa sobre a veracidade do vídeo de um “Comando Integralista” com uma bandeira monarquista, eis que um incêndio destrói um exemplar da famigerada estátua da loja de departamentos da Havan em São Carlos, SP – coincidentemente, uma estátua cópia da cópia (simulacro) da Estátua da Liberdade nova-iorquina; assim como o vídeo dos impagáveis “integralistas monarquistas” foi também um simulacro dos arquetípicos RAVs hollywoodianos – Russos, Árabes e Vilões em geral…

Um “ataque” também seguido de uma transmissão ao vivo no Facebook no qual o “véio da Havan” (Luciano Hang, com o seu physique du rôle peculiar) reivindica também ter sido vítima de um “ataque terrorista” e de um “ato político”. Segundo ele, um “ataque terrorista não contra ele, mas contra a sociedade brasileira”.

Sim, temos terroristas contra todos, seja esquerda ou direita!

(b) Dilema midiático e consonância

Sem dúvida, a pegada do especial de fim de ano do Porta dos Fundos foi uma reação à “guerra cultural” pautada pela extrema-direita.

Da mesma forma como, a poucos dias das eleições em 2018, as manifestações nas ruas do #EleNão em diversas regiões do Brasil e do mundo, alimentou ainda mais a polarização que foi benéfica à vitória de Bolsonaro.

O intenso tour de atentados terroristas false flags na Europa de 2013 a 2016 (Estocolmo, Paris, Nice, Berlim, Londres, Bruxelas etc.) alimentava a narrativa do choque cultural de civilizações Oriente versus Ocidente. É o modelo de false flag cujo objetivo é impactar antes o imaginário para, depois, amealhar as recompensas políticas.

“A Primeira Tentação de Cristo” e o “#EleNão” foram formas reativas da esquerda prisioneira de um jogo de xadrez com as casas previamente minadas: seja qual for a casa ocupada pela peça adversária, será previsível, sempre com uma carta na manga (um não-acontecimento) preparado para encurralar o oponente no xeque-mate final: o fechamento político definitivo.

Essa é a miséria da esquerda que sempre reage dentro dos termos criados pela guerra criptografada. Essa cilada é o “dilema midiático”: se em consonância a grande mídia pauta o caos informativo do clã Bolsonaro, a esquerda reage com mais provocações, o que soa como música aos ouvidos da extrema-direita.

O dilema é exatamente esse:  se não reagir aos termos da guerra cultural, essa será a notícia negativa que se voltará contra a própria esquerda.

Por isso, ironicamente muitos setores progressistas são os primeiros a acusar o ataque à produtora como um “atentado terrorista” e exigindo que a polícia assuma o ataque como tal.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

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