Andre Motta Araujo
Advogado, foi dirigente do Sindicato Nacional da Indústria Elétrica, presidente da Emplasa-Empresa de Planejamento Urbano do Estado de S. Paulo
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A recessão virtuosa de Chicago, por Andre Motta Araujo

Estamos portanto na contramão da História e da economia, mas aqui dentro, aparentemente ninguém sabe disso, nem o Governo, nem a academia, nem a Globonews, nem a Jovem Pan e nem o grupo social dos ricos

A recessão virtuosa de Chicago

por Andre Motta Araujo

A pergunta é clássica, estão comemorando o que? A inflação ficou abaixo da meta por causa de uma gigantesca recessão. E qual é a vantagem disso?  Para os que têm renda certa e segura, como funcionários concursados ou rentistas que vivem de aplicação financeira, é ótimo inflação zero mesmo com o País em ruína econômica, são os beneficiários da economia improdutiva, aquela que nada produz e só consome e não precisa competir no mercado, o grupo chamado de “cruzeiros no Caribe”.

Enquanto isso o “time da economia” da GLOBONEWS comemora a inflação abaixo da meta, tão boa como pressão excessivamente baixa que pode significar a morte e não uma saúde virtuosa. Há uma diferença entre soltar bordões, platitudes e conhecimentos pedestres e dominar a verdadeira ciência, que em economia não tem ideologia. É a circunstância que determina uma política econômica, inflação pode ser até um bom remédio, como defendeu o Banco do Japão em sérios relatórios sobre uma intratável deflação secular da economia japonesa.

Mas para a economia da produção a famosa inflação “abaixo da meta” foi conseguida à custa de muito sofrimento: 13 milhões de empregos sacrificados, empresas quebradas, fábricas fechadas, aumento da criminalidade, lares destruídos, suicídios, jovens fora da escola, só na rua Augusta, da Av. Paulista à Rua Estados Unidos, se contam 141 lojas fechadas, na zona  mais rica de São Paulo, no Estado de economia mais forte do País.

A longo prazo, a queda da arrecadação, que é decorrente da crise, pode colocar em risco os salários dos concursados e os juros dos aplicadores, mas serão os últimos a perder, primeiro perdem exatamente os mais carentes.

A inflação abaixo de 3% foi conseguida pela derrocada da economia, é um resultado vicioso e não virtuoso, não há vantagem, mérito ou impulso ao crescimento nesse resultado, é a dieta por falta de comida e não por recomendação médica e não tem comida porque não tem dinheiro para comprá-la. Economia não é cartilha, é bom senso, sensibilidade, busca do equilíbrio, benefício para a maior parte da população e não apenas para poucos.

Estabilidade monetária com prosperidade é a meta virtuosa, aquilo que os estatutos do Federal Reserve, o banco central americano, exigem de sua direção, só estabilidade só vale para quem tem bom dinheiro, não é um bem neutro.

Mas se tiver que ser feita uma escolha exclusiva, o emprego vem à frente da estabilidade monetária porque a prosperidade significa emprego e este preserva a sobrevivência da população, mesmo com alguma inflação, a inflação incomoda, a fome mata, estabilidade sem dinheiro pode ser pior do que inflação com algum dinheiro na mão.

Como é possível tantos economistas endossarem essa política?  Os cânones da ciência econômica ensinada nas escolas de economia dos países centrais seguiram cartilhas majoritariamente ortodoxas nos anos do pós-guerra, porém com algumas correntes minoritárias de grande solidez intelectual que apontavam caminhos fora do mainstream da ortodoxia, especialmente até os anos 70, destacando-se nesse grupo Albert Hirschman, Gunnar Myrdal, Raul Prebish, o nosso Celso Furtado.

O grupo dos economistas do desenvolvimento ganhou prestígio e a eles devemos a industrialização do Brasil, fortemente combatida por ortodoxos da época como Eugenio Gudin. Criador do primeiro curso de economia no País, Gudin era contra existir indústria no Brasil, “somos o País do café”.

Com o advento do neoliberalismo de Friedrich von Hayek, nos anos 70, e do monetarismo de Milton Friedman com sua expressão política nos governos Thatcher-Reagan, a escola do desenvolvimento perdeu força e uma nova e grande safra de “economistas de mercado” emergiu das faculdades americanas, um grupo de economistas de países emergentes, que fizeram pós-graduação em Chicago, Northwestern, Cornell, Cornell, Wharton, Carnegie-Mellon, especialmente as chamadas escolas da “agua doce”, do interior dos EUA.

