A Pandemia da Ressurreição
por Eleonora Cruz Santos
De meados de março em diante, período que coincide com boa parte da quaresma na igreja católica, a sociedade brasileira começou a sentir os impactos do Covid-19. Curiosamente, a iminência de uma epidemia na China não trouxe, para nenhum dos povos do ocidente, a perspectiva de que a globalização e seus intensos fluxo comerciais, turísticos, culturais e científicos pudessem ser tão brutalmente interrompidos. À força da globalização contrapôs-se a força da natureza.
Estudo recém-elaborado pela Fundação João Pinheiro mostra-se que, mantida a demanda habitual por internação pelo sistema de saúde em Minas Gerais, se 0,77%, ou seja, menos de 1% da população do estado precisar de internação por contágio por Covid-19, os acometidos só serão atendidos se infectados gradualmente ao longo de período superior a 2 meses. Os dados da FJP não consideram nem a disponibilidade de respiradores, nem a possibilidade de filas de espera a depender da localidade.
A tensão instaurada pelo Covid-19 se dá em contexto de frágil recuperação da economia nacional. Ainda no estudo da FJP estima-se que, em 2020, o PIB de Minas Gerais possa variar entre -3,1% e -3,9%, afetando diretamente a geração do valor adicionado dos 57 setores da economia, com efeitos mais drásticos sobre comércio, construção e serviços domésticos. Daí decorrem-se outros desdobramentos como possíveis perdas de postos de trabalho, estimado entre 587.086 a 781.584, além de redução salarial e impacto sobre as finanças públicas com redução da arrecadação de ICMS da ordem de R$3 bilhões ou mais.
Ao que tudo indica, ao longo dos próximos dois anos, fechamentos das fronteiras serão alternados com breves aberturas; fluxos de pessoas e cargas não retomarão os patamares de pré-pandemia; férias escolares, turnos de trabalho, ocupação dos espaços e transportes públicos possam se valer de ações que evitem aglomerações, como terceiro turno, alternância entre aulas presenciais e remotas, trabalho presencial e teletrabalho e/ou jornadas mais curtas. Eventos culturais e esportivos possivelmente não serão mais realizados com públicos tão elevados e, durante algum tempo o ser humano terá medo do contato próximo. Em meio às vidas em isolamento, às reconstruções familiares, à necessidade de reinvenção do trabalho e à perda irreversível de alguns postos de trabalho, novos negócios emergirão, possíveis realinhamentos dos níveis de preços, dos contratos, do valor das empresas e das remunerações. E, por último, o que pode ser mais surpreendente: o início da redução das disparidades sociais.
Em contexto cujos números apontam para cenários de guerra, parece haver uma revolução silenciosa, algo que transpõe às análises e à frieza dos números e aponta na direção de uma grande ruptura (exógena), que pode ser a ressurreição do homem e seu papel como humano.
Que nessa Semana Santa, tenhamos mais uma oportunidade de receber o Cristo ressuscitado para, através de uma pandemia, vermos renascer uma sociedade mais justa e fraterna.
Eleonora Cruz Santos – Economista, mestre em demografia, doutora em administração e pós-doc em economia (da saúde). Diretora da área de produção de dados estatísticos da Fundação João Pinheiro, órgão do governo de MG responsável pelas estatísticas oficiais do estado
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Foi falado sobre a diminuição da desigualdade social. Acho que ocorrerá o oposto. Com a Economia sendo freada abruptamente em todo mundo, e com milhões de pessoas ficando com a renda diminuída pelos próximos meses, o resultado será o empobrecimento, endividamento e mesmo a quebra de muitos pequenos e médios empresários nos próximos anos. E, quem tiver muita grana pra se sustentar sem percalços, poderá sair comprando empresas, patrimônio, e acumulando ainda mais poder. Acho que sairemos da crise com uma concentração de renda e poder nunca antes visto na história da humanidade.