A vazia entrevista do ministro da Saúde, por Lauro Mattei

O novo ministro conhece pouco a estrutura e o funcionamento do sistema público de saúde do país, além de não possuir um plano de ação básico no momento em que a COVID-19 avança fortemente.

A vazia entrevista do ministro da Saúde

por Lauro Mattei

Decorridos seis dias após a pomposa posse no cargo de Ministro da Saúde (MS), no dia 22.04.20 ocorreu a primeira entrevista pública, cercada de uma expectativa ao redor do nome do novo ocupante da pasta da saúde. Afinal, desde a sua posse divulgou-se exaustivamente que o país agora tinha um “um ótimo empreendedor e um excelente gestor” na área da saúde.

É importante registrar que nesse período de seis dias o novo ministro repetiu a música de uma única nota: precisamos ter mais informações para atuar. Na verdade, parece que por trás desse jargão se esconde um fato concreto: o novo ministro conhece pouco a estrutura e o funcionamento do sistema público de saúde do país, além de não possuir um plano de ação básico no momento em que a COVID-19 avança fortemente em diversas unidades da federação, deixando centenas de mortes, conforme tem sido amplamente divulgado pelos meios de comunicação.

Além disso, registre-se que no dia 20.04.20 esse ministro divulgou um vídeo informando que o país iria fazer 46 milhões de testes, cifra que certamente bateria o recorde mundial, isto porque se forem somados todos os testes feitos até hoje em 200 países, o número não atinge a metade do que foi anunciado, o que pode ser qualificado como um desvario mental do recém empossado. O outro aspecto presente no mesmo vídeo diz respeito ao projeto de flexibilização do distanciamento social que está sendo construído no MS, momento em que foi repetida a importância da testagem para “se entender a doença e desenhar a saída do isolamento social”. Por último, foi anunciado que naquela data tinha sido fechado contrato com a empresa DASA que iria fazer 3 milhões de testes, sendo aproximadamente 30 mil deles por dia.

Este era o cenário que precedeu a entrevista que ocorreu na tarde do dia 22.04.20. Para tanto, é importante registrar alguns dos aspectos mais relevantes e delicados que se sobressaíram nesta atividade ministerial:

1)Testes em massa: contrariando o anúncio anterior,  afirmou-se que “não existe a possibilidade de testagem em massa porque não tem formula mágica”. Receitou-se que se deve usar os testes para mapear a população de forma que a amostra representa o todo, o que é uma obviedade elementar. Dizer que basta apenas uma boa amostragem em meio a uma pandemia quando ainda se desconhece parte importante dos mecanismos de transmissão, haja vista o caráter assintomático da doença, é reduzir a dimensão social do problema. Para sustentar essa sua intenção, o ministro ainda fez uma comparação de dados entre a Coréia do Sul e a Itália. Todavia, se esqueceu de informar que a “Itália foi um desastre” porque não adotou inicialmente as medidas de distanciamento e isolamento social preconizadas pela OMS, além de ter flexibilizado seu programa de distanciamento social prematuramente.

2)Banco de dados sobre a doença: desde sua indicação para o cargo, o novo ministro vem fazendo afirmações abstratas sobre falta de informações. Para tanto, no dia 20.04 anunciou em vídeo que estava atuando em três braços fundamentais: entender melhor a doença; usar o distanciamento social para preparar a infraestrutura de saúde; desenhar um programa de saída progressiva do isolamento social. Para tanto, fez questão de frisar que está atuando em claro alinhamento com o presidente, garantindo que o isolamento social será implantado progressivamente. E durante a entrevista informou que em cinco dias desenhou a criação de um banco de dados bastante útil para trabalhar melhor as informações. Resgatei essas passagens porque elas evidenciam, não a postura de um exímio gestor público, mas os bordões típicos e calejados dos “entrepeneur coach”.

3)A performa do Brasil: utilizando dados e informações  sobre número de mortes por milhão de pessoas em alguns países, cujos valores foram corrigidos posteriormente no Jornal Nacional da rede Globo, o ministro afirmou que o Brasil é o país que “melhor performa em relação a COVID-19”. Além disso, falou que o Brasil tem os melhores resultados exatamente no dia em que o número de mortes atingiu quase duas centenas e que os meios de comunicações mostravam a abertura de valas comuns nos cemitérios de várias cidades, conforme parte da foto que ilustra esse artigo.

4) Desdenho de estudos clássicos: todos os bons profissionais das diversas áreas de saúde conhecem a importância dos estudos do clássico Imperial College da Universidade de Londres, não por acaso referência mundial. Mas para o novo ministro, o que essa instituição tem feito são apenas modelos matemáticos. Talvez se esse senhor tivesse estudado esses modelos – que inclusive estão servindo de base para o governo de Santa Catarina na definição de sua estratégia de contenção da pandemia – poderia parar de falar a todo momento que faltam informações e estudos. Mas mesmo que não goste dessa instituição internacional, poderia se aprofundar um pouco mais com os  estudos de diversos órgãos de pesquisa do próprio MS que já são de domínio público há meses.

5)O SUS inexiste: chama atenção que no vocabulário do ministro o Sistema Unificado de Saúde do país praticamente não existe. Durante a sua posse o mencionou uma única vez e de forma bastante duvidosa, ao relacioná-lo ao problema do desemprego. Já na entrevista afirmou que os sistemas de saúde não são feitos para “trabalhar no limite”, sem explicar melhor o que pretendia dizer com esse tipo de afirmação.

Em síntese, podemos concluir que tivemos uma entrevista cheia de falas desconexas e permeada por bordões típicos de palestrantes que buscam descaradamente vender seu peixe. O problema é que no momento não há peixes à venda, mas sim milhares de cidadãos brasileiros que precisam com urgência do atendimento das estruturas da rede de saúde por estarem submetidos a uma pandemia de escala planetária.

A sensação ao final é que um antigo bordão acabou de ser resgatado nesta entrevista: nunca espere nada de onde nada se pode esperar!

Professor Lauro Mattei – Departamento de Economia e Relações Internacionais da UFSC. Programa de Pós-Graduação em Administração da UFSC. Coordenador do NECAT-UFSC. Pesquisador do OPPA-CPDA-UFRRJ.

Redação

2 Comentários

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  1. Mais do mesmo, é verdade, mas não significa que não seja grave. Quando eleito Bolsonaro, era clara a ausência de quadros competentes dentro de cada área de trabalho na composição do governo. E, por isso, não precisa ser um gênio pra ser melhor que qualquer um.
    É o governo com nivelamento para baixo. Meio reginaduarte.
    A única sorte é ter um quadro de funcionários de carreira, carregando o piano. Mas não sem sair todo dia com uma dor de cabeça por causa da tolice generalizada.

  2. o problema é que esse lixo que ta ai no comando do ministério da saúde é só um mero fantoche comandado pelo falso Messias que ta cagando pelas mortes das pessoas, está só pra tapar buraco enquanto o infeliz paga todos os governadores pra reabrir todos os comércios e escolas.

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