Outras escolas como Harvard, Stanford e New School of Social Research mantiveram-se mais equilibradas, mas os centros universitários do mainstream ortodoxo moldaram a cabeça dos nossos “economistas de mercado” que, aqui voltando, passaram a ensinar e propagar o “evangelho” monetarista cujo apóstolo foi Milton Friedman com seguidores importantes, como na própria Universidade de Chicago e em outros como a Carnegie-Mellon de Pittsburgh,  onde Alan Meltzler foi sucessor do legado de Friedman.

A escola de economia da PUC Rio, depois suas derivações como a economia da FGV, o Ibmec e o Insper se encarregaram de propagar o credo Hayek-Friedman até hoje. Sobre a construção ideológica na alma mater dos “economistas de mercado” brasileiros escrevi em 1995 o livro “A Escola do Rio”, narrando a trajetória, influência e importância da escola de economia da PUC Rio, dominante no Brasil desde o Plano Real até hoje, é força central do “mainstream” que controla a economia brasileira mesmo nos anos do PT.

Nos EUA, após a mega crise de 2008, o credo cego no monetarismo e no neoliberalismo foi revisto profundamente nas catedrais da ortodoxia, como a Universidade de Chicago. O que se ensinava antes foi considerado como uma receita da crise de 2008, um excesso de poder do mercado financeiro sobre a macroeconomia que quase liquida com a economia americana, só salva pelo plano TARP, uma profunda intervenção do Estado na economia, o que desmontou todos os argumentos de que o mercado deixado livre faz funcionar sozinho a economia e resolve as crises.

Wall Street perdeu prestígio, os grandes fundos de investimento como Black Rock (ativos de 8 trilhões de dólares) Fidelity Johnson (4 trilhões) e outros 19, com ativos de mais de 1 trilhão, mais os grandes fundos de pensão e gestores de fortuna como Bessemer Trust, Norhtern Trus, State Street, U.S.Trust, as grandes casas de administração de patrimônio, as “family offices”, os private bankers como Brown Bros. & Harriman e J.Henry Schroeder dos EUA, Canada e Reino Unido, passaram a desconfiar de Wall Street, que lhes empurrou ardilosamente os papeis subprime, sabendo que eram “podres”, esses fundos passaram a desprezar a assessoria dos bancos de investimento e a operar diretamente com seus departamentos de pesquisa, desprezando também agências de rating, uma mudança substancial do mundo financeiro, algo QUE NÃO FOI CAPTADO NO BRASIL por preguiça, ignorância, provincianismo, acomodação, estupidez e elitismo de muitos economistas acomodados nos seus apartamentos no Leblon e na Lagoa.

Os “economistas de mercado”, do qual o líder hoje é o Ministro da Economia, continuam com o evangelho de Chicago dos anos pré-crise de 2008, seu capital político é aquilo que aprenderam numa cartilha hoje SUPERADA mas que continuam a aplicar aqui porque é o que eles sabem, é o aparelhamento intelectual que eles adquiriram antes de 2008 nos EUA e que continuam transmitindo a seus alunos. E é esse evangelho que os comentaristas da mídia brasileira conhecem e propagam. Estão todos completamente defasados.

Hoje o conceito de austeridade foi revisado até pelo Fundo Monetário Internacional, que no seu relatório anual sobre a Grécia, em 2016, foi crítico da política de austeridade que, segundo o relatório do FMI, aprofundou a crise, exatamente o que estamos vendo no Brasil.

O monetarismo de Chicago está hoje morto e enterrado no mundo, mas vivíssimo no Brasil, tal qual o positivismo, enterrado na França e sobrevivo no Brasil. Temos o curioso hábito nacional de acolher doutrinas velhas, agasalha-las, ressuscita-las, incensa-las e mante-las vivas. É o que o Brasil faz hoje com o monetarismo e o neoliberalismo, pior ainda, recepciona tais doutrinas mal e porcamente por retalhos e não pela sua integridade. Privatiza-se o presidio de Manaus apenas para justificar um custo-preso três vezes maior que em São Paulo, algo sem lógica econômica alguma mas usando a privatização como capa e trem pagador da política, da mesma forma que se propõe terceirizar a administração do Estado, pagando pouco na ponta que trabalha e muito na fatura do terceirizador, usando a “capa” da privatização para fabricar mais milionários à custa dos mais pobres.

