A sensação de impotência quando um filho vai manifestar, por Matê da Luz

por Matê da Luz

No meu último post escrevi sobre um acontecimento com minha filha na manifestação da última segunda-feira. Indevidamente abordada, sentiu na pele as emoções de uma polícia descontrolada e imputada de um poder bizarro. Como mãe, ficou a preocupação sobre os próximos passos: deveria eu conter a expressão primária do indivíduo, que é se manifestar, tendo em vista o cenário violento que se instaurou sem exceção? 

Não. Primeiro porque não concordo com práticas de silenciar o que a alma pede; segundo que, por definição, adolescentes têm este desejo nato de pertencer e, particularmente, admiro as escolhas de pertencimento dela; terceiro, não menos importante, porque eu mesma só não participo mais ativamente indo às ruas por me considerar peso morto, aquela que tem tremedeira frente às multidões e medo, muito medo, do que vai acontecer mas, respeitosa que sou às individualidades, preciso me adequar às escolhas de quem me é diferente. 

Neste treino constante de adaptação, fui conivente com a presença dela na manifestação de ontem, colocando alguns limites que, mais tarde, percebi que de nada adiantariam: ela é uma adolescente e na maior parte das vezes o “está tudo bem” interno dela não se ajusta ao meu, seja porque a bateria do celular acabou, seja porque aquele território não a amedronta. Pedi que ela fosse acompanhada da madrinha, ativista convicta, e que voltasse com ela. Não foi o que aconteceu e eu, que voltava de viagem, tive que apelar para novas táticas enquanto a moçoila não dava notícias e a polícia obviament abusava nos explosivos e na autoridade no Largo da Batata. 

Apegada que sou, acendi uma vela para o anjo da guarda – o dela, pois o meu já vinha de prontidão, ativado no coração de mãe que me é peculiar. Rezei, pedi que ele a guiasse para locais seguros e que a iluminasse com inteligência para saber distinguir a hora de sair de campo, evitando danos físicos e psicológicos que, eu bem sei, fazem um mal danado e provocam energias de ira e desespero, nada boas para os momentos de combate. Entrei em contato com algumas pessoas do grupo de amigos que ela provavelmente estaria, pedindo informações sobre a localização e a última vez que a viram: isso acalmou de certa forma, pois um rapazinho muito querido tinha se despedido dela havia pouco e me disse que ela estava vindo pra casa. 

Respiro, o telefone toca: é ela, está na Paulista, sem bateria no celular, bem fisicamente, cheirando vinagre porque socorreu uma moça desmaiada pelo gás. “E você?” – Estou bem, cansada, caminhando na direção contrária de onde a guerra se instalou. 

Ufa. 

Converso, digo que não quero ser proibitiva, mas que ela entenda e aceite que estas manifestações são verdadeiramente perigossas quando a gente perde o contato com a base. Mostro matérias e posts e amigas de quem os filhos não deram notçias e estão provavelmente presos sem acesso aos advogados e sem que ninguém saiba quem são – ditadura, filha, é muito perigoso. As pessoas somem, sim, sem que qualqur outra pessoa perceba e isso é muito próximo do que vem acontecendo por aí, não é exagero de mãe, tá vendo? 

Uhun, ela faz que sim com a cabeça e, num ato de maturidade e empatia, pede pra comprarmos uma bateria portátil de celular, além de compartilhar comigo os nomes e telefones de quem vai andar junto com ela dali pra frente, mesmo que sejam desconhecidos que se esbarram numa corrida em fuga, solidários à atenção de quem espera aflita por notícias. Chegamos num acordo que, até agora, parece razoável. 

Ela se manifesta, eu também e, assim, caminhamos para o exercício de transformar na gente o que desejamos pro mundo que é, nos tempos atuais, o desejo de tolerância para com as vontades íntimas sem desrespeitar o coletivo. 

Crédito foto: Revista Exame

Mariana A. Nassif

8 Comentários

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  1. Gostei muito da atitude dos

    Gostei muito da atitude dos manifestantes ontem quando insistiram e conseguiram fazer os mascarados retirarem as máscaras.

    Não precisamos de vândalos. Michel Temer precisa de vândalos!

  2. Sobrevivendo ao Golpe e derrotando o Golpista!

    Meninos e meninas forjados cidadãos na luta. Tenha orgulho de seu filho, dona Maitê!

    Não só os jovens, mas todos os cidadãos que protestarem não devem negligenciar a própria segurança contra o arbítrio da Polícia. Devem sim, levar substâncias e apetrechos que minimizem os efeitos das bombas de gás lacrimogêneo, gás de pimenta e outros instrumentos usados pela repressão.

