Urariano Mota
Escritor, jornalista. Autor de "A mais longa duração da juventude", "O filho renegado de Deus" e "Soledad no Recife". Também publicou o "Dicionário Amoroso do Recife".
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Agonia e queda de Eduardo Cunha, por Urariano Mota

por Urariano Mota

Em que ponto da vida Eduardo Cunha se perdeu? Para o gozo da altura que desfrutou, quando era o substituto, e mais adiante seria o presidente da república, devemos perguntar: em que ponto do poder ele saiu da curva?

Se olharmos para a sua biografia, que se tornou uma ficha criminal, no começo vemos só indícios do grande furto que seria: em 1989, o economista e empresário Paulo César Farias, maneira de se referir ao caixa de Collor, o filiou ao Partido da Reconstrução Nacional (que nome, mas tudo é a ironia da realidade) e o misturou ao núcleo da campanha presidencial de Fernando Collor. Com pouco menos de trinta anos, o gênio Eduardo Cunha trabalhou como tesoureiro do comitê eleitoral no Rio de Janeiro. Em 1991, Collor o nomeou para o comando da Telerj. No papel de  presidente da companhia, criou uma comissão de licitação vinculada diretamente a seu gabinete. (A raposa cuidava das galinhas.) Elegeu-se deputado federal pela primeira vez em 2002, pelo PPB, foi  reeleito pelo PMDB nas eleições de 2006, 2010 e 2014. O mais é público por fortes laudos criminais.

Nas recuperações histórias de suas entrevistas na televisão, mostra-se num cinismo cavalar desde o tempo das fraudes na Telerj. Ele sorri com escárnio por um canto dos lábios, olha de lado, interrompe a pergunta, argumenta com preciosismos de conceitos. Ele parece se dizer:  são uns babacas, sabem de nada. Sequer conhecem o significado de usufrutuário e dono de contas na Suíça. No Congresso, a sua prática foi comprar, corromper, ameaçar e intimidar, nem sempre nessa ordem.

Mas onde, em que ponto Eduardo Cunha se perdeu?  Se olharmos as datas, vemos que em 17/04/2016 apresentou o impeachment de Dilma Roussef. Seis meses depois, em 19/10/2016, é preso. Mas como é que foi tão depressa de salvador da pátria a ladrão favorito? É que na sua intensa ficha criminal, o chantagista acrescentou o crime de sequestro, na medida em que procurou fazer da então presidenta Dilma uma refém.

O poderoso presidente do Congresso Eduardo Cunha já havia sequestrado o Congresso e, como bom criminoso, aumentava o preço do resgate a cada votação. Ele chegou a sacrificar o Brasil para exercer o próprio arbítrio e delinquência. Na sua decisão afirmou que abriu o impeachment contra a presidenta por estas razões: “o governo Dilma não é uma crise exclusivamente econômica, mas também política e, sobretudo, moral…”.  E mais: “tenho defendido que, a despeito da crise moral, política e econômica que assola o Brasil…”. E entregou a vítima às feras do congresso, grande mídia e judiciário.

É simples e elementar, a experiência humana sustenta: o sequestrador não pode perder a sua vítima. Quando Eduardo Cunha entregou a presidenta ao   impeachment, ele perdeu o valor de troca. E fez sumir o interesse em ser mantido como antes, quando o saudavam como o “malvado favorito”, apesar dos notórios e provados crimes.

Agora, ele se torna agora um homem-bomba,  em mais de um sentido. No de causar a morte política em quem estiver a seu redor e no sentido próprio, que fere fundo a si mesmo. Enquanto escrevo, as notícias precipitam o seu abismo e ladeira.  O chão é o limite, porque gritam os títulos: “Para Lava Jato, filhos de Cunha participaram de ‘série de fatos criminosos’”. Para os procuradores da Força Tarefa da Operação Lava Jato, há evidências de que três filhos do ex-deputado federal Eduardo Cunha participaram de uma ‘série de fatos criminosos graves’ como o recebimento de propinas e lavagem de dinheiro.  

Ele está morto? Ainda não. Eduardo Cunha guarda como última moeda os crimes dos amigos corruptos com quem se relacionou. Ele possui muitos dados para a chantagem. Difícil, no seu próximo lance, é saber como usar, como lançar os dados que não o projetem de vez para muito longe da curva. Que não o empurrem para fora da vida.  Eduardo Cunha acredita em Deus, mas não quer dar o próximo passo até o paraíso.  

 

*Diário de Pernambuco http://www.impresso.diariodepernambuco.com.br/app/noticia/cadernos/emfoco/2016/10/24/interna_emfoco,156540/agonia-e-queda-de-eduardo-cunha.shtml

 

Urariano Mota

Escritor, jornalista. Autor de "A mais longa duração da juventude", "O filho renegado de Deus" e "Soledad no Recife". Também publicou o "Dicionário Amoroso do Recife".

7 Comentários

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  1. Só acredito na queda depois

    Só acredito na queda depois de condenado. Por enquanto só esta preso provisoriamente. Vai se saber as engrenagens que se movem ou se moverão em sua defesa.

    Eduardo Cunha é como a justiça brasileira. Se move nas sombras.

  2. Mesmo eu acreditando

    Mesmo eu acreditando tratar-se de mais um youssef, intuio ser mais provável que ao acionar o impeachment ele não tenha contabilizado perda de valor de troca, pois burro que não é, sempre soube no que poderia ter pela frente. A grande bola fora foi antes, num momento de extremo exibicionismo, bem acima do seu já muito elevado normal, quando resolveu bater no peito e apresentar-se voluntáriamente para declarar numa cpi que nunca teve conta no exterior. Erro imperdoável e indefensável dentro do seu vasto clã, sinuca de bico que o forçou partir para o mea culpa.

  3. A parábola dos 5 amigos atualizada

    Ela foi contada, originalmente por Lauro Jardim em 14 de agosto.

    Agora ela fica assim:

    “Era uma vez cinco amigos que faziam tudo junto, viajavam, faziam negócios…. então, um virou presidente, três viraram ministros e o último está preso.”

    Na versão anterior, o último estava apenas “abandonado”.

    E na versão anterior havia um adendo: ” isso não vai ficar assim”. Pelo andar da carruagem, o adendo continua em vigor.

  4. O Eduardo Cunha fez o que

    O Eduardo Cunha fez o que fez, porque não enxergava outra saída, êle e os de sua espécie, incluindo-se os carteis de mídia, ao contrário dos coxinhas desinformados, sabem que não resistiriam à continuidade de um governo honesto, que fatalmente colocaria nos eixos, as instituições apodrecidas desde as capitânias hereditárias.

  5. O STF, sempre criativo, vai

    O STF, sempre criativo, vai ter que encontrar uma saída para ele. Na república do Paraná ele nada tem de novo contra lula ou petistas, então a delação não interessará.

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