O monetarismo praticado pelo Banco Central é uma completa aberração intelectual, fazer política sueca em um País emergente e cheio de carências, pior ainda uma política que nem sequer tem como desculpa ser eficiente do ponto de vista das elites produtivas, é ruim para todos, menos para rentistas de dois tipos: os pendurados na folha do Estado com altos salários e os que vivem de juros de aplicações financeiras, ambas classes improdutivas mas que drenam recursos escassos de toda a população. São estas castas que pilotam o Banco Central desde o Plano Real e representam nele a economia improdutiva cujo porta voz é o Boletim FOCUS e a sua assessoria de comunicação é a GLOBONEWS, que se congratula com duas vitórias, a inflação abaixo da meta e a baixa da taxa Selic.

A inflação abaixo da meta foi conseguida pelo desemprego e paralisia econômica e a baixa da Selic não é vitória, é ato de vontade do BC, que já poderia ter sido praticado anos atrás, com  diminuição da rentabilidade dos bancos, as maiores do mundo no Brasil calculadas sobre ativos, patrimônio líquido, carteira de crédito, a prova do erro está em uma economia estagnada há cinco anos gerando lucros crescentes dos bancos, em 2019 até agora está 10,5% superior a 2018. Alguma coisa está errada e ela está no Banco Central que pilota esse trem fantasma enriquecendo os bancos desde o Plano real.

Há no mundo hoje um claro ciclo “antiglobalização” cujos símbolos são o BREXIT e o governo Trump. Enquanto isso o Brasil aprofunda seu atrelamento negativo à globalização cujo símbolo é a PETROBRAS convidar 30 empreiteiras estrangeiras e nenhuma nacional para completar as obras do Comperj, ao mesmo tempo a mesma PETROBRAS refuta veementemente a ideia de comprar equipamentos no Brasil, como se isso fosse pecado mortal. No mesmo momento a plataforma Trump é na linha do protecionismo e no “buy american”, entra em guerra com a China em nome da indústria americana e dos empregos para americanos, certo ou errado, é uma bandeira cujas raízes estão na realidade social.

Estamos portanto na contramão da História e da economia, mas aqui dentro, aparentemente ninguém sabe disso, nem o Governo, nem a academia, nem a Globonews, nem a Jovem Pan e nem o grupo social dos ricos, uma vez que hoje, na prática, inexiste uma elite brasileira, só há ricos com o pensamento em Miami, pelo menos podiam ser ricos obcecados por Florença, Vale do Loire, Salamanca ou Praga, em busca de cultura e refinamento e não apenas comprar bolsas Prada para suas peruas e relógios Hublot para exibir na Faria Lima, como se isso provasse sua superioridade social.

A crise econômica brasileira é basicamente uma crise de cultura, falta-nos um pensamento econômico original que já tivemos com os “economistas do desenvolvimento” como Romulo de Almeida, Ignacio Rangel, Celso Furtado, Roberto Simonsen, Delfim Neto, Roberto Campos (não confundir com os neoliberais toscos de hoje), é do pensamento econômico que surgem as luzes que pilotam uma política econômica de Estado, com vistas ao conjunto do País e não só ao grupinho de “mercado”, há que atender a 210 milhões e não a 30 milhões, se tanto, da classe média alta.

AMA

Andre Motta Araujo

Advogado, foi dirigente do Sindicato Nacional da Indústria Elétrica, presidente da Emplasa-Empresa de Planejamento Urbano do Estado de S. Paulo

8 Comentários

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  1. O shopping que mais frequento aqui em sampa é o spmarket da Nações Unidas, antiga fábrica da Caterpilar que mudou para Piracicaba há décadas. Toda vez que vou é cada vez maior o número de tapumes em lugar de lojas abertas, não deve ser diferente em outros Shoppings.

    Nessa picada vamos superar o segundo governo FHC quando havia nos Shoppings mais lojas com tapumes que lojas abertas.

