Redes sociais e debate público: a responsabilidade de indivíduos, instituições, da mídia tradicional e da mídia independente

Os acontecimentos recentes de manifestações populares no Brasil mostraram de novo o poder das chamadas mídias sociais – como redes, blogs e microblogs – para organizar a sociedade conectada ao redor de ideias e ações. Não há duvidas de que as mídias sociais afetam a distribuição de poder no debate público, à medida que as pessoas podem ocupar estes espaços para manifestar diretamente suas opiniões, e para organizar ações de pessoas com interesses semelhantes.

Com o aumento do poder de comunicação e organização vem também a maior responsabilidade nos nossos atos de manifestação nas redes sociais, ao nível do indivíduo, dos grupos e das instituições.

Observando segmentos das redes sociais (é impossível ter uma visão geral das redes considerando a natureza fragmentada destas plataformas), vemos toda a sorte de manifestações de opiniões sobre qualquer assunto. Algumas manifestações são legítimas, mostrando o espectro político do país, dos mais libertários e democráticos aos mais conservadores e autoritários.

É preocupante, no entanto, o número de pessoas que reproduzem notícias e fatos inventados, mentiras e manipulações. Nas regras de conversação nas redes, fica a dúvida de quantas destas pessoas que divulgam fatos não comprovados fazem isso conhecendo a natureza do conteúdo que estão divulgando e validando. Com a permissividade de usar humor na rede e de se manifestar sem contextualizar uma opinião, fica difícil entender se uma reprodução significa apoio ou ironia, concordância ou discordância, conhecimento ou ignorância. Além do problema de conteúdo, temos nas mídias sociais um nível elevado de falta de transparência ideológica. Grupos e bandeiras se formam sem que as pessoas saibam quem esta por trás de cada opinião.

Estes fenômenos não são exclusividade das mídias sociais. Sempre houve mentiras e manipulações, sempre houve falta de clareza nos tons ideológicos de instituições, e as mídias tradicionais sempre foram usadas pelas estruturas de poder para manipular o debate público. No entanto, a própria estrutura das plataformas sociais e a dinâmica de trocas por elas proposta podem ampliar estes aspectos por exibirem em tempo real todo tipo de conteúdos para um número grande de pessoas e numa velocidade e nível de fragmentação que nenhum outro meio de comunicação permitiu anteriormente, tendo o ponto de vista do diálogo. Como a responsabilidade é diluída nas redes, fica muito difícil entender como notícias e opiniões se reproduzem. Por outro lado, as redes sociais também oferecem a oportunidade de fazer o oposto, e ajudar a sociedade a construir um melhor debate público por reduzir o poder das estruturas de dominação através da mídia.

Nosso foco neste artigo é enfatizar a responsabilidade que temos hoje com o uso das mídias sociais. Vamos discutir isso brevemente em quatro pontos, focando na melhora da qualidade do debate público.

A responsabilidade do indivíduo

Cada um é um pouco jornalista na rede social. Quando publicamos, replicamos ou comentamos uma notícia ou uma opinião, somos responsáveis pelos efeitos, repercussões e impactos que elas produzem Não apenas nos grupos de relacionamentos de cada um, indo mais além, uma vez que nossas ideias podem ser compartilhadas por muitos. Reproduzir fatos nem sempre comprovados é trabalhar contra a qualidade do debate público. Com a facilidade das tecnologias digitais, qualquer um pode inventar um fato, alterar uma foto, criar uma frase não dita, entre tantas outras manipulações. Ninguém pode dizer que não tem responsabilidade apenas por compartilhar ideias mandadas por outras pessoas através das redes digitais. Temos de aprender como cidadãos como usar as mídias sociais, como verificar se o que estamos passando para frente é correto e alinhado com nossas ideologias, e como informar nossas redes sociais de erros que tenhamos feito por falta de informação correta. Quanto maior a credibilidade de uma pessoa nas diferentes redes em que participa, maior sua responsabilidade sobre os conteúdos que divulga e a repercussão sobre as pessoas de seu círculo de influência. Falamos aqui de responsabilidade cidadã de um enorme contingente de pessoas interconectadas em esfera pública.

