As bananas do presidente e a personalidade autoritária, por Alexandre Filordi

Trata-se de uma nova tipificação de autoritarismo que não está nem aí em assumir o lugar vexatório, longe de qualquer sobriedade discursiva, ritual ou de distanciamento institucional. 

Stephan Brusche

As bananas do presidente e a personalidade autoritária 

por Alexandre Filordi

Dos acontecimentos impensáveis que os brasileiros dotados de mínimo bom-senso vêm se assombrando, desde a posse do atual governo federal, ao menos para mim, o fato de o presidente da república contratar um comediante para dar, em seu lugar – literalmente – bananas aos repórteres, escancara a abjeção completa com os níveis mínimos de republicanismo e com a assunção irrevogável do autoritarismo.

Não se trata mais de um perfil de governo histriônico e inconsequente, capaz de dizer que uma repórter quer “dar o furo”, por exemplo, quando é indagado sobre algo que não lhe convém. Trata-se de uma nova tipificação de autoritarismo que não está nem aí em assumir o lugar vexatório, longe de qualquer sobriedade discursiva, ritual ou de distanciamento institucional. 

Diante de índices sócio-econômicos catastróficos e cada vez mais pungentes; diante de uma completa incompetência verbal, lógica, argumentativa ou explicativa; diante da incapacidade de ligar causa e efeito, o porta-voz maior da República oferece aos brasileiros um ato jocoso como criança que brinca com fogo, sem saber, no entanto, que ele também queima. É que a criança imagina que tudo pode. 

Mas ao se comportar assim, o que vemos é a manifestação dantesca de um autoritarismo que não reconhece no jornalismo, por exemplo, a possibilidade de equilíbrio de forças democráticas. Todos os presidentes e a presidenta precedentes lidaram, com maior ou menor grau, com críticas, questões, interpretações interpostas entre governo e sociedade civil. Jamais, porém, contratou-se humorista para assumir lugar de fala e dar bananas como gracejo de poder abusivo. 

Não reconhecer, todavia, na voz dissonante o caminho para o fortalecimento democrático, já que a democracia pressupõe convívio com diferenças, multiplicidades e singularidade humanas de toda ordem, é pavimentar o autoritorismo como forma de governar. As bananas dadas aos jornalistas por um comediante que interpreta o presidente – e já não sabemos quando o presidente interpreta, se é que apenas interpreta, um comediante – são as mesmas bananas que estão sendo dadas aos povos indígenas, às universidades públicas, à biodiversidade brasileira, à diversidade LGBTTQ+, aos povos africanos no Brasil, aos pobres, à democracia, etc. O que vimos ser inaugurado é a passagem ao ato autoritário que não ousa mais se disfarçar. 

Em Estudos sobre a personalidade autoritária, Theodor Adorno articulou nove variáveis a respeito da personalidade autoritária: 1) convencionalismo: rígida aderência a valores convencionais, de classe média; 2) submissão à autoridade: atitude submissa e acrítica com relação a autoridades morais idealizadas de grupo; 3) anti-intracepção: oposição ao subjetivo, ao imaginativo, ao compassivo; 4) agressão autoritária: tendência em ir buscar e condenar, rejeitar e punir pessoas que transgridem valores convencionais; 5) superstição e estereotipia: crença em determinantes místicos do destino do indivíduo; disposição para pensar segundo categorias rígidas; 6) poder e “resistência”: preocupação com dimensão nas relações dominância-submissão, forte-fraco, líder-seguidor; identificação com figuras que estão no poder; ênfase excessiva nos atributos convencionados do ego; afirmação exagerada da fora e da rigidez; 7) destrutividade e cinismo: hostilidade generalizada, vilificação do humano; 8) projetividade: disposição para aceitar que coisas selvagens e perigosas sucedem no mundo – como mortes necessárias em um golpe de estado;   9) sexo: preocupação exagerada com “comportamentos” sexuais. 

Poupo-me, assim como poupo à leitora e ao leitor, de exemplificar em cada um dos itens acima atos coincidentes do atual governo federal com a personalidade autoritária. Mas uma coisa é fato: agora está muito claro por que é uma banana que se recebe quando se indaga: onde está Queiroz? Quem matou a Mariele? Quanto se gasta no cartão coorporativo da presidência? Como a cocaína foi parar no avião presidencial? Quem pagou os advogados de Adélio Bispo? Etc. etc. etc. Nada mais se explica: o ato da personalidade autoritária foi assumido por completo. 

Se o conjunto da cidadania e das instituições da República não impuserem um limite imediato à personalidade autoritária que nos governa, de imediato, há de se trocar o nome de República Federativa do Brasil para República Federativa das Bananas. 

Alexandre Filordi (EFLCH/UNIFESP) 

Redação

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