    1. E D O : A nossa aberração é longínqua e no Povo Brasileiro não enxerga. A Fábrica ser trocada por Shopping. Shopping com lojas fechadas. Fábrica, Shoppings trocados por Igrejas. Mas o pior de tudo. Na Pátria de fantástica AgroPecuária, de AgroIndústria, a Fa´brica de Maquinários para tamanha produção ser uma Empresa Internacional, uma MultiNacional Estrangeira. Milhares e milhares de Empregos, Especializações, royalties, licenças, tecnologias que são drenadas para fora do país. AntiCapítalismo de Estado Absolutista. 9 décadas de doutrinação produziu uma ‘Nação de Cegos’

  2. Caro André.
    A ignorância da burguesia brasileira e de seus serviçais mais próximos aumentou dia a dia junto com a ignorância de uma parte significativa daqueles que se denominam de esquerda.
    Todo este processo de imbecilização deveria ser estudado sociologicamente, pois é uma coisa que parece ocorrer no Brasil com mais intensidade do que outros países.
    Estamos num estado que o ditado que poderia ser utilizado, modificando um pouco a sua redação:
    Em terra de cegos quem tem um olho só e míope, é majestade.
    A grande fonte de informação da nossa burguesia (estou usando o termo correto, não elite como utilizaste) é a TV Globo e a seu filhote mais esperto que é a Globo News, e a repetição ad nauseam das bobagens dos Liberais vinculados ao Mises Brasil repetiram com tanto fervor que tornaram-se mantras religiosos. O mais interessante de tudo que estes liberais vinculados a este terra-planismo nem se deram o trabalho de ler a obra máxima de seu guru. Para mim discutir com eles é uma facilidade imensa, simplesmente pergunto o que eles acham da praxeologia‎ como base de uma teoria econômica, em 99% dos casos eles nem sabem o que significa esta palavra, daí para diante é só deitar e rolar.
    Economia deixou de ser um assunto que num boteco se tinha boas discussões para ser um monte de afirmações dogmáticas que a imensa maioria dos que as falam nem tem ideia da onde saíram.
    Em resumo, o nível de cultura econômica simplesmente caiu a zero.

  3. O Colunista é bondoso com os ladrões que corroem o restante da economia nacional. Todos estão – apenas – fazendo negócios e negociatas: não há um que seja desinformado sobre tudo isso. Apenas, acobertam seus lucros sob lençóis fantasmagóricos. Não há inocentes nesta história, apenas, malandros, malandros e malandros. Como sempre

  4. O Brasil é surreal !! A Bipolaridade parece não ter cura !! A mesma Geração, seus descendentes, estruturas, feudos que plantaram um ‘abacateiro’ em 1930, continuam a jurar que produzirá ‘laranjas’. É inacreditável !! Não mudaram nem em Governos Petistas com Joaquim Levy ou Meirelles. Todos acreditam no milagre da promessa de onde saíram nos anos 30. O ‘messias’ Gudin continua doutrinando seus seguidores. O que mudou? Vejam quais eram as diretrizes econômicas e políticas na implantação da Ditadura Caudilhista Absolutista Ditatorial Esquerdopata Fascista? Só foi sendo replicada em Governos medíocres do próprio fascista, seus factóides como JK e “República de Juiz de Fora”, que ressurge na Redemocracia e no Tucanato, sendo estendida até os dias de hoje !! ‘Loucura é fazer sem pre as mesmas coisas, da mesma forma e esperar por resultados diferentes’. Encontrou a sua Pátria entre Lunáticos !! Franklin Martins, Mirian Leitão, Cabreira, Aloísio, Serra, FHC,…eram a esquerda dos anos 60. Cavaleiros do Apocalipse do NeoLiberalismo a partir dos anos 90. Gudin isola Simonsen nos anos 30. E sua Escola dita as regras deste país durante 9 décadas. Esconder o sol com peneira? Pobre país rico. Mas de muito, muito, muito fácil explicação. abs. (P.S. Houveram lapsos importantes que não permitiram a asfixia completa. No breve Governo Jãnio e Governos Militares. A Verdade dói, mas é Libertadora)

  5. Faço minhas as palavras de Voltaire e te digo, André, que defendo seu direito que mostrar que o que resta do mundo capitalista não passam de destroços que dificilmente poderão vir a se recompor nos marcos de um modo de produção que, como você mesmo afirma, não tem mais a produção como objetivo. O capital anda a se imolar, de bom grado, e cumprindo todas as ilusões de um agrupamento que outrora foi uma classe, no altar do Rentismo. Que se vá!

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