Amado Batista: Um depoimento indesmentível

 

AMADO BATISTA: UM DEPOIMENTO INDESMENTÍVEL

 

O cantor brega Amado Batista, um “terrorista” dos tempos da ditadura, nos ofereceu um dos mais importantes testemunhos da existência da tortura física e psicológica no país, de como era aplicada pelos motivos mais banais e de suas conseqüências.  

 

Segundo ele, na juventude agiu como criança levada e então tinha que ser corrigido pela mãe, no caso o torturador.  Amado cometia o gravíssimo crime de permitir que clientes lessem livros contrários ao regime e essa gente, segundo ele, “talvez” pudesse colocar o regime em risco (imaginem,  por exemplo, o risco de cair em uma democracia, sem abertura gradual e anistia também do torturador???).

 

E se o Amado tivesse “desaparecido”, ou estivesse entre os “atropelados” ou mortos nos “tiroteios”? Talvez sua alma fizesse depoimento no mesmo sentido, diria que mereceu, que cometeu o erro, que assumiu o risco ao deixar livros perigosos ao alcance de leitores curiosos. Sabe-se lá até onde iria na justificação de um crime de lesa humanidade, o mais cruel e degenerado que um ser humano pode cometer e sempre covarde, pois o torturador, aproveita-se da situação de submissão em que o torturado se encontra. Na tortura, um doente de cima comanda um doente de baixo, e ambos passam para o torturado outra doenças, que marcarão sua psique para o resto da vida, acabarão com seus mecanismos de defesa perante os ataques internos ou externos.Amado deve ter sofrido os dois e então se tornou nisso que ele demonstrou que é, digno de piedade.

 

Não obstante a revolta inicial,  que à primeira vista pode resultar de seu depoimento, ele é um dos mais relevantes na denúncia da tortura, de sua existência no Brasil dos tempos da ditadura, de suas conseqüências, de seu uso cotidiano. De um lado, ela veio de quem não só não tem ressentimento como justifica a ação nefasta da escumalha do regime, de outro, foi inteiramente espontânea. Pode-se acrescer,  ainda, como era prática rotineira,  que bastava permitir leitura de livros (muito provavelmente Amado queria vendê-los e lucrar) para ser candidato aos choques elétricos e  passar uma temporada no inferno, nos porões dos generais. Certamente devia ser bem pior para os que os liam esses livros, quando descobertos. Na época,  os jornais traziam um discurso militar por dia, justificando o assalto ao poder e destacando a necessidade de defender com energia a civilização ocidental e cristã da camarilha cripto-comunista, Amado entre eles…

 

Percival Maricato

 

 

 

 

 

 

 

Redação

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