“Americanização” da campanha, consolidação democrática ou antessala do fascismo?

A polarização estabelecida nas campanhas eleitorais deste ano, com o PT, de um lado, e o antiPT, de outro, e a “subida de tom” de ambos os lados, com acusações mútuas, fez com que muitos analistas buscassem paralelos com as campanhas norte-americanas, realizadas, fundamentalmente, por democratas e republicanos e voltadas, em geral, para a desconstrução dos adversários e, apenas secundariamente, para a apresentação de propostas de governo.

As democracias consolidadas tendem, de fato, a contar com dois grandes campos, normalmente corporificados em dois grandes partidos. É assim nos EUA e no Reino Unido (Inglaterra), principalmente, mas, com uma diversidade um pouco maior, também na França e na Alemanha, para ficarmos apenas nos exemplos mais notórios. Na maioria destes países, ao contrário do que se pensa comumente, existem muitos partidos políticos (nos EUA há cerca de 80 partidos em atividade), mas as disputas eleitorais efetivas se dão entre dois ou, no máximo, três partidos. Isto se deve, em grande medida, aos sistemas eleitorais adotados por eles, que tendem a concentrar a disputa entre poucos campos políticos.

No Brasil, devido à existência de 32 partidos registrados e, principalmente, ao sistema eleitoral vigente, que provoca a fragmentação da representação parlamentar, tendemos a fazer avaliações contraditórias, se não opostas: de um lado, entendemos que a existência de muitos partidos é prejudicial à democracia e, de outro, acreditamos que a polarização eleitoral entre dois grandes partidos é antidemocrática.

Nem uma coisa, nem outra. A existência de muitos partidos permite a organização das minorias e a representação de interesses diversificados e o bipartidarismo eleitoral, por sua vez, permite que a maior parte dos diferentes interesses se agrupem em dois grandes campos político-ideológicos, simplificando as escolhas dos eleitores e também as ações dos governos, na medida em que diminuem, no espaço legislativo, as forças com poder de veto às iniciativas governamentais.

O grande problema no Brasil é o excesso de partidos relevantes no Congresso Nacional, nas Assembleias Legislativas e nas Câmaras Municipais, devido à fragmentação da representação, o que dificulta a tomada de decisões e a implementação de medidas governamentais e alimenta o “toma-lá-dá-cá”, provocando os múltiplos e constantes “mensalões”, em muito maior número do que aqueles que já foram tornados públicos. Sem eles, não é garantida a “governabilidade” nas Prefeituras, nos Governos Estaduais e na Presidência da República, quaisquer que sejam os partidos políticos que estejam no exercício do poder.

Uma efetiva reforma das instituições políticas e do sistema eleitoral vigente talvez seja suficiente para resolver esses problemas ou, ao menos, para minorá-los significativamente. Uma questão que precisa ser enfrentada com urgência, preferencialmente logo no início do próximo período governamental.

Definição de campos político-eleitorais, entretanto, não implica, necessariamente, no estabelecimento de conflitos abertos entre concorrentes, na troca de acusações e na proliferação de denúncias, nem, muito menos, na hostilização mútua entre simpatizantes dos lados em disputa. Não é isto o que se vê no Reino Unido, na França ou na Alemanha, por mais polarizadas que sejam suas disputas eleitorais.

A “baixaria” nas campanhas eleitorais é o lado perverso da “americanização” das disputas em curso no Brasil. Ela decorre, em grande parte, das opções das coordenações de campanha e da adoção de técnicas de marketing eleitoral importadas e mal adaptadas à realidade brasileira. Ela decorre, principalmente, da despolitização e da desinformação histórica dos eleitores brasileiros e da ação deliberada e diuturna da grande mídia do país.