    Se presos, não devem permitir que sua moral seja rebaixada pelas “autoridades”. Atividades físicas como flexões e leitura são muito importantes para manter o controle dos nervos (principalmente, dos mais jovens) e o moral elevado.

    O militante deve sempre estar em posição moral e psicológica superior aos agentes da repressão para sí em para aqueles que estão a sua volta.

    Evidentemente, exigir o respeito aos seus direitos constitucionais como assistência legal é imperioso para o cidadão vítima da repressão.

    Lutemos até que este Inominável Golpista seja vomitado pelo povo do lugar que nunca deveria ter ocupado!

  3. Louvor a mãe e a filha.

    Estes acontecimentos me lembram quando jovem em 64. Também tinha um lado e era o que apanhava da polícia. Descaradamente envelheci e aprendi a sobreviver por 25 anos de desgaste pessoal, frustrações, como um cidadão sem nenhuma expressão política. Que isto nunca mais venha acontecer para nossos jovens. Que eles tenham mais tenacidade que minha geração. Os golpistas são os mesmos, sua PM tem o mesmo comportamento pitbul raivoso, mas o pior é se acostumar viver submisso a canalha.

  4. Ai Janaina…Esses ai

    Ai Janaina…

    Esses ai REALMENTE estão lutando POR SEUS NETOS…

    Uma hora as pessoas descobrem que são descartáveis…

    Que são comuns, não são bilionárias que compram outras pessoas…

    Ai descobrimos que há poucos tipos de pessoas…

    Há os que compram, há os que vendem…

    Tristes tipos…

    E há aqueles que são irremediavelmente loucos e irresponsáveis – estes são os amantes da liberdade deles e para os outros!

  5. tão bonito o que acabei de ler…

    traz muito de amor, de luz que acalma, de anjos da guarda que já cheguei a pensar estarem esquecidos, enfim, com uma mãe assim, filha tem tudo para se sentir segura esteja onde estiver

    adorei a colocação de que não se pode perder o contato com a base………………………….lindo…uma base, dois corações

    Matê, além de lindo, muito importante tudo o que você colocou

  6. Matê, sabemos o final da

    Matê, sabemos o final da estória, a truculência sempre perde, espero que dessa vez sem vítimas fatais.

    Esse governador, acredito, infelizmente depois do infortúnio que sofreu na vida, ficou com o coração duro, revoltado, amargurado, que é incompatível com um homem que se diz religioso.

    Ele vem perseguindo os jovens implacavelmente, desde da greve dos alunos secundaristas.

    A juventude não tem culpa do infortúnio que sofreu.

  7. Pagaremos o preço?

    Quando eu digo que aqui em SP a gente tem de fingir ser tucano, para não perder o emprego,  muitos ficam indignados. Ou a pessoa fica do lado de cá do muro, fingindo que nãoa está acontecendo, ou se passar para o lado de lá e for pra rua protestar, deve saber que vão te fazer pagar o preço por isto, até as últimas consequências.

    Eu li a reportagem sobre o advogado no Paraná que apanhou da polícia ao defender seu filho que estava manifestando, e me lembrei disto.

    A verdade é que todos os estados governados por tucanos, são assim. Paraná, SP, e muito mais. Quando a gente finge ser tucano, ou apolítico, tudo bem. Agora se ousar dar um pio contra o sistema, aí devem estar preparados para aguentar as últimas cosequencias. Não é brincadeirinha, é seríssimo.

    Mahatma Ghandi, que também era advogado, apanhou muito da polícia na época, foi preso por anos, condenado e tudo maIs. Antigamanete a repressão não era como hoje. Naquela época, torturavam, matavam, os cassetetes não eram de borracha, mas de madeira de lei maciça, onde batiam, quebravam ossos. E a ordem da Mahatma era não reagir, apanhar em silêncio, pois eram pacifistas. 

    Uma vez foram manifestar na época do Mahatma, por sorte ele não estava  junto, a polícia abriu fogo contra os manifestantes com metralhadoras automáticas, estilo .50, de grosso calíbre, e 1600 manifestantes morreram sem reagir. Embora os jornais locais tentassem encobrir a notícia, a noticia saiu no mundo todo e começou a ficar feio para a Ingllaterra, retratado mundialmente como um país de covardes, que assassinavam crianças e adolescentes a sangue frio, por fim tiveram de dar a Independência à Índia. Aquilo era aguentar até as últimas consequencias, e foi assim, que a Índia conseguiu a Independência da Inglaterra. Afirmavam assim que pagariam o preço que fosse necessário pela independência de seu país…

    Será isto que queremos para nossos filhos? Estamos dispostos a pagar qualquer preço?

  8. Dos qutro jovens “detidos

    Dos qutro jovens “detidos para averiguação” pela puliça do Geraldo, três são negros. de acordo com a foto acima.

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