Abril de 1838 – Abril de 2015: a derrota das Sabinadas

177 anos separam o fim da Sabinada e o arremedo de rebelião convocado para este mês por FHC. As diferenças entre os movimentos são evidentes.

A Sabinada, movimento que iniciado por militares exaltados por causa de reformas no Exército, saiu de controle e se tornou uma rebelião popular comandada por batalhões de milicianos negros comandados por negros.  O contexto daquela rebelião foi marcado pela decadência econômica de Salvador. A segunda maior cidade do Império estava mergulhada numa profunda crise.

Quando a Sabinada explodiu, Salvador enfrentava a concorrência do açúcar cubano e a restrição inglesa ao comércio de escravos, sofria em razão da fuga de capital português provocado pela guerra da independência e era assolada pela falsificação de moeda. “O declínio econômico exacerbava a instabilidade social e racial” (Revoltas Motins e Revoluções, Monica Duarte Dantas (org.), editora alameda, São Paulo, 2011, capítulo VII, Hendrik Kraay, p. 267).

Entre os primeiros rebeldes havia oficiais do Exército e das milícias. Os civis afetados pela crise aderiram à rebelião militar, que e em algum momento passou a ser comandada pela população de cor. As classes abastadas fugiram da cidade quando a rebelião saiu de controle. “No princípio de março, Barreto Pedroso estimou que dois terços da força rebelde  constituía-se de negros” (Revoltas Motins e Revoluções, Monica Duarte Dantas (org.), editora alameda, São Paulo, 2011, capítulo VII, Hendrik Kraay, p. 275). Em abril de 1838, o tenente reformado do Exército João Francisco Cabuçu estava preso por causa da Sabinada. Ele pediu para ser libertado reconhecendo que errou ao não deixar a cidade como ordenara o governo e explicou que “Na verdade a revolução não foi iniciada pela plebe, porém, no fim, a canalha ditava a Lei e os negros com seus batalhões a todos amedrontavam” (Revoltas Motins e Revoluções, Monica Duarte Dantas (org.), editora alameda, São Paulo, 2011, capítulo VII, Hendrik Kraay, p. 265).

A repressão à rebelião foi dura e exemplar. Milhares de rebeldes foram mortos pelas tropas legalistas. Os negros rebelados e seus comandantes eram fuzilados mesmo quando depunham suas armas. Os sobreviventes foram deportados para a África e para a ilha de Fernando de Noronha. Milhares foram forçosamente recrutados para o Exército e transportados para o Rio de Janeiro. Funcionários públicos que não obedeceram a ordem de deixar Salvador perderam seus empregos.

“Os motivos distintos dos diversos grupos envolvidos na Sabinada esclarecem que a rebelião ficou totalmente diferente do que os líderes intentavam. Sendo socialmente conservadores, perderam o controlo do que haviam liberado. No centro do palco político brasileiro, os escravos e as classes inferiores de Salvador repudiavam o curso que o Império tomara nos quinze anos anteriores. E para as classes dominantes brasileiras, o evento foi certamente assustador, mas não podia, de forma alguma, ser considerado inesperado. Não é de surpreender que fosse seguida de tão brutal repressão.” (Revoltas Motins e Revoluções, Monica Duarte Dantas (org.), editora alameda, São Paulo, 2011, capítulo VII, Hendrik Kraay, p. 284).

O baixo crescimento econômico de 2014 e as reformas implementadas pelo PT na última década (Bolsa Família, ENEM, Cotas Raciais, Mais Médicos, operações da PF contra a corrupção e contra a sonegação fiscal, etc…) fornecem o pano de fundo para a rebelião dos tucanos derrotados e de seus aliados. Como no caso da Sabinada, a rebelião insuflada pela imprensa e agora comandada por FHC é composta por diversos estratos sociais: políticos tucanos, operários liderados por Paulinho da Força, supremacistas brancos, criminosos da ditadura, artistas fracassados, sonegadores de impostos e celebridades e milionários investigados por terem dinheiro no HSBC da Suíça.

