Amém, Lula! – “O julgado justo não foi”, por Hallyson Jucá

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Por Hallyson Jucá

Amém, Lula!

Como de costume, sequer saí do Plenário. Não que me sinta a vontade neste lugar, absolutamente. A pompa, o mármore lustrado, a estrutura imponente não são pregações minhas. Mas ali me colocaram e por ali fiquei. Não cerrei os olhos em vida para injustiça e tampouco os fecharia depois de crucificado.

Nestes tempos, que procuradores invocam meu santíssimo nome para jejuar pelo açoite, eu, que com sede sequer estava, amante da liberdade, senti o dever de dizer que sinto mesmo é fome, a mesma dos que há tempos não degustam os justos. Assim, sequer notei o jejum da hipocrisia, que, com mesas fartas, incrementada de penduricalhos, emborcam o prato publicamente para se fazer de rogado.
De antemão já esclareço aos meus pares, com a data vênia, cujo uso recorrente muitas vezes é uma desfaçatez, que não me julgo superior a ninguém. De toda sorte, sabe-se lá por qual motivo, talvez crença ou devaneio, pregado fui acima de suas Excelências, com pregos nas mãos, joelhos e pés. Esqueceram, porém, da mordaça. Sorte minha ainda poder falar algo que importa. Se em vida não me calei, menos ainda faz sentido agora quando já estou despido dos valores terrenos.

E, para deixar assentado que de apregoação bem conheço, percebi a forma como apregoado o processo foi. Na marra, na força, com o receio de apequenar o julgo. Apequenou! Verdade mesmo é que, diminuído a cada pauta, já não éramos grandes a ponto de se apequenar (desculpe-me a pessoalidade de quem há anos cá está sem vontade própria). Mais umas duas ou três pautadas, quem sabe me tirem deste sacrifício, deste crucifixo adornado de tudo que repugno.

O causo, não tenho dúvidas, era simples. Simples também, mas aqui já não posso julgar, dizem ser o réu. Não importa. Não o julguei. Enquanto ele era julgado, julgava eu se julgaria os julgadores! Nunca julguei ninguém em vida e não seria agora, de pés a mãos atadas, alçado a patamar mais alto do que mereço, que julgaria Suas Excelências, embora o saiba que abaixo da indumentária, são homens e mulheres, iguais aos demais, assim como já fui um dia e como outros tantos ainda hão de ser.

Deixei-os muito a vontade, pois. Melhor dizendo, passei despercebido. Pudera, Sua Excelência, a Presidente do Conselho dos Justos, dava-me as costas e não me atrevi a atrapalhar o que pautado foi depois de muitas pauladas. No altar, pequeno estava e pequeno fiquei durante os debates, sem que daí se conclua que fui apequenado. O que me interessava era justiça e bastou ouvir as primeiras cantaroladas para que o enjoo me acudisse. Resisti! Assisti até o veredicto, embora menos verdadeiro e menos dito do que esperasse que fosse.

Atento ao que julgado era, colhi de tudo um pouco. Insisto, só tive uma causa. Fui réu. Nem mesmo Dr. Batochio, defensor da justiça, com sua impressionante oratória, se vivo já fosse àquela época, seria capaz de espiar meus pecados. Sempre pecamos e os olhos que passam ao lado são os que nos julgam. Há um desejo insaciável do homem por chicotear o próximo. E sempre lutei contra!

Após enfadonhos votos (ó, como gosto do silêncio, da reserva, porque diabos aqui me puseram?), percebi dois dos que mais próximo a mim estavam, aparentemente mais sábios, decanos talvez, conseguindo bradar por algo que lutei enquanto vivo: o justo.

Tudo o mais foi obra dos apóstolos, certamente não estes onze que agora se encontram apostos um pouco abaixo de meus pés.
Certo é que passados mais de dois milênios nunca permiti, expressa ou tacitamente, que se apreguem homens pelos seus pecados, ainda mais por uma injusta justiça. Posso afirmar com conhecimento de causa que pregos doem! Feitos para fincar-se no concreto, rasgam com facilidade o corpo, a alma, o ser.

E como posso entender o que é ser justo? Dias atrás, neste mesmo palco (quem dera fosse um teatro de verdade…) apesar da boca na botija, quando não com a botija já na boca, estes mesmos julgadores deram clemência a outros homens? Não preciso nominá-los.
Decerto não eram piores ou melhores deste que agora suas Excelências julgam. E, se em vida entendi que é justo tratar com igualdade, após morto percebi que este valor é essencial. Então, se meus ensinamentos de algo valessem, não fossem estes sábios terrenos mais profícuos, diria que o julgado justo não foi.