Em um país com uma democracia consolidada, com instituições públicas constituídas e meios de comunicação com posicionamentos políticos plurais, mas com forte tradição moralista, como os EUA, as campanhas eleitorais dão grande peso para a trajetória pessoal e a vida privada dos concorrentes. Como os campos políticos estão definidos, são conhecidos pelos eleitores há muito tempo e dividem as intenções de voto da imensa maioria dos eleitores ativos (o voto não é obrigatório nos EUA), colocando Republicanos conservadores, à direita, e Democratas progressistas, à esquerda, o voto dos eleitores indecisos ou seja, daqueles que não têm posição partidária definida, é disputado com base na história de vida e na conduta pessoal de cada candidato.

Em um país como o Brasil, sem tradição democrática, sem definição de campos político-ideológicos consolidada e submetido ao controle monopolístico da informação, centrar a disputa político-eleitoral nos aspectos pessoais dos concorrentes e nas denúncias de corrupção, alimentadas por uma grande mídia alinhada apenas a um dos lados (veja-se o manchetômetro do IESP/UERJ), é estimular a “baixaria”, despolitizar o debate e levar a disputa política ao nível dos confrontos físicos, como já vem ocorrendo no país.

O baixo índice de politização dos eleitores, cujo voto é obrigatório, o controle monopolístico da informação disponibilizada para a população e a fragilidade político-institucional das instituições públicas brasileiras, inclusive do seu sistema jurídico-eleitoral que, por omissão e/ou retardamento na ação, acaba por beneficiar, voluntária ou involuntariamente, um dos lados em disputa, formam um caldo de cultura favorável aos excessos e tornam possíveis atos que beiram os comportamentos fascistas – fundados, invariavelmente, no ódio desinformado e/ou na informação distorcida.

Sairemos desta disputa divididos, como Nação, em dois grandes campos políticos, o que pode, sem dúvida, ser benéfico para a democracia e para a consolidação da cidadania. A definição de campos político-ideológicos clareia o debate e facilita a organização e a representação dos interesses político-sociais. Uma definição que poderá, inclusive, facilitar a composição de maiorias governamentais e diminuir a corrupção sistêmica, se as maiorias passarem a se constituir pelas afinidades político-programáticas existentes entre partidos de um mesmo campo ideológico e não fundamentalmente pelos interesses pecuniários de partidos e indivíduos, como ocorre hoje.

A quebra dos monopólios de mídia e o rompimento dos carteis de imprensa, atualmente estabelecidos no país, diferentemente do que ocorre nas democracias consolidadas, bem como a realização de uma ampla e profunda reforma político-eleitoral, além, é claro, da mudança das táticas de marketing político utilizadas, serão requisitos fundamentais para que os ódios construídos e/ou aprofundados durante esta eleição se desfaçam e as maiorias governamentais comecem a se constituir sobre bases programáticas e menos corruptas. Sem isso, corremos o risco de ultrapassar a antessala do fascismo, para onde fomos levados durante esta campanha eleitoral.

Benedito Tadeu César  – Cientista político

Publicado originalmente no site Sul21

http://www.sul21.com.br/jornal/americanizacao-da-campanha-consolidacao-democratica-ou-antessala-do-fascismo/

Redação

11 Comentários

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    1. Errado!

      A primeira providência é colocar o seus jornais facistas em circulação. E depois queimar todos os outros.

      Alguem lembra da TV Excelsior , canal 9?

  1. NassifLamentavelmente o

    Nassif

    Lamentavelmente o fascismo já foi implantado, e os maiores culpados são as mídias que o introduziram com a devida anuência dos poderes constituidos.

    Mudar isto na proxima legislatura não será facil, a não ser que o poderes que permitiram isto,  mudem de postura. 

     

  2. Discordo. O que caracteriza o

    Discordo. O que caracteriza o fascismo é o totalitarismo, cuja principal característica é a submissão de toda a sociedade e de todas as instituições públicas a uma única ideologia marcial, sob a diretriz de um único partido político comandado com mão de ferro por alguns líderes submetidos ao Duce (Führer na sua versão alemã). No Brasil atual não há espaço constitucional, econômico, cultural para a predominância de um único partido, nem tampouco valorização da militarização da vida cotidiana. Eleição norte-americana se vence com  “murro na cara”, como diz  o jornalista Vitor Paolozzi em sua obra homônima. Em qualquer democracia o “ataque pessoal rasteiro” faz parte de jogo. Entre os atenienses do século de ouro da democracia, IV a.C., os ataques pessoais muitas vezes adquiriam conotações desagradavelmente sexuais. 