Os negros e pardos, ou seja, os estratos populares mais afetados pela crise econômica que afetava Salvador, comandavam a Sabinada quando ela foi derrotada em abril de 1838. A Sabinada Tucana é predominantemente branca e tem sido discretamente apoiada pelas PMs. Os rebeldes comandados por FHC são membros da classe média alta e da classe alta que se sentem ameaçados pela ascensão social promovida pelas políticas inclusivas levadas a efeito pelo PT, cujo eleitorado é composto majoritariamente por pessoas de origem humilde que foram beneficiados pelas políticas sociais, pela valorização do Salário Mínimo, acesso facilitado ao crédito e pelo pleno emprego. Um dos motivos da rebelião é a alta do dólar, algo que beneficia muito os industriais e produtores rurais brasileiros, mas aumenta o custo das viagens ao exterior dos rebelados. Hoje como na primeira metade do século XIX, as Forças Armadas estão comprometidas com a legalidade.

Não há semelhanças sociais entre as duas Sabinadas. Caso FHC e a imprensa incitem atos de violência e racismo em abril de 2015, a repressão militar ao seu movimento será inevitável. Veremos como as autoridades federais agirão neste caso. Pessoalmente, espero que o combate à esta nova Sabinada seja tão ou mais violento do que aquele que desbaratou a Sabinada em 1838. Afinal, nunca antes neste país as elites brasileiras foram reprimidas com a mesma selvageria com que reprimiram rebeliões populares. Há um momento em que a História do Brasil terá que mudar definitivamente.

O respeito ao Estado de Direito e à soberania popular devem sobrepujar os desejos neuróticos da elite branca de comandar o país contra a vontade do povo e apesar de ter sofrido uma derrota eleitoral. A violenta repressão à Sabinada Tucana apoiada pelas PMs ou a adesão militar à mesma determinarão se o país seguirá seu caminho em direção ao futuro ou se regrediremos ao passado Colonial. 

Fábio de Oliveira Ribeiro

Fábio de Oliveira Ribeiro

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  • quem tem mais medo do povo?

    perdoe-me, senhor Fábio de Oliveira Ribeiro, mas a comparação histórica é forçar demasiadamente as conjunturas e o que se percebe no texto é alertar o PSDB que ele está iniciando um processo (eles não iniciaram nada) que pode fugir ao seu controle. Esse receio, é de quem teme a ação das massas trabalhadoras e oprimidas, pois o que o senhor chama de reforma (bolsa isso, bolsa aquilo, mais isso, mais aquilo) não passa de migalhas que cairam do banquete servido aos endinheirados e numa tentativa de isolar o povo, como se dissessem -"contentem-se com isso e deixem-nos governar para o futuro, para o desenvolvimento" , ora essa política (falta de política) é de quem teme mais os trabalhadores do que os oportunistas que se opõem a estes ocuparem o poder que acham de fato ser deles. Quanto a repressão, é só ver o dia  a dia e constatar que ela é exemplarmente aplicada pelo Estado até hoje, contra os que se rebelam por serem excluidos politicamente do processo e da sociedade.

    • Quando a repressão à

      Quando a repressão à "Sabinada Tucana" começar veremos se a comparação é ou não forçada. Ha, ha, ha...

      • quando começar?

        Prezado.


        Está se excluindo a contínua e sempre presente repressão aos movimentos populares que ocorre neste país e com a omissão ou sem a manifestação ou até apoiado pelo Executivo. Índios, trabalhadores sem terra, operários da área petrolífera, greves de metroviários, a repressão exclusiva da PM enfim ou se diz que isso é em outro país ou outra classe ou ficaremos esperando a "comprovação histórica" de que a manobra de utilização de "inocentes políticos" depois de se atingirem os objetivos da elite desencadeará uma violência maior que a atual, mas sempre contra os setores já oprimidos por este estado e que sempre acabam pagando a conta dos ajustes fiscais.

    • Se está falando da repressão

      Se está falando da repressão aplicada pelos Estados (e suas PMs) lhe dou razão. Haja vista as estatísticas de mortes causadas pela "resistência à prisão".

  • O nosso Agora!

    Em todo caso, não se podera contar com a força policial para reprimir nenhuma "sabinada", vinda da casa grande. Não conte com esses entorpecidos.  

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