As demais questiúnculas, o voto pela forma em detrimento do conteúdo, são questões que me assolam. Na verdade, o formalismo, desde antes, agora e talvez para o sempre, não deve superar a essência. Mas superou! Nunca me imaginei negando clemência pela falta de chinelos, de vestimenta, de forma, pois procuro julgar o que me assemelha. E despido de indumentárias, somos iguais.
Culpado ou não, repito, Excelências, justo o julgado não foi!

Podem até achar argumentos nas palavras que não escrevi, fruto de seus próprios raciocínios, mas não encontraram jamais algo parecido com à justiça que em vida preguei. Não preguei ódio! Não preguei rancor! Não preguei desunião! Não preguei guerra! Não preguei morte! Não pregue intrigas! Não preguei o pecado! Não preguei a diferença! Preguei a igualdade, inclusive pregado fui e cá estou por tal motivo. Só não me digam que este processo foi apregoado para agigantar a Corte, agora muito mais miúda.

Não vejo o momento de sair daqui!

Silente, já sem câmeras, luzes ou os brilhos incandescentes que me incomodam, orei, em silêncio para os que sintam fome de justiça achem algo para saciá-la; orei para não jejuarem falsamente em meu nome; orei por mais igualdade; não orei para que prendessem ou outros que foram soltos por Suas Excelências para fins de justificar este injusto julgamento. Perdoei o pecado julgado e os julgadores do pecado.

Amém.

Por Hallyson Jucá, 05.04.2018

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

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  1. O julgamento de Nine

    O réu é de origem pobre e oriundo da região Nordeste
    Criado e crescido na metrópole de São Paulo
    Foi treinado e exerceu trabalhos braçais
    E fala mal a língua pátria
    O que torna, de saída, todos os seus atos suspeitos

    Não é negro de pele mas exames acurados de sua psique
    Evidenciam uma alma enegrecida, certamente por conviver,
    Desde tenra idade, muito misturado à gente de cor e paupérrima
    O que eleva consideravelmente a suspeição de seus atos

    Como atenuante, o réu ascendeu na vida, ocupou cargos importantes
    Usou terno e gravata exigidos pelo exercício do cargo
    E tem, atualmente, um padrão de vida relativamente elevado

    Porém, o atenuante é completamente anulado
    Pois o réu, embora livre da praga da pobreza
    Insiste em trazer dentro de si a alma negra
    E pobre e nordestina e de trabalhos braçais
    E barba muito suspeita e recusa em elevar seu português operário
    À língua culta dos doutos que somos nós

    Declaramos, então, o réu indigno dos cargos que ocupou
    E o proibimos de ocupar este ou qualquer outro cargo
    Exclusivo da gente clara e esclarecida, como nós
    Declaramos também o réu indigno de nosso convívio
    Pois fala mal, não se barbeia e certamente cheira mal
    Como costuma acontecer a todas as almas ou corpos empestiados
    De pobreza, negritude, Nordeste ou trabalhos braçais

    Em conclusão, o réu é culpado
    Não por ser nordestino, de alma negra e pobre e braçal
    Pois reconhecemos a utilidade de tais tipos
    E com eles simpatizamos, desde que se resignem
    À sua condição servil e nos sirvam com amor
    Pois precisamos de domésticas, babás, motoristas,
    Garçons, pedreiros, garis e jagunços
    Para o bom funcionamento de nossas casas e ruas

    O réu é culpado pelo crime hediondo
    De querer viver conosco em nossa casa grande
    Sem perder a alma negra e pobre e nordestina e braçal
    E mais culpado ainda por fazer crer à ralé que nos serve
    Que nossa bela e exclusiva casa grande é dela também,
    Que a casa é de todos: pretos, pobres, nordestinos, braçais…
    Quanta heresia! É culpado, mil vezes culpado
    De querer nos fazer conviver como iguais (oh! horror)
    Oh! horror) com a gente serviçal, tosca e fétida!

    Prendam o réu!
    Em nome de Deus e da família!
    Torturem a ele e a seus companheiros!
    Ponham-no no tronco e lhe apliquem mil chibatadas!
    De pau de arara veio, ao pau de ara retornará!
    Cortem-lhe a cabeça! Mas não rapidamente, que o réu sofra antes,
    Que perca a mulher, que seus filhos e netos paguem por seu atrevimento
    Que seus companheiros sejam perseguidos! Que o seu sonho
    De promover a ralé malcheirosa à dignidade de nós doutos
    Desmorone diante de seu olhar triste e impotente!
    Que ele perca todas as batalhas! E que gozemos,
    Que gozemos no ódio que nos move a sua dor mais funda!
    Gozemos a tristeza sem esperança da ralé que o tem como ídolo!
    E que nossa Pátria amada verde amarela seja desinfetada,
    Para todo o sempre, de seu corpo e de sua alma
    Negra, vermelha, criminosa!

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