A responsabilidade das instituições

Se no passado as estruturas de poder em qualquer regime político, dos mais autoritários aos mais democráticos, tinham mais controle sobre os canais de comunicação, a democracia é exercida nas mídias sociais traz um novo desenho para a comunicação social. As instituições, sejam públicas ou privadas, não podem ignorar a conversa e as opiniões, quais sejam estas, que transitam pelas mídias sociais. Instituições têm a responsabilidade de estar presente no diálogo e entender como negociar com pessoas e grupos que tem uma informação, verdadeira ou não, neste espaço. Mas a responsabilidade vai além: num regime de comunicação através de mídias sociais, instituições estão mais sujeitas à cobrança da sociedade por seus atos. Em regimes autoritários, governos controlam as mídias sociais para garantirem que o uso destas ferramentas não afete muito o rumo definido pelo poder centralizado. Em regimes democráticos, as pessoas ganham poder por meio da mídia social, o que exige mais transparência e melhor governança das instituições. Este é o novo desenho da sociedade, e não deveria estar surpreendendo ninguém.

A responsabilidade da mídia tradicional

Existe muita discussão nos últimos anos do papel das empresas de mídia na atual configuração da informação através da Internet e das mídias sociais. As empresas de mídia tradicional perderam o monopólio de estabelecer o que é “notícia”, factual ou manipulada. Mas por outro lado, a cacofonia, a abrangência, e a fragmentação das conversas nas mídias sociais também não permitem ter uma clareza a respeito dos fatos. Mais do que nunca, as empresas de mídia têm responsabilidade de acompanharem o que está acontecendo nas conversas nas mídias sociais, e entrarem no diálogo construtivo com estes espaços para melhorarem a qualidade do debate público. O monopólio da informação e da manipulação foi perdido. As empresas de mídia tradicional têm de reinventar o seu papel social, assumindo maior responsabilidade no diálogo com a sociedade neste novo cenário. Falamos aqui de uma oportunidade valiosa para as empresas de mídia se utilizarem do potencial tecnológico e social disponível nas redes para construírem um novo protagonismo.

A responsabilidade da mídia independente

As mídias sociais também permitiram a emergência de um novo segmento de comunicadores, que podem ser agregados no que chamamos de mídia independente. Estes indivíduos e grupos se organizam através das plataformas digitais para sistematicamente informarem a sociedade de uma forma independente da mídia tradicional. Plataformas de blogs e vídeos permitem este tipo de organização (como por exemplo http://twitcasting.tv/; http://www.indymedia.org/; http://wordpress.com/). A mídia independente tem um grau considerável de credibilidade e legitimidade, exatamente porque se propõe a fazer o papel da mídia – cobertura de fatos e opiniões – sem ter a pressão das estruturas de poder que estão relacionadas com a mídia tradicional. No entanto, trabalhar sem a estrutura de uma mídia tradicional exige destes profissionais de comunicação muito esforço para confirmarem informação e veracidade de material digital recebido. Neste sentido, a mídia independente tem grande responsabilidade pela qualidade da informação que divulga, uma vez que suas audiências esperam destes canais um comportamento ético e profissional que corresponda às expectativas de um jornalismo de excelência.

Momento de reflexão

Há muito mais a ser dito sobre as mudanças sociais que estamos vendo pelo uso de mídias sociais. Mas vamos ficar por aqui, refletindo sobre as nossas responsabilidades, e como podemos ajudar a redesenhar as instituições e os atos individuais institucionalizados para que façamos o melhor deste momento histórico no qual as mídias sociais oferecem uma oportunidade e um risco para a qualidade do debate público.

Sobre as autoras

A prof. dra. Elizabeth Saad Corrêa é professora titular e pesquisadora da Universidade de São Paulo. A dra. Magda David Hercheui é professora da Westminster Business School em Londres, no Reino Unido. Ambas são pesquisadoras do impacto da mídia social na comunicação, nas estruturas políticas e organizacionais.

Veja a matéria original em Magda David Hercheui’s Blog

Redação

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