    1. fascismo de baixo para cima

      discordo em parte. Em primeiro lugar é preciso admitir que o fascismo não nasce de um líder, o líder é um resultado de um movimento de massas, que nasce da insatisfação vaga e da frustração de camadas da população – quase sempre a classe média – que são capazes de transmiti-lás a outros segmentos.De Gramsci a HAnna HArendt, o fascismo foi diagnosticado como um fenomeno de massas e não um fenômeno produzido por um lider.

      Isso significa que estamos na antesala do fascismo? Concordo que a baixaria entre os que disputam cargos políticos não é necessáriamente um sinal disso. Sinal disso é o ódio contra o  outro difundido nas ‘redes sociais’, a violência física contra quem se discorda politicamente ou representa o ‘outro’, e a glorificação dessa violência como ‘heroismo’. Nesse sentido, sim talvez estejamos na antesala do fascismo e ele está emergindo na politica de baixo para cima. E vai continuar crescendo sem um trabalho de resistencia, de esclarecimento e de denuncia de baixo para cima.

      Além do mais, esperar desfiles militares de tropas de choque com roupas negras ou marrons(ops, acho que vimos isso!), a defesa do controle absoluto do Estado sobre a vida do povo (melhor dizendo a fusão dos dois), e o surgimento de um lider ‘carismático’ para diagsnosticar o avanço do fascismo é anacronismo. Tanto é assim que hoje na Europa há um nome para o ‘fascismo’ que resusurge: a ultradireita e não mais a ‘antiga’ extrema direita.

       

       

       

       

       

       

       

       

       

  3. A radicalização política é

    A radicalização política é uma marca dos tempos atuais, presente em todos os países do mundo, quase sem exceção. Reflete a desagregação das arquiteturas socias a partir da prevalência dos interesses dos “mercados”.Reflete também a luta surda pela manutenção da hegemonia do “Império”, que recorre a inúmeros expedientes, sobretudo na mídia, para desqualificar e abater quaisquer tipos de movimentos que possam ameaçar sua hegemonia. É esse poder desagregador que explica o aumento da violência no Brasil, mesmo com redução da desigualdade e aumento da renda. Se conseguirmos reduzir a violência  e  resgatar valores como solidariedade e honestidade, o Brasil com certeza se projeta como grande liderança mundial. Está aí um desafio.

  4. Falando em baixaria, e a

    Falando em baixaria, e a carteira de “policial” do Aécio, hein? Tá no VIOMUNDO! Será que vai figurar na FSP, como “ficha” da Dilma no DOPS, lembram?

  5. Uma meia-verdade

    É  uma meia-verdade que o voto seja obrigatório no Brasil. Fosse mesmo obrigatório a abstenção não chegaria a 25%. O que o eleitor perde não votando…Nada. O eleitor que não for votar não poderá tirar passaporte? Chega a ser cínico, qual deve ser a parcela do eleitorado que se ausenta do país? Cerca de 2 milhões de brasileiros viajam ao exterior por ano… então não é nada absurdo afirmar que 95% da população brasileira nunca foi nem ira ao exterior enquanto viver. Então a primeira “punição” não tem eficácia. Vamos a segunda, quem não vota não pode prestar concurso público. Os concurseiros devem estar na faixa 1.000.000 em todo o Brasil, mas vamos considerar que sejam 3 milhões, mais uma vez a punição não atinge em cheio o eleitorado, além do que prejudica apenas os que querem estudar o que é um outro absurdo. Fora isso a multa para regularizar a situação é de menos de 5 reais, então realmento o voto não é obrigatório. A população aos poucos vem tomando ciência disto. Esta mais do que na hora de remover esta picuínha , este resquício da ditadura e transformar  voto no que ele realmente é … Um direito e nunca